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A mostrar mensagens de maio, 2013

Espaço...

Não há nada como deixar de ter certas esperanças, mesmo as mais sedutoras, sejam elas institucionais, convencionais ou impostas pela sociedade. É um alívio do caraças. Andar toda a vida a lutar por uma carreira, apaixonado por uma profissão e eternamente iludido por recompensas provoca dor, sofrimento, angústia, tristeza, frustração, chegando mesmo a ser letal. Um alívio quando se descobre que não vale a pena ser-se ambicioso ou querer conquistar honrarias ou distinções. Nada melhor do que encontrar refúgio em doces espaços onde possamos ser nós próprios, onde se consiga beber alguma tranquilidade e saborear o alívio para as dores da alma.  Tenho encontrado alguns espaços, físicos e temporais, milagrosos e sedutores, belos e solitários, ricos em inspiração e pobres em arrogância. Pequenos espaços, doces, tranquilos, suaves e reconfortantes. Uma delícia que me leva a procurar as teclas e martirizá-las dando forma e sentido às palavras emergentes, esperando que do refugado saia alg

Uma palavra...

Ouço o vento zangado a soprar nas minhas costas. Não o entendo, não sei o que pretende, talvez queira assustar-me. Incomoda-me aqueles longos gemidos de dor a adivinhar outras dores. O sol dança, o sol esconde-se, também não deve gostar muito daquela agitação e as árvores rodopiam num bailado sem sentido, como almas possuídas pelo demónio. Invade-me uma sensação de enjoo, deve ser cansaço do corpo e tormenta na alma. Refugio-me em pensamentos mas não os encontro. Leio e não vejo nada. Assusto-me com as pessoas que não temem o vento. Ouço-as a semear ventos. Nunca colhem nada, nem as tempestades. Sopram ventos da desconfiança, ventos da discórdia, ventos de dores, ventos desnorteados. Eu ouço-os e sinto medo. O sono invade-me lentamente como querendo roubar-me à realidade. Alicia-me com uma breve ida ao paraíso, onde não há vento, gritos de dor e ameaças de sofrimento. Sinto um suave peso nas pálpebras. Uma agradável sensação penetra no corpo paralisando os músculos e as ideias. O v

Insultar...

Incomodam-me mas não me surpreendem os insultos que se lançam por aí. Insultar é o equivalente verbal da agressão física. Insultar revela o nível da agressividade humana. Insultar é a forma mais hedionda e miserável de destruir quem quer que seja. Insultar chega por vezes a ser equivalente a um homicídio moral. Insultar é um passatempo para muitos. Insultar diverte os fracos de espírito. Insultar é transformar a palavra num punhal sujo.  Incomodam-me mas não me surpreendem os insultos. Incomodam-me os insultos seletivos provenientes de mentes que se atrevem a pensar e a parir pensamentos, recordando que são, também, seres criativos, surpreendendo-me com as suas máximas moralistas, máximas que escondem alguma inquietude.  Cedo aprendi as palavras e as frases da vida, tradutoras de raiva, de ódio, de mesquinhez e de desprezo, frases e palavras para ofender, para destruir, para apunhalar, para desprezar e para derrotar. Muito cedo as ouvi da varanda da casa da minha avó, quando as m

Cada vez mais "burros"...

Os investigadores procuram conhecer e interpretar os fenómenos, mas não ficam por aqui, por vezes também gostam de criar novos “fenómenos”, talvez para contestar ou para provocar certas ideias ou princípios. Mesmo que não correspondam à verdade, pelo menos são gratificantes em termos de imaginação e de distração, o que já não é mau. Como andamos a fazer tantas asneiras, sobretudo no último século e meio, não me admira que tenham despertado o interesse em saber se estamos ou não mais burros. Não sei se foi esta a ideia base do estudo que pretendo analisar, mas se não foi, podia ter sido! Ler que a inteligência humana está a diminuir desde a época vitoriana chama a atenção. Como? Estamos a ficar mais “burros”? Os autores explicam que através do tempo de reação visual é possível chegar a essa conclusão. Na parte final do século XIX o tempo médio era da ordem dos 194 milissegundos, agora passou para os 275. Sem entrar em profundidade nos aspetos técnicos, os autores afirmam que as ca

Banco vazio...

