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A mostrar mensagens de abril, 2013

O outro Algarve...

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Domingo. Excecionalmente um dia de trabalho, trabalho diferente, mas nem por isso deixou de ser trabalho. Fiz o que me competia, moderei, interpelei, sintetizei e saímos da sala convictos de que é possível mudar as coisas. Claro que é possível, só que leva tempo, tempo de mais, havendo necessidade de continuar neste intercâmbio entre a ciência e a política. Desta feita convidaram deputados e representantes de associações de doentes para fazerem parte da mesa-redonda. Ainda bem, há muito que ando a dizer que só assim a ciência e os conhecimentos podem atingir quem tem vocação e capacidade para decidir.  Como ganhei o dia, dei-me ao "luxo" de tirar a tarde para mim. Almocei e dei uma pequena volta sempre empurrado por um vento furioso. As ruas, limpas, eram salpicadas, de quando em vez, por turistas excitados pelo sol e alheios ao desconforto do vento. Há gostos para tudo. Junto a uma montra, um tabuleiro com anéis e colares artesanais quase que escondiam uma dezena d

Algarve...

Sábado, rumo até ao Algarve. Amanhã tenho que dar o meu modesto contributo no congresso. Ao chegar perto do destino, eram horas de jantar, optei por parar e tratar do corpo. Solícito e demasiado simpático para o meu gosto, a transpirar vontade de querer engordar a conta final, pedi ao empregado um dos pratos constantes da ementa. - Ah, não temos. Acabou-se. - Pois! Antes que continuasse com os meus comentários, desfiou o nome de vários peixes. Escolhi um, o que me soou melhor, nem o vi, nem queria vê-lo, o que eu queria era terminar com aquele sorriso estampado numa fácies oblonga encimada pela crista meio mixeruca a lembrar um garnizé à espreita de dar alguma bicada. O raio do peixe estava mesmo bom. - A conta se faz favor. Esperei alguns segundos e trouxe-me um papel com a quantia. Com o dedo passei pelas linhas e não foi difícil concluir a inclusão de "coisas" que não tinham sido consumidas. Chamei-o e pedi-lhe uma fatura com a nota, dita em surdina, para retirar aquel

Uvas de prata...

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À tarde fomos até à cidade velha. O calor seco apertava connosco e até o camelo, de joelhos dobrados junto à porta de Jaffa, com um olhar muito triste, deveria estar arrependido de ter nascido sob aquela condição. Convidaram-me a levar um saco de plástico repleto de suculentas e túrgidas uvas, as quais prometiam matar a sede e a alimentar o esforço dos músculos. Assim foi. Sempre que o corpo exigia um pequeno reparo bastava brincar com o suco libertado em pequenas explosões dentro da boca. A doce frescura tranquilizava-me rapidamente com um prazer único, desafiando o calor da cidade das três religiões. Estranhas sensações iam-me invadido à medida que auscultava a salada religiosa traduzida no vestir, no olhar, no comer e no orar. Passei por fronteiras religiosas dentro de um estado soberano, o que me constrangeu sobremaneira. A ortodoxia de marrar com a cabeça num muro cheio de mensagens para um deus faccioso, contrastava com a limpeza e o silêncio da mesquita dourada em que não há

Abril, 25...

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Descansei. Consegui saborear as duas horas extras da manhã como há muito não me lembrava, pareciam que estavam reservadas para esse efeito, retemperar as emoções e os desejos, em contraposição com a leveza do sono entrecortado por despertares repetidos e inconsistentes, uma tortura própria de Morfeu, que, ao acordar da manhã, se dissipa sob a luz do sol, deixando-me penetrar profundamente nos seus domínios sem vigilância. Arranjei-me. A cerimónia iria decorrer a cinquenta metros. Desci a calçada e as escadas de uma vida e cruzei-me com alguns cidadãos que vinham expressamente para o ritual do ano. O céu estava límpido e o sol queimava, enquanto a gravata, linda e com o nó perfeito, fazia o resto, apertava-me o pescoço e denunciava o formalismo do ato. Pequenas e curtas conversas, cumprimentos e mais cumprimentos, saudações ao longe, saudações ao perto, tudo com uma naturalidade aprendida ao longo dos anos. Ouvi ao longe a fanfarra dos bombeiros, afinada, como não podia deixar

Perceber...

