São Sebastiao

Tarde de domingo de inverno. Um sol infantil diverte-se convidando os desejosos de calor a espraiarem-se debaixo dos seus raios. Não lhe respondi, tinha de ir a um funeral. Na estrada secundária observei um movimento inusitado para aquele lado meio deserto. O que é que estará a acontecer? Ao fim de meia centena de metros observo uma mancha escura e silenciosa a invadir a estrada. Estacionei o mais possível à direita para deixar passar uma estranha procissão. Para a terríola era muita gente, de idade a maioria, vestidos de escuro, com uma ou outra criança com ar divertido e um casal de namorados que, indiferentes ao momento, iam manifestando ternura amorosa. Os devotos iam ao molhe, sem ordem, até pareciam uma coorte romana a ir para a batalha. As suas faces eram dignas de fazerem parte dos quadros da Paula Rego. Ainda procurei sinais de alguma devoção, mas, sinceramente, não consegui vislumbrar, pelos menos nos que foram alvo da minha atenção. Senti que nos tempos do paganismo hordas semelhantes deveriam ter os mesmos comportamentos e expressões. Tudo se mantém igual. As mesmas pessoas, os mesmos rituais e o mesmo sol. Além da bandeira empunhada por um "irmão" vestido de vermelho, três andores ornamentados de flores chamaram-me a atenção. O primeiro, um sagrado coração de Jesus, pequeno, de braços abertos, ia visivelmente aflito, tomara, passo sim passo não ameaçava tombar para o lado esquerdo, não por sua culpa, mas devido a dois voluntários perfeitamente desemparelhados. O do meio transportava um santo ainda mais pequeno, tão pequeno que só quando passou por mim é que vi que era um santo António, afogado no meio das flores, mas sempre com um ar divertido. Por fim, airosa e triunfalmente, apareceu o terceiro andor com o são Sebastião, de maiores dimensões, belo, expondo ao sol o seu peito nu cravado por três setas, as quais não lhe deveriam provocar nenhum desconforto, a ver pela face serena. Uma procissão entre muitas outras que deverão ter-se realizado nesta altura do ano em que se comemora o seu dia. São Sebastião padroeiro da peste e das doenças infeciosas. Talvez seja esta a razão, peste, que atormentou as populações, a base de um culto processionário que ainda corre em muitas povoações do país. Mas, ao olhar para a serenidade e a beleza do santo, lembrei-me de imediato de dois escritores, Oscar Wilde e Yukio Mishima. Este último, por numa das suas obras fazer uma impressionante descrição homoerótica que nunca mais esqueci a propósito do sacrifício sofrido pelo oficial romano. Quanto ao primeiro, Wilde, também homossexual, após um período de prisão "por práticas contrárias à natureza", converteu-se ao catolicismo adotando o pseudónimo de Sebastião. Não pude deixar de sorrir. A Igreja Católica, adversa a certas práticas, entre as quais a homossexualidade, homenageia um santo que é o "patrono dos homossexuais". A multidão, na sua fé e respeitadora de velhas tradições, transportou-o hoje da sua capela para o único banho de sol que pode apanhar ao longo do ano. Quase que me apeteceria dizer que, debaixo de quentes e suaves raios de sol, vi que algo de estranho se estaria a desenvolver sob o seu peito nu, uma certa volúpia, decerto, a prenunciar futuras tradições...

Comentários

  1. Não sei até que ponto podemos considerar a igreja católica, adversa à prática da homossexualidade.
    Que medidas explícitas foram tomadas pela hierarquia da igreja, a fim de evitar e de julgar e condenar os casos de homossexualidade e pedofilia cometidos pelos sacerdotes?
    Aquilo que chega ao conhecimento da opinião pública, quanto à posição dos altos dignatários da igreja, não ultrapassa o lamento, a comisseração e a compreensão pelas fraquesas humanas, acompanhada da defesa dos dogma e do superior poder eclesiástico.
    Uma igreja que se auto-define como seguidora dos ensinamentos Cristãos, apóstula desses mesmos ensinamentos e dessiminadora de uma fé que se fundamenta no amor pelo próximo, na ajuda ao crescimentomoral espiritual e à dignificação desse mesmo próximo.
    Não seria essa procissão organizada por intenção da manifesta pobreza do presidente da república?
    Esse coraçãozinho minúsculo... de braços abertos, a querer tombar para a esquerda... parece estar a querer dizer aos fieis: fujam... com esta direita não nos safamos!

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  2. Viva Bartolomeu.
    Nem sei o que lhe diga. Quanto à finalidade da procissão, nem os próprios deverão saber. Mas tive pena do sagrado coração de Jesus, baloiçava de tal maneira que deverá ter ficado tonto por mais um ano. O Sebastião, não.

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  3. O pórtico da entrada Sul do Mosteiro dos Jerónimos é como bem sabemos decorada por uma rica e profusa obra escultórica.
    No seu eixo vertical, central, podemos admirar, olhando de cima para baixo, a imágem do Arcanjo S. Miguel, percebemos perfeitamente porque se encontra ali, encimando todas as outras. Em seguida, encontramos a imágem de Santa Maria De Belém. Percebemos também porquê. Por baixo e logo a seguir ao remate do arco que encima a porta dupla da entrada, podemos ver o escudo de armas de Portugal. Logo por baixo do escudo, surge uma imágem minúscula, a mais pequenas de todas as representadas no conjunto toal... representa precisamente S. Sebastião. A terminar o eixo e e na coluna entre as duas portas, encontramos a imágem do Infante D. Henrique.
    A imágem de S. Sebastião encontra-se representada por algum motivo, tal como as restantes... transcende-me esse motivo.

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  4. Pois é! Será que tem a ver com o Infante D. Henrique? Nunca se sabe. A sabedoria, meu caro Bartolomeu, vem de longe, muito longe...

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  5. Já me esquecia. Da próxima vez que passar por lá, vou estar atento a esse "achado".

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  6. A propósito de "sabedoria" lembrei-me dos livros de Lobsang Ramp que li ainda na adolescência. Num deles, o médico de Lasa, o autor referia uma técnica praticada pelos monges do mosteiro onde ele foi "educado" e que consistia no desenvolvimento de capacidades cognitivas, estimulando pela prática de relações homossexuais, a espinal medula.
    Sinceramente não consigo entender a relação causa-efeito, no entanto, estranho, por exemplo, os lugares de destaque dentro das hierarquias das várias profissões e associações, etc. que os membros dos loby's gay conquistam. E olhe que não estou a "falar de cor, caro Professor".
    PS. Quando dispuser de um tempo para passear em Belém e se a minha companhia não lhe for desagradável, terei o maior gosto em acompanha-lo.

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  7. Obrigado Bartolomeu. Não me esquecerei. Um abraço.

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