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A mostrar mensagens de agosto, 2012

Conversa arqueológica

Entrou no gabinete com determinação, denotando alguma expectativa, sem conseguir esconder um ar inquiridor misturado com uma beleza natural e uma tonicidade física de pessoa saudável. Após as formalidades habituais, indispensáveis a uma relação equilibrada, perguntei-lhe em que é que ia trabalhar, respondeu-me, vender aço. Vender aço? Sim. É o primeiro emprego? Não! Sou arqueóloga. Arqueóloga? Foi o suficiente para adiar o exame e passei ao ataque, perguntando-lhe onde é que tinha trabalhado. Confessou-me que trabalhou durante sete anos em muitos sítios e passou a descrevê-los. Como sou um curioso empedernido ia-lhe dando lastro, vendo perfeitamente que a menina estava a gostar do meu interrogatório. Perguntei-lhe quais as descobertas que fez, quais as que lhe deram mais satisfação, o que originou ondas de respostas adequadas para fazer surf na ciência arqueológica. Falar a alguém daquilo que sabe e de que gosta é a melhor oferta que se pode fazer. Admirada com o meu comportamento, per

Pois é!

Uma das maiores preocupações do homem é encontrar causas para justificar os muitos fenómenos que o circundam. Esta observação aplica-se a todos os campos do conhecimento. Trata-se de uma forma de ver o mundo que não é de hoje, foi objeto, há muitos séculos, de análise e reflexão que culminou na famosa Lei da Parcimónia, também conhecida por Navalha de Ockham. Segundo este princípio, devemos eliminar todas as premissas exceto as absolutamente necessárias à explicação de um fenómeno. Ockham, no seu desejo de conhecer e interpretar o Universo, considerou que a Natureza é intrinsecamente económica (“Não multiplicar as entidades para lá da necessidade” e a entidade dele «necessária» é Deus) logo, esta, a Natureza, deve escolher a via mais simples. Há aqui algo de novo, é compreensível que a Natureza escolha as vias mais simples. No entanto, pretendo por em causa, dentro de certos limites, naturalmente, que o princípio definido por Ochkam não ajuda a resolver alguns problemas. Muitos deles s

Dionísio numa noite de domingo...

Hoje, recebi um email do meu banco a informar de que posso adquirir uma caixa de vinho distinto, seis garrafas. Dão-me esse privilégio. Não costumo ler estes emails. Li-o e fiquei confuso. O preço é excessivo, penso eu, 237,00 euros, embora esteja incluído tudo. Eu gosto de bons vinhos, confesso. Presumo que este deve ser mesmo especial. Mas, a par da oferta, o banco, preventivamente, foca um outro aspeto, a possibilidade de obter um crédito para a sua compra, e especifica as condições: "TAEG de 20,0%, TAN de 16,000%, prestação mensal de € 45,93 para um exemplo de um financiamento de € 500 a 12 meses. Montante total imputado ao consumidor de € 555,70, incluindo juros e Imposto do Selo pela utilização do crédito e sobre os juros". Credo! Crédito para comprar meia dúzia de garrafas de vinho? Este pequeno reparo fez-me lembrar a dificuldade que tive em encontrar um restaurante para jantar no último domingo. Dei uma volta pela zona. Ao chegar a Mangualde, convencido de que poderi

Emoção!

Emoção. Quem é que nunca a sentiu? O que significa? Para que serve? Como a definir? Curtas questões que merecem alguma reflexão. A morte de Neil Armstrong obrigou-me a saborear o seu significado e a criar uma imagem de forma a retê-la para o futuro. Sem esforço surgiu-me uma bela queda de água entoando sons encantadores impregnando os minúsculos espaços vazios deixados pela miríade de gotas de água com as quais os raios de sol se entretêm a brincar, desenhando coloridos quadros da vida. Emoção, combinação da pureza da água, da alegria da luz, do canto de sons únicos, do calor do sol e do doce sabor que tamanha visão pode proporcionar. Quando surge, desaparece tudo. É o momento em que a verdadeira essência da vida consegue manifestar-se em toda a plenitude, embora numa pequena fração de tempo. A eternidade só teria sentido se se confundisse com este sentimento. Foram muitas as situações que me provocaram tamanha sensação. Muitas e múltiplas. A visão do corpo sem vida da minha amiga de

"Sorriso diabólico"