Saiu cedo embrulhada no xaile, cheia de fé empacotada. Corria com um passo miudinho, como se tivesse medo de pisar hipotéticos pedaços de vidro, mas sempre mergulhada em ideias dolorosas, próprias de quem precisa urgentemente de um favor, que só podia ser divino, já que na terra a experiência lhe tinha ensinado que não pode contar grande coisa com o seu semelhante. Ia ao templo rezar, ou melhor, pedir, ou seja, rezar para obter um favor. Não sei se acreditava na intercessão dos santinhos junto do poder divino, convencia-se que sim, que tinham essa missão e capacidade de mudar o curso dos acontecimentos.  Pedir favores está na massa do sangue de qualquer um. Cá em baixo faz parte da realidade quotidiana. Lá em cima é muito mais complicado, só com favores e preces especiais, intensas e repetitivas como se fossem a melhor maneira de ultrapassar a surdez ou a demência de alguns santos, já que não conheço todos e não vá um dia precisar de algum. Não creio que me seja útil. Entrou, rezou

Vento...

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Está ali há tanto tempo, antes de mim, antes de outros e irá continuar exposta ao vento, vendo e sentindo tudo o que se passa em redor, espraiando os seus sentidos pelas montanhas secas ou molhadas, surdas ou caladas, que se perdem no horizonte, umas vezes vestidas outras nuas, já as viu de todas as maneiras, mas o que ela gosta mesmo é de olhar para cima como se não tivesse ninguém a vê-la. Ninguém a vê de cima e poucos a veem de baixo. Os seus ramos, velhos e viçosos, estão sempre a ondular, e mesmo quando o vento descansa e saboreia alguns momentos de paz, quando não tem nada para dizer, nem para fazer, continua a ondular os velhos e viçosos ramos, é o seu coração que pulsa. O vento sonha com o ondular dos ramos velhos e viçosos de uma árvore que pulsa ao sabor do seu coração. Precisa de dormir, para poder sonhar com o estranho e doce som da árvore.  Como é possível ondular os ramos se eu estou a dormir e não me mexo, diz o vento. Tamanha é a sua ansiedade que a abana muito suav

Austeridade e doenças

Aumenta o número de relatos por suicídio em Portugal. A par desta realidade, que ocorre igualmente noutros países da União Europeia, também se observa um crescendo preocupante das depressões e outras patologias que merecem ser analisadas. Na Grécia existem dados segundo os quais as infeções por VIH estão a aumentar entre os toxicodependentes num valor explosivo em apenas dois anos. Há suspeitas de que neste país algumas pessoas se infectam deliberadamente para obterem vantagens em termos de cuidados de saúde. Mas os casos não ficam por aqui, o stresse prolongado, devido à austeridade, perda de emprego, ameaça de insegurança e diminuição dos proventos, desencadeia reações a nível dos genes bastante complexas entre as quais o surgimento de inflamações crónicas que podem aumentar o risco de ataques cardíacos, depressão e cancro. Alguns dos fenómenos ocorrem de imediato, enquanto outros só irão aparecer ao fim de dois, três ou muitos anos depois do período de recessão. Os mecanismos desp

Morro de tédio...