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Um dia como qualquer outro, um dia que quer obrigar-me a descansar à força, um dia sem calor, um dia a convidar à tristeza, um dia como qualquer outro ou talvez não. Um passeio curto, outra vez o mesmo passeio. Passo inúmeros vezes pelo mesmo sítio e não vejo o que queria ver. Vi agora. Um impulso de momento. Adoro os impulsos de momento, habitualmente levam-me à descoberta de algo, ou, então, é esse algo que me quer descobrir. Eu sei que é uma estranha forma de entendimento, talvez um diálogo de sentimentos ou o meu perene desejo de encontrar novas emoções, antes que me gaste, antes que me fujam, antes que desapareça. Nesse dia andaram à solta vários santos. Também têm direito a um passeio, mesmo que curto, é a sua forma de descansar e de divertir. A capela estava fechada, mas através das vigias foi possível visualizar alguns santos, pequenos, a ladear um mais alto e aparentemente mais atraente, um São Sebastião. Coitados, andam os "irmãos" a passear aos om

Locais sagrados...

Tudo tem uma explicação, tudo tem um nome. Conhecer a origem das coisas ou o porquê do nome seduz qualquer um. Às vezes é fácil, existe documentação ou elementos que expliquem os factos ou as designações, outras vezes não é possível o que leva a investigar a origem. Mesmo que a investigação não corresponda à realidade pode ser sempre fonte de um novo mito. Os próprios mitos ou lendas são, por vezes, usados para lá chegar. É uma área das mais adoráveis, misturar lendas e investigação, criando e recriando novas verdades e interpretações. Diz o investigador que as aberturas de todos os dólmenes do vale do Mondego estão viradas em direção à serra da Estrela. Quando foram construídos, há seis mil anos, a estrela Adelbaran, grande, tremelicando como só um coração do universo sabe fazer, enviando uma luz avermelhada, nascia por detrás do maciço rochoso convidando os homens e animais a beberem a vida que brotava naquele majestoso altar. O sentido religioso do homem compreendeu que o sagra

Pão...

Por vezes, ao ler certas coisas sou obrigado a associá-las a experiências já vividas e até tentar encontrar justificações para certos comportamentos. Coisas simples, mas a simplicidade é a mãe da descoberta e da inovação. Quem diria que viver na vizinhança de restaurantes de "fast food" constitui um fator de risco para ter um índice de massa corporal elevado. Foi o que os investigadores "descobriram" em negros norte-americanos com baixo poder de compra. É evidente, pensa o leitor. Pois, pode ser evidente, mas é preciso estudar o fenómeno que, neste caso, está em relação com o raio da distância onde ficam estes restaurantes. Então, os que estão num raio de meia milha estão "tramados". Só os que vivem para lá de um raio de cinco milhas estão a salvo! As explicações são interessantes. Maior acessibilidade, alimentos mais baratos, menos tempo no intervalo do almoço e dificuldade em usar transportes são as mais importantes. Aqui está mais um "fator de

Sal...

Esta coisa da hipertensão arterial é uma chatice. Aliás, a velhice só traz aborrecimentos, bom, nem sempre, mas é muito mais atreita a tal, é dependente de coisas que souberam e continuam a saber bem, por vezes até bem de mais.  Convencê-los de que devem tratar-se é complicado e se lhe reduzirmos o sal então é uma tragédia. Ai isso não, isso é mesmo que matar-me! Não consigo comer sem sal, o senhor doutor o que quer é matar-me. Não quero nada, quero apenas ajudá-lo. Mas como? Comer sem sal? Não consigo, é impossível. Convencê-las, sim, falo no feminino, porque "elas" são mais complicadas, é muito difícil, para não dizer que é quase impossível. Sempre tive enorme apetência para o sal. Lembro-me de levar pequenas pedras de sal escondidas para as saborear no recreio da escola. Roubar pequenas lascas de bacalhau salgado, pendurado do teto na petroleira lá do sítio, era um desafio fascinante, claro que a dona devia fechar os olhos a este atrevimento, mas chupá-las e comê-las

Corro...

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Corro, mas não fujo, corro para poder encontrar, o quê, não sei, mas corro com uma vontade crescente de achar ou ser achado por alguém. Preciso de alguns minutos, não muitos, apenas os suficientes para sentir que vale a pena andar à cata de qualquer coisa que eu não sei muito bem o que é. Pode ser que seja apenas a vontade de procurar, mesmo que não encontre nada ou ninguém. Mas é bom, é muito apetitoso andar à procura, ou sentir essa sensação, como que a querer premiar a minha vontade. Vale a pena ter vontade? Claro que vale, é inebriante e estimula mais a alma do que beber o melhor néctar do mundo, deve ser o vinho dos deuses que me desperta a vontade de o beber. Os sentidos ficam soltos, o corpo elanguesce de prazer e o futuro desaparece sem doer. Que bom sentir a vontade, só a vontade, a vontade de encontrar mesmo que não ache nem seja achado. Não faz mal, o que interessa é experimentar essa sensação, uma, duas, muitas, muitas vezes, vezes sem conta, sem futuro, sem passado,

Pelo brilhante...

