Benfiquista de uma figa!


Segunda-feira é um dia de trabalho violento, começo cedo e acabo tarde, uma espécie de duche escocês, aulas, consultas, mais aulas, reuniões, sobreposição de compromissos, a desejar a ubiquidade do Santo António, enfim, um teste à loucura. Vou aguentando, se aguento a segunda-feira, então vou aguentar o resto da semana. Chego a casa. Toco à campainha, sempre evito usar a chave. Ouço os passos da canalhada a perguntar, quem é? Divirto-me com este jogo. O neto do meio abre a porta, muito feliz, e apresenta-se vestido com uma camisola do Benfica. Mas o que é isso? Perguntei-lhe. A alegria do miúdo era contagiante, enfiado dentro daquele albernó a arrastar pelo chão. Ao virar-me as costas vi um 17 circundado por Carlos Martins. E o miúdo corria pelo corredor gritando, Benfica, Benfica. Sacana, pensei, traidor. Começaste pelo Porto e agora passaste a benfiquista. A mãe ria-se que nem uma perdida perante a cena, o neto a provocar o portista do avô. Foi então que me disse que a camisola estava assinada pelos jogadores do clube. Chamei o miúdo e de facto estava. Oh avô o que está aqui escrito? Com o dedo aponta para um autógrafo. Foi fácil ler, Cardozo, disse-lhe. Ainda por cima o meu apelido, pensei. Agarrou num maço de cromos, todos do Benfica, e num cartão assinado pelo Carlos Martins dirigido ao garoto. Olha, tu, agora, deves guardar a camisola e o cartão. Estas prendinhas são muito importantes, mais tarde vais ver que vão dar-te muito prazer. Algumas pessoas que conheço ficariam muito felizes com isto. O João olhava-me com muito interesse à medida que ia falando; apercebi-me de que estava a compreender o que lhe dizia. Toda a influência desportiva, todo o cuidado em guardar certos símbolos são importantes na estruturação da personalidade de um miúdo, e ainda por cima oferecida pelo jogador em causa, que, de forma muito simpática, teve o gesto que teve, gesto que não vai ser esquecido. Mais tarde, à medida que for crescendo, irá conhecer mais pormenores sobre esta história. Espero que o possa ajudar. Estou convencido de que sim. No meu escritório, a neta mais velha, que estava a fazer os trabalhos de casa, e que nunca deixou influenciar-se pela mãe, mantém-se portista, gostava, também, de ter uma camisola do Porto assinada pelos jogadores do clube, disse-me a mãe. Oh que chatice! Disse. Como é que vou conseguir isso? Agora, tenho de puxar pela cabeça para ver como é que poderei arranjar uma camisola do FCP para a miúda, não é que a miúda vá mudar de clube, mas apenas para lhe dar uma alegria e permitir que possa ajudar a estruturar a sua personalidade, porque, apesar de tudo, ainda acredito no efeito positivo de certos símbolos. No caso concreto, ter em casa dois opositores, não contando com a mãe, os seus símbolos e valores desportivos podem ajudá-los a aceitar as diferenças, contribuindo para se respeitarem mutuamente em caso de vitória ou de derrota, não só no desporto, mas em quaisquer vivências, e sempre com respeito pelas regras.
- Oh Mamã, eu posso dormir com a camisola?
- Benfiquista de uma figa!

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