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Morro de tédio se não encontro um espaço onde possa afogar-me. São as pausas convencionais que me obrigam a isso. Longe do habitual tenho de criar novas rotinas, necessito como pão para o corpo encontrar tal espaço. Que espaço?Algo que me surpreenda e me convide a fugir do esperado, do vulgar, da monotonia estúpida e necessária à sobrevivência. Encontrei mais um, inesperadamente, estava à minha espera. Vagueei. Precisava de um lugar para ler ou para escrever. Vagueei e encontrei. Sentado num banco de pedra, e tendo à minha frente uma vasta e soberba secretária de granito, comecei a ler. Uma página apenas, li apenas uma. A narrativa daquela curta mas bela passagem fez-me despertar para a minha miragem. Toquei-lhe, absorvi-lhe os silêncios, deliciei-me com a sombra da palmeira solitária e fui impregnado pelo espírito de um interessante painel de azulejos, velho, filho do calor da fornalha, mas eterno na vida da mensagem. Espero, falta pouco para regressar à superfície da vida. Sinto o

Mágoa...

É muito agradável quando uma pessoa se sente útil, ajudando quem necessita. Considero ser a mais bela e profunda expressão de humanidade, poder resolver ou contribuir para solucionar um problema, esclarecer uma dúvida ou aliviar e combater o sofrimento e o horror de um desconhecido por vezes demoníaco. É muito agradável e tem como compensação a alegria de ter ajudado quem necessita. Tão simples como isso, um princípio cristão, dirão, sim, mas que existiu desde sempre, por isso prefiro chamar-lhe a verdadeira marca da condição humana.  Tenho feito o que posso e não posso fazer o que gostaria. Alguns, na sua humildade e sofrimento procuram-me para que os possa tratar ou ajudar. Como poderei ajudá-los, penso eu muitas vezes, impotente face ao desfilar da doença e ao avizinhar da morte. Falo, conversamos, rimo-nos, olhamo-nos e, por vezes, no final, até nos abraçamos, não vá acontecer ser a última vez em que cuidamos um  do outro. Fica sempre um sabor terno, doce, mas triste, que nunca

"Pele curtida, beleza esquecida"

Entrou com algum desembaraço, revelando uma beleza já um pouco esquecida, mas, mesmo assim, suficientemente interessante para chamar a atenção. A face revelava algo de estranho, misto de satisfação e de tristeza, como se a pele tivesse sido curtida pelo sofrimento e os olhos talhados de esperança. As perguntas sacramentais foram lançadas ao ar, e sem saber porquê antevi uma resposta não habitual. - Estou bem, depois de ter perdido tudo, carro, casa, tudo, estou bem. Esboçou um espasmo a querer transformar-se num rio de lágrimas, mas travei-o, desfocando a conversa. Não era difícil saber o que é que lhe tinha acontecido. Uma simples palavra ou um olhar silencioso teriam sido mais do que suficientes para desnudar a sua alma. Não quis. Desta feita não quis. Soube que vivia longe e soube que teve de começar a viver perto. Soube que durante dez anos teve de fazer longos percursos, com muito sacrifício. Repetiu mais duas vezes pequenos espasmos faciais a quererem desfazer-se em água. Evitei

Olhos negros

Manhã bela e tranquila. O sol, atrevidamente, entrava no gabinete, não sei se por curiosidade ou por bondade. Os seus raios iluminaram um belo par de olhos negros, muito brilhantes. Por momentos fiquei sem saber se era o reflexo do sol ou raios emitidos por um sol invisível. Jovem. O cabelo chamou-me a atenção, cortado à escovinha, encaracolado, e salpicado de brancas, dava conta de que estaria a ver pela primeira vez o sol, recém  libertado de uma prisão artificial. Antes de lhe falar entrega-me o papel, onde estava descrito a sua má fortuna de uma forma fria, exata e dolorosa. Li e registei. Os olhos negros continuavam a brilhar emitindo raios de um sol invisível receoso do seu congénere que continuava a invadir todo o espaço e todos os seres visíveis e invisíveis. Desabotoou os botões da sua blusa, deixando entrever na frescura da carne a mutilação anunciada. Não falámos muito, usámos mais os silêncios e os olhares entremeados de curtas e esclarecedoras frases. No final, despediu-

O sol quer brincar...

