Santa Luzia



Não me recordo muito bem. Deve ter sido há mais de vinte anos. Fui sem vontade e com a alma atormentada para as bandas da Escandinávia. Foi a primeira vez que cheguei a um local onde a noite era rainha. O frio nunca me perturbou, mas a distância e a negrura da alma intensificavam-me a dor. A obrigação impôs-se sem se importar com o que eu sentia ou pensava. Levantava-me de noite e almoçava durante o crepúsculo, e de tarde, que coisa mais estranha chamar tarde à noite prematura, sentia a falta de tudo, da luz e do calor da minha terra e da minha casa. Pedi um dia autorização para um curto intervalo e perguntei qual era o edifício mais alto da cidade. Entreolharam-se com tão inusitada pergunta e, amavelmente, indicaram-me um. Não era muito alto, a cidade era baixa, mas foi o suficiente para espreitar que lá em baixo, no horizonte, girava, melancolicamente, a cabeça de um arco avermelhado, testemunha da imagem do sol, que sabia ser visto em todo o seu doirado no meu país. Senti a sua falta e pedi-lhe calor, para mim e para os meus. Fui durante uns instantes um adorador do sol. Soube-me bem e tranquilizou-me com alguma esperança. Regressei à sala. Os meus colegas deveriam estar a pensar que raio de comportamento o daquele sulista. Que terá andado a fazer? Ninguém me perguntou nada, mas senti uma forte curiosidade em conhecer as minhas razões. Saímos da universidade depois de um longo dia praticamente negro. Vagabundeámos pela cidade para fazer horas para o jantar. Entrámos no restaurante. A noite andava a incomodar-me há alguns dias. Sentia muita falta dos meus sóis, mas estava mais preocupado com o meu pequenino sol, porque o outro, o astro-rei, sabia que nas suas longas voltas iria regressar em toda a sua plenitude. O pequenino sol é que me incomodava. Tentava disfarçar a tristeza como podia, mas via-se que não conseguia. Estávamos sentados à mesa quando ouço uma canção napolitana cheia de beleza e de alegria a ser entoada. Olhei para todos os lados mas não vi ninguém, até que repente, meninas vestidas de branco, empunhando velas, começaram a caminhar entre as mesas, em fila, iluminando com as suas vestes, alegria, canção e luzes todo o recinto. Jovens muito belas, de sorriso estampado nos rostos, cantavam Santa Luzia. No final fiquei a saber que era véspera de Santa Luzia, 13 de dezembro, dia que, segundo a tradição sueca, corresponde ao ritual do nascimento do sol e da nova luz, misturando a mártir religiosa Santa Luzia com velhos mitos. Naquelas latitudes a noite de 12 para 13 de dezembro correspondia ao solstício do inverno dos suecos. Nesse longínquo dia 12 consegui ver diferentes luzes que me ajudaram imenso. Hoje recordei este episódio por mero acaso. Entrei e esbarrei numa imagem de Santa Luzia. Uma imagem linda e cheia de luz. Num ápice regressei a outros tempos e a outros sentimentos. Tive de os agarrar. Sei que é difícil laçar raios de luz, de qualquer modo eu tentei...

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