Levanto-me depois de uma noite de pesadelos, coisa muito pouco habitual. A esta hora ainda consigo lembrar-me de algumas passagens desse filme, um terramoto com edifícios a deslocarem-se por inteiro em betesgas e a tombarem uns sobre outros, enquanto via as pessoas desesperadas a gritar dentro deles, e eu, não sei por que carga de água, conseguia sempre evitar os acidentes e ainda aproveitava a deslocação dos edifícios como se fossem trenós. É o diabo, é o diabo que anda à solta, ouvia perfeitamente por tudo o que era sítio. Não sei se posso considerá-lo como um verdadeiro pesadelo, porque não me recordo de ter tido medo ou manifestações de ansiedade. Agora que penso nisso tenho uma explicação para tão insólito sonho. Quem é que me mandou andar a escrever sobre "o dia em que o diabo anda à solta"? Bem feita, pões-te a dissertar sobre certos temas e depois tens a paga. Paciência, pensei. Abro a televisão e vejo a notícia sobre a condenação de Breivik, o norueguês responsável p

Espermatozoides velhos? Velhos são os trapos!

Diariamente surgem notícias que abalam algumas convicções e promovem uma certa ansiedade quanto ao futuro da nossa espécie. Faz capa de muitos jornais a notícia de um trabalho realizado com base no genoma da única população mundial onde isso é possível, a islandesa, revelando que, "a cada ano que passa, os espermatozoides do pai têm, em média, mais duas mutações novas no seu genoma que transmitem aos filhos". Sendo assim quanto mais velho for o pai maior é o risco de mutações que, neste estudo em concreto, estaria associado a um aumento da esquizofrenia e do autismo. É um facto que estas duas doenças estão em crescendo, havendo quem fale de uma epidemia de autismo. Relativamente a esta última, foi implicado há alguns anos a utilização de um composto mercurial, conservante das vacinas, como sendo o principal responsável originando uma fobia social a vacinas sem precedentes, o que fez com que muitas crianças deixassem de poder usufruir os benefícios da maior conquista da medici

"Santo Soldado"

As lendas não são mais do que lembranças de memórias coletivas embriagadas de desejos e aspirações. Muitos factos são reconhecidos ao acordar, mas, face às imperfeições, exigem sucessivos retoques, qual deles o mais fantasioso e o mais belo. E assim, pincelada sobre pincelada, palavra sobre palavra, som sobre som, constrói-se um final, ou algo parecido, que, ansiosamente, pede para ser perpetuado. As lendas têm esse condão, pedem para que as perpetuemos, precisam do nosso sopro de vida e em troca concede-nos o dom de as recriar, alimentando a nossa imaginação. Não há vila, cidade ou lugarejo que não tenha a sua lenda, que a alimente, que a projete e que a proteja. Andei por várias localidades, casualmente tropecei com algumas lendas que já conhecia, outras não. Sou um amante de lendas, nelas vejo um passado cheio de fantasia, de amor, de sofrimento, de fome, fome de justiça, fome de esperança e fome de felicidade, mas também me cativa fazer as minhas próprias interpretações. Noite de

Noite...

Por mais que viva não consigo conciliar certos acontecimentos que me fazem despertar sentimentos e emoções tão díspares. Além de não conseguir fico com uma estranha sensação de que algo não está bem ou, então, acabo por sentir uma indisposição na alma que não me deixa em paz. Estou em férias e tento descansar no verdadeiro sentido do termo. Mas como é já habitual, acabo por ter de passar por situações menos agradáveis. É uma sina a que não consigo fugir. Eu queria descansar o corpo, mas também a alma. O primeiro ainda vai resfolgando na modorra estival, mas a alma não tem esse direito. Um amigo, a quem foi diagnosticado uma situação grave, muito grave, e com quem tive há poucas semanas a última conversa, tem-me perturbado o meu sossego. Nesta semana, tive de tentar arranjar outros meios, mais sofisticados, para poder aliviar-lhe o seu sofrimento. Contactos, mais contactos e ficou tudo preparado para que na segunda-feira pudesse dar início à última fase da vida, minimizar as excruciante

Que mundo tão estranho!