Conheço o sol há muito tempo, muito para mim, claro, porque para ele eu não valho um espirro de uma formiga. Mesmo assim, já o conheço suficientemente para dizer que pode ser louco, irrequieto, tímido, mau, meigo, mortal, amoroso, triste, enfim, nunca vi nada na minha vida parecido com as suas múltiplas facetas. Bem mais previsível é a sua sombra da noite, a lua, sempre discreta, fria, com laivos permanentes de uma enigmática tristeza, apenas suspensa durante belos momentos em que, cheia que nem um odre de vinho, se levanta no horizonte encharcando o espaço de um abraço acobreado, despertando e transformando seres que só ela conhece.  Agradeço ao sol algumas das mais belas e inesquecíveis imagens gravadas com raios tépidos no corpo e na mente de uma criança. Ansiava por esta altura do ano, embora não tivesse ainda muitas memórias de outros. Imaginava que fora sempre assim.  O sol ensinou-me a compreender o sentido de muitas palavras e as estações do ano. Afinal de contas não eram

Maionese

Leio com interesse as opiniões sobre a origem do homem e a sua eventual relação com deus. Em pequeno ouvia as explicações, mas era mais fácil acreditar nas prendas que o menino Jesus me dava no Natal do que acreditar nas histórias bíblicas da criação do mundo, ou melhor, do homem, porque o mundo fazia-me muita confusão, era grande demais para mim, já que estava acantonado a uma pequena e desconhecida vila. Cedo comecei a ouvir que os homens se maltratavam uns aos outros. Ouvia muito acerca da guerra, dos mortos, dos feridos, da miséria e da fome. Vi a agressividade expressa na violência brutal que as mulheres eram vítimas durante o silêncio da noite rasgado pelos gritos de dor. Vi a dor expressa nos rostos de pais que perdiam os seus pequeninos. Sentia-me ofendido com a explicação do padre, segundo o qual deus queria "anjinhos", "matando" bebés não batizados, alguns dos quais levei até ao cemitério, sem qualquer cerimónia religiosa. Quando queriam explicar algo

Reviver a madrugada

Assistir ao espreguiçar da madrugada causa-me imenso prazer mesmo quando a vontade de viver é diminuta. Um estranho delírio que me persegue há muito. Em miúdo revoltava-me contra o despertar prematuro, mas ao fim de alguns minutos a embriaguez embrutecida do sono era substituída pelo delicioso inebriamento matinal. Hoje, ao olhá-la, sinto uma estranha fome de viver que faz esquecer a vontade de morrer. Olho para o relógio e aguardo a chegada do comboio. Recordo outros comboios e outras madrugadas, mas o cheiro, a brisa fresca e o suave calor que se avizinha são os mesmos. Quem sabe se os que morrem a estas horas não as escolhem de propósito, aproveitando os últimos momentos da vida para ondularem no renascer de uma madrugada. O comboio, elegante, pujante, deslizando silenciosamente, interrompe-me o pensamento. Entro. Olho em redor e vejo muitos figurantes. Evito entrar nas suas intimidades tentando imaginar quem são, o que fazem, o que pensam ou o que sonham. Prefiro ler. Uma viage

Dói a noite

Dói a noite. O cansaço lambe os músculos e embrutece os sentidos. O peso da existência faz sentir-se, exuberante, sem pudor, castigando quem lhe faz frente. A inveja é terrível e ofende quem quer acreditar na vida. As palavras voam em círculos, embriagadas de desespero e loucas de alegria. Não sabem para onde ir, e não sabem donde vêm, sabem apenas que sentem e não querem sentir. Palavras doces, tristes, mudas e alegres, que se transformam em palavras sem sentido, vítimas do desejo e filhas do amor. Palavras sem sentido à procura do criador, alguém que ensandeceu numa bela manhã de primavera. É uma loucura viver, mas maior loucura é querer morrer. Onde estão as palavras? Aqui. Onde? Ali. Agarra-as se puder. Não consigo. Não? Não te preocupes, junta-as e verás que elas te dão a solução. A solução? Sim. Não disseste que a noite dói? Disse. Então, resta-te as palavras para  aliviar a dor e dar-te o desejado amor.  Dói-te a noite? Não! Pois não. São apenas palavras. Palavras sem dor.

