Preconceito ou extremismo...


Viver muito tem mais desvantagens do que benesses. Uma afirmação que contraria a opinião feita de que a idade acarreta mais sabedoria, produz mais-valias, desenvolve mais tolerância, cria mais resistência ao desespero e aumenta a capacidade de adaptação à realidade da existência. Pois, até pode ser isso e tudo mais, mas chateia, ou melhor leva ao cansaço. Ao olhar para certas pessoas sou obrigado a beber bílis destilada em alambiques ordinários. Ao ouvi-las não consigo evitar punhaladas dolorosas em tímpanos perfurados pelo gritar contínuo de vozeiros inconsistentes. Mesmo assim, consigo, quando observo os seus andares, divertir-me com a elegância de alguns e a boçalidade de outros e a preocupar-me com a instabilidade e limitações de outros que, num esforço sobre humano, se ultrapassam a si próprios. Que diferença, a facilidade com que o alarve, de mãos nos bolsos, transporta o buldózer de uma pança arqueada, a toque de um assobio, e o pobre do velho, trôpego de pernas mas louçã de espírito, a querer galgar os poucos metros que o separam do seu destino, e sem assobiar. Dou-me por contido e, ao mesmo tempo, assaltado por preconceitos pré senis. Olho para a televisão e acidifico-me com os comentários e as frases feitas de ideologias meio pueris, meio demenciadas, nem sei se mesmo meio diabólicas, a quererem acabar comigo, relembrando que a minha tolerância começou a sofrer de um relativismo meteórico, prenúncio de nem sei o quê. Bem tento refrear os meus impulsos, mas qual quê, expludo em poucos segundos, antecipando as afirmações mais do que esperadas, cheias de preconceitos, tantas como as minhas, com toda a certeza, logo, devemos estar bem uns para os outros. Tenho a perceção de que este tipo de reação deve estar em crescendo por esse país. Não pode ser outra coisa, há uma atmosfera de pré tempestade, ar pesado, céu escuro e nuvens negras de raiva, que não prenunciam nada de bom, como querendo desenhar equipas inimigas de um jogo perigoso que se adivinha poder chegar a qualquer momento e que quando aparecer sei que muitos não terão qualquer dificuldade em tomar partido. Não serei sou só eu, infelizmente.
Tremo ao sentir esta sensação. Prefiro olhar para o alarve de cara rosada, assobio nos lábios, pança proeminente, passeando a sua boçalidade de sucesso e divertir-me com o quadro, e ainda conseguir incomodar-me com os "petits pas" titubeantes do velho, magro, sem placa e sem assobio nos lábios mas com um espírito brilhante e, com toda a certeza, muito menos preconceituoso do que eu. Fico mais tranquilo, ou finjo que fico.

Comentários

  1. Muitos tomarão partido. Quase todos, imagino.
    Uma tendência "natural", ditada por um torpe sentido de defesa e protecção a que impele o homem gregário, para junto dos que lhe parecem mais fortes, com o propósito de obter protecção.
    Esquece-se porém que será vítima daqueles que parecerão protegê-lo, pois esses, são tão fracos quanto ele, ou não aceitariam que se lhes juntassem.
    Um ninho de pulgas, no pêlo de um cão, Sr. Professor. Excepto para os que conseguem ver para além da multidão.
    ;)

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