Há histórias que não sendo originais acabam sempre por nos fazer refletir sobre a condição e a pretensa superioridade dos seres humanos que, segundo alguns, foi definida por interesses divinos, o que é de desconfiar. Descanso na esplanada, junto à ribeira, que chora de tristeza pela forma como a têm tratado ultimamente. Nota-se que perdeu a alegria, já não consegue elevar-se com o seu habitual cheiro de água fresca. Está envergonhada, e eu também. Conseguimos partilhar o mesmo sentimento, vergonha. A minha mulher senta-se a meu lado, depois de ter ido assinar um documento qualquer. Conta-me que encontrou uma pessoa conhecida. Está velho. Sim? É verdade. Disse-me que estava no advogado para tratar uns assuntos nada agradáveis por causa dos irmãos. - Mas vocês, os setes, eram tão amigos, tão juntos. - Pois éramos. Continuei no meu silêncio de espanto para a estimular a contar mais pormenores. - A mãe morreu-lhe e antes de morrer foi um corrupio, doente, esteve em sua casa e depois teve

"Mimi"...

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Tenho muitos hábitos com os quais me dou razoavelmente bem. Um deles é não planear uma saída, vou à deriva, à bolina, esperançado em encontrar algo que me dê prazer, qualquer coisa nova, desconhecida, de preferência ambos. Nem sempre acontece, mas também não me lembro, o que é natural, mas quando encontro sinto uma enorme satisfação, e não me esqueço. O dia, que deveria ser de verão, despertou aborrecido, com saudades de uma boa invernia, acontece quando se inicia os idos de agosto. Mesmo assim embiquei em direção a Viseu, cidade onde vou cumprir ritualmente promessas que nunca prometi. O instinto levou-me à procura de uma pequena peça, fosse o que fosse, desde que me desse satisfação e prazer. Desta feita não encontrei nada que me agradasse. Paciência. Entrei no recinto da Feira Franca, onde vou há dezenas de anos. Apesar de todas as modificações operadas nos últimos anos, continua a mostrar teimosamente uma velhice resistente a quaisquer liftings ou operações plás

"Não sei o que se passará quando estiver morto"

Ontem, um amigo enviou-me um pequeno texto, publicado no El País, com o seguinte título, "O que se passa quando estou morto?". Um texto escrito por um filósofo espanhol, Isidoro Reguera. No fundo, trata-se de uma análise à obra de um cardiologista holandês, Pim van Lommel, que, com base na sua experiência em lidar com situações de "quase morte", escreveu um interessante artigo científico, publicado numa das mais prestigiosas revistas médicas, e que agora desenvolveu concetualmente numa obra, um best seller, "Consciência além da vida". Em síntese, o autor tenta demonstrar, ou melhor, equaciona a hipótese de que a consciência existe independentemente do corpo. Põe em causa as hipóteses habituais para explicar a vivência que algumas pessoas têm quando "morrem" e depois regressam à vida. Não é um fenómeno comum, de facto, muitos dos que o experimentaram ficaram aborrecidos com a "reanimação" e passaram a ser diferentes, perdendo o medo à mo

"Apanhado da Lua"

Há certas pessoas com as quais não simpatizamos, e não é por motivos preconceituosos, mas sim devido a determinados fenómenos muito complexos a que não é estranho certas estruturas cerebrais que conseguem "ler" sinais de perigo que nos escapam de forma consciente. O senhor entra e dispara: Você tem de resolver este problema, eu não posso continuar assim. Nem boa tarde, nem senhor doutor, nem nada."Você", uma palavra que me irrita sobremaneira. Nem me deixou perguntar o que é que se passava, embora não me fosse difícil descortinar qual o problema, porque já o tinha consultado em tempos. Olhe lá, então a medicina não consegue ver o que se passa no meu estômago sem ter necessidade de fazer uma endoscopia? Que raio de medicina é a vossa, tão desenvolvida, tão desenvolvida e não tem uma alternativa! O registo do discurso foi sempre no mesmo sentido, desprezo e tentativa de humilhação da profissão. Tive de colocar a minha cara número um, a mais solene possível, usando tod

Os Rohingyas

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A pol í tica, a arte ou o com é rcio de governar os povos, come ç ou h á alguns mil é nios, a ponto de ser categorizada como paleopol í tica. Nesses prim ó rdios, grupos humanos tribalizaram-se criando espa ç os pr ó prios que lhes permitissem viver, sobreviver e dominar como se constitu í ssem um ser com vida pr ó pria, com cabe ç a, membros e ú teros dos quais nasciam os novos seres. Mas precisavam de se individualizar, construindo ilhas, o que s ó era poss í vel atacando todos os que n ã o faziam parte da tribo, este era o fator indispens á vel à sua autonomia, ser opositor a outros, ou seja, os que estavam de fora é que eram os verdadeiros respons á veis pela sua personalidade grupal. De pequenas tribos passaram a tribos maiores, aut ê nticas hordas, fechadas em esferas, que se puseram a conquistar, ou melhor, a destruir outros povos, outras comunidades. O que é curioso é que todos pertencem à mesma esp é cie! Daqui, da paleopol í tica tribal, ou das hordas,