"O miúdo que sabe que tem uma missão"

Cada vez dou mais atenção à garotada. Gosto de os ouvir e admiro a construção dos seus pensamentos. São infantis? Sim, são, mas não deixam de ser pintados com pureza. Desprovidos de preconceitos, e ricos de fantasia, acabam por proporcionar novas visões do mundo permitindo compreender melhor os comportamentos dos mais velhos. Aprendo com eles e quero continuar a aprender. Há dias escrevi um pequeno texto, intitulado "Imaginação", em que relatei um pequeno episódio de um coleguinha da minha neta, no qual o miúdo fazia afirmações de que tinha o "mais poderoso de todos os poderes, a imaginação". Publiquei-o. A minha filha contou-lhe que tinha em casa o texto com a história para lhe dar. Ficou de boca aberta e, ansiosamente, perguntou-lhe quando é que lhe dava. Hoje deu-lhe. Ficou satisfeito e sentiu-se muito importante. Tem cinco anos e obrigou-a a que lhe contasse a história. Sentaram-se na salinha do colégio onde estavam os outros meninos. Não lhe leu o texto,

Ler

Cheguei de véspera, o que me dá um particular prazer, não fazer nada antes de trabalhar. É nestes momentos que consigo encontrar algo que me satisfaz ou me induz a pensar sobre o que fazer. Meia-hora é um tempo precioso para o início de um novo dia. Olhei para o templo do outro lado da rua. Há muito que me anda a seduzir, convidando-me para ver os seus interiores. As portas de grades estavam fechadas. Contornei-o na esperança de encontrar uma outra entrada, mas nada, voltei à fachada principal e contemplei o pequeno átrio, onde numa parede se encontravam placas comemorativas, umas medievas e outras modernas. Ri. Não sabia que a visita àquele local de um presidente da república fosse tão importante a ponto de ter uma placa comemorativa. Ridículo, pensei. Ainda bem que outros não tenham aparecido ou sido convidados, se não ainda acabariam com a elegância da fachada. Estava para me ir embora, quando ouço o som de uma velha fechadura a abrir-se. Será que é da porta? Aguardei uns instante

"O negro vestido de cor-de-rosa"

Nesta altura do ano costumava ser bafejado pelos beijos e carícias da natureza. Não sei o que lhe aconteceu, anda triste, chorosa e cinzenta. Para a contrariar fui ao meu álbum de pequenos textos e retirei este. Deixei-me embrenhar nos sons, no sol e no cor-de rosa. Fez-me bem... "O negro vestido de cor-de-rosa" Há uma pequena recordação de infância que nunca pude esquecer, pela beleza, pelo toque e, sobretudo, pela sensação que me produziu. Nesta altura do ano, quando me levantava mais cedo, agora é mais do que habitual, passou a ser um castigo, sentia ao alvorecer a ameaça do calor e a frescura matinal. Uma estranha combinação, sensação de calor e frescura, que ocorre apenas durante um breve período. Está dito, é a combinação mais preciosa que conheço, porque consegue justificar a vida, pelo menos temporariamente. As justificações têm uma duração própria, renováveis caso o interessado assim o manifeste. Hoje, durante a curta viagem, surgiu na minha mente a figur

A nova praga

Como qualquer miúdo, cedo soube identificar o Coliseu de Roma. Local onde os romanos iam assistir a jogos medonhos, cruéis, onde se praticavam sacrifícios dos pobres cristãos, perseguidos e humilhados pelas suas crenças. Não conseguia compreender como é que algo tão horroroso conseguia despertar interesse e provocar gáudio aos cidadãos romanos, que faziam parte de uma civilização notável. Demorou muito tempo a compreender a expressão latina "Panem et circenses", pão e circo. Ao cidadão de Roma era dado diariamente a sua dose de pão e entrada gratuita na sala de espetáculos. Estavam entretidos e com os estômagos cheios. Deste modo, agradeciam aos seus "dirigentes" tamanha generosidade, numa altura em que o "desemprego", ou o seu equivalente, atingia uns trezentos mil cidadãos. Olhando agora com outros olhos para esta situação, desenhada na altura pelo império romano, podemos concluir que era já um sinal de decadência civilizacional, como se comprovou post

Fantasia

A fantasia é a forma mais explosiva e encantadora para despertar sentimentos e semear emoções nas crianças. Mais tarde, quando forem adultas, compreenderão melhor o mundo e, também, poderão aprender coisas tão interessantes como saborear o amor, alimentar a alma através da solidariedade e reduzir os conflitos através do domínio e a prática da tolerância. Sem o mundo da fantasia nenhuma criança poderá crescer feliz, porque precisa dela como ar para respirar. E mesmo na vida adulta, quem souber mergulhar de vez em quando neste enigmático e agradável mundo, sabe que pode emergir cheio de confiança e de esperança para continuar a viver e a esbijar a existência num mundo louco. Subir até ao mundo das crianças é uma delícia, aprendemos coisas deliciosas. É tão simples, basta estar com atenção e ir na onda dos seus pensamentos. Atento, ouvi a conversa da mãe a dizer que a menina andava triste, sobretudo ao acordar.  - Porquê? - Porque o Jesus e a "Avó Aninhas" não lhe tem

Olhos

A primeira coisa que faço quando encontro ou cruzo-me com alguém é ver os olhos. Também deve ser o que os outros fazem comigo. Os primeiros olhares são reveladores de uma conversa profunda mesmo antes de começar. Simpatia, desconfiança, atração, medo, ternura, raiva, sedução, desprezo, amor, ansiedade, fé, esperança, indiferença, vaidade, soberba e até o anúncio da própria morte, tudo, mas mesmo tudo, pode ser visto ao primeiro olhar, incluindo o vazio de uma alma cega e perdida. Atraem-me os olhares, não os evito, procuro-os e enfio-me através deles até entrar numa intimidade que julgamos ser só nossa. Se os olhos permitem ver o que se passa em nosso redor, então, também, têm de deixar de ver o interior da alma. São portas que se abrem, embora alguns tentem fechá-las. Mesmo os cegos deixam transparecer os seus sentimentos nos olhares escuros da sua existência, não veem, mas deixam ver. Cruzo-me com cegos da cidade. Conheço muitos de vista. Nunca falei com eles, desconheço o tim

A boneca

Uma reunião de trabalho ao final da manhã levou-me a alterar as rotinas. Aproveitei as duas horas a mais, num dia a menos, para ler os jornais. Toca a campainha. Àquela hora só podia ser o neto do meio que vinha passar o dia com a avó. Abro a porta e deparo-me com o menino, cada vez mais lindo, de mão dada com a mãe, transportando com a esquerda um cestinho com laços azuis, que, em tempos, foi utilizado para as suas "coisinhas" de bebé. Dentro do cesto dois bonecos. Transportava-os com cuidado. Depois dos cumprimentos, perguntei-lhe como é que se chamavam. - Este é o Francisco e esta é a Joana Francisca. - Muito bem. E que idades é que eles têm? - O Francisco tem dois anos e a Joana dois meses. - Ah, pois! A Joana é mais pequenina. Gostas deles? - Gosto. E, de uma forma muito doce para o que é habitual, deitou-os e cobriu-os com uma ternura que me tocou. Depois, conversámos um pouco e soube que tinha matado os monstros, todos. Gosta de brincar com alguns jogos co