"Mito de Babel"

Andava na segunda classe quando o padre se lembrou de falar da Torre de Babel, antes tinha contado a hist ó ria do Dil ú vio, uma maravilha que me obrigou a imaginar todos aqueles passageiros, aos pares, no barco. Disse-nos que era a segunda e a ú ltima vez que Deus dava oportunidade ao homem de nascer e tornar-se limpo. N ã o dei grande import â ncia a este pormenor, devia estar para al é m do meu entendimento, preferia imaginar todos aqueles animais fechados à espera de as á guas descerem. Claro que ainda o interroguei para onde foi tanta á gua, mas fez de conta que n ã o me ouviu, e eu n ã o me importei, j á tinha tido outras discuss õ es, o melhor era estar calado. Mais tarde conclui que No é tinha sido o pai de uma nova humanidade, falhada. O senhor devia meter-se nos copos. O que é que se poderia esperar de quem inventou o vinho? Mas n ã o era s ó ele, Lot, aquando de um bebedeira, emprenhou as suas filhas, bom, parece que foram estas as respons á veis. Perante estes relatos

Inquisição virtual!

O preconceito está em toda a parte e alimenta-se dos que não comungam da forma de ser e pensar das "maiorias". É horrível ter que enfrentar novas e velhas normas construídas ao sabor do tempo, dos interesses económicos, ideológicos e até religiosos. Se alguém é ateu ou agnóstico aparece sempre um evangelista a querer demonstrar o erro, o disparate e até a estupidez de não aceitar a existência de deus. Se alguém é homossexual aparece alguém, em nome da maioria, a denunciar tão estranho comportamento. Se alguém optar por um comportamento ou atitude pouco frequente é visto de lado, como pertencendo a algum grupo esotérico capaz de corromper a sociedade. Se alguém pertence a uma sociedade secreta ou grupo religioso menos ortodoxo é considerado como um suspeito capaz de cometer as maiores atrocidades, enfim, tudo o que foge à tirania da maioria é apontado como não normal e, consequentemente, como objeto de discriminação. A sociedade teve sempre esta conduta, como se o seu útero so

Entrada em cena!

Para o meu amigo Dr. Tavares Moreira Somos marcados por pequenos acontecimentos ao longo da vida, que, ao fim de muitos anos, emergem mais ou menos desfocados sempre que pretendemos explicar por que razão pensamos ou atuamos de certa maneira ou, então, quando alguém se lembra de lançar uma simpática provocação. Não deixa de ser agradável recordá-los porque permitem construir histórias, as quais, por sua vez, podem modificar a forma de pensar de outros. No dia em que cheguei à Assembleia da República, em 2002, sentia-me inquieto, um pouco confuso, mas suficientemente em estado de alerta a fim de absorver tudo o que podia de modo a não fazer má figura, coisa que passei a assistir com certa regularidade passado algum tempo. No primeiro dia, ao entrar no hemiciclo, não sabia onde devia sentar-me. Escolhi um sítio que fosse o mais central possível e numa fila discreta, salvo erro a quarta. Razão da escolha? Ter o mais amplo campo de visão que me permitisse observar com cuidado o comportamen

Ribeira das Hortas ou Ribeira da Merda?

Em outubro de 2008 escrevi um pequeno texto intitulado Ribeira das Hortas. Fui repescá-lo. Na altura denunciei a situação em que se encontrava. Agora, depois de alguns cuidados, nomeadamente a instalação de repuxos, verifico, para minha surpresa, que está, volta e não volta, transformada em uma espécie de "Ribeira dos Milagres", não para os lados de Leiria, mas em Santa Comba Dão. Alguém anda a fazer descargas na ribeira, conspurcando-a de forma extremamente violenta com total desrespeito pelas leis. Deste modo, proponho que a partir de agora passe a chamar-se "Ribeira da Merda" e aproveito a oportunidade para mandar àquele sítio os autores de tamanha façanha. Ribeira das Hortas Tenho participado em várias reuniões por esse mundo fora, mas uma delas provocou-me sensações muito agradáveis. Recordei-me da pequena cidade francesa, Divonne-les-Bains, junto da fronteira suíça, por causa da ribeira das Hortas. Princípio de Outono. Uma cidade encantadora, pequena e rica em