Fugir para locais conhecidos é a melhor forma de não perder o sentido da vida. Sempre crente de que o espaço, o tempo, os odores, o vento, as melancólicas águas da ribeira e o ritual absurdo do sol, que se levanta sorridente umas vezes e triste outras, desejam ardentemente enganar-me, como se fosse um dia diferente, cheio de inesperados acontecimentos.  O livro escorria entre os meus dedos sempre que aparecia um som diferente, fosse o coaxar de uma rã, desafiando as palavras que ondulavam debaixo dos meus olhos, fosse o matraquear de falas chocas de quem gosta fazer-se ouvir. O livro transportava-me para outras épocas e locais. Ia e voltava.  Unia-me ao passado e o passado unia-se a mim, tentando criar um mundo sem tempo e sem espaço. O sol, para quem o nosso tempo não conta nada, um mero pestanejar de enfado, era o denominador comum.Tentei desligar-me do pequeno mundo circundante. Deixei os olhos deslizarem pelas páginas enquanto o meu espírito se entretinha a ver e a ouvir tempos

Direito à Sepultura...

Tenho acompanhado com algum interesse o folhetim do enterramento do jovem responsável pelo abominável atentado de Boston. A recusa liminar em dar sepultura ao corpo por parte das entidades oficiais, face à ausência de o mesmo não ter sido reclamado, traduz uma hipocrisia que merece ser analisada. As pessoas dessas zonas recusaram o direito a que o corpo pudesse ser enterrado nos cemitérios locais. No entanto, uma cidadã de outro Estado, manifestando a sua formação cristã, e invocando os princípios inerentes a esta prática, conseguiu solucionar o assunto. O que me intriga e incomoda são as palavras de alguns dirigentes religiosos. Consideram impróprio que o cadáver fosse colocado num local onde existem outros corpos constituindo tal facto um insulto para os familiares que ali vão prestar homenagem aos seus ou passar a ser um local de eventual "culto" no futuro. Aqui está uma perfeita demonstração da aplicação de princípios religiosos, hipocrisia levada ao seu expoente máximo

Passar pela vida...

Passar pela vida sem dar conta da mesma é muito comum. Muitos dos que não dão conta da sua existência conseguem ameaçar e destruir outros que, graças ao seu engenho, arte e criatividade, pretendem dar novas formas, cores e sentido à pobre humanidade. Vítimas da mesquinhez e alvos de ódios setoriais constituem um grupo particular de seres que atraem as flechas de imbecis e a raiva de ignorantes alimentados por nacionalismos estéreis, por vezes acobertados pelos conceitos arrogantes das religiões, ou, então, deformados pelas visões doentias das tendências ideológicas. No fundo, bebem ansiosamente verdadeiros venenos com os quais as suas débeis almas, estruturadas por preconceitos básicos e simples, conseguem ver um estreito e distorcido mundo. Pobres infelizes que não sabem fazer outra coisa, apenas semear a discórdia e a provocar a violência.  Ao fim de algum tempo, habitualmente muito tempo depois, surgem pedidos de desculpa como a quererem redimir as faltas do grupo a que pertence

Desconhecidos...

A melhor maneira de conhecer a natureza humana é saber como somos vistos pelos desconhecidos. Cruzamo-nos com muitos, nunca com outros e, por vezes, roçamos com alguns, tangencialmente, como se fôssemos almas fugidias desejosas de dançar ao sabor do acaso. Seja qual for o tipo de contacto a variabilidade das reações espantam-me, em todos os sentidos, provocando emoções e sentimentos opostos que vão desde a saborosa admiração e confortante reconhecimento ao desprezo e humilhação incompreensíveis, passando pelo analgésico e comovente respeito. É preciso estar atento ou ficar à espera de qualquer notícia, mensagem ou comentário para beber tais bênçãos ou desditas. Na sexta-feira assustei-me pelo meu atrevimento ao entrar num espaço que parou no tempo, enfeitado com o mesmo mobiliário. Recuei mais de meio século. Outros protagonistas, mesmo ofício. Mesmas palavras e ditos, mesmos comportamentos e tiques. Mesmos hábitos. A velha barbearia encerrava as almas de barbeiros castiços que

Rio de águas doces...

"Porque é que deveria ter saudades tuas, ao longo de um claro rio de águas doces?" Diz o poema da bela canção. Por uma razão muito simples, apetece-me ser pagão e adorar todas as formas de vida e todo o tipo de beleza. Escrever isto num templo parece uma heresia. Mas não é, é uma forma pura de querer amar a vida mesmo que esta nem sempre nos queira bem. A vida é "um claro rio de águas doces" onde me apetece deixar embalar e seguir a sua vontade até à foz, onde o esquecimento apagará as turbulências da existência deixando apenas alguns poemas dispersos pelo vento que, apressadamente, corre sobre a corrente da sua irmã gémea até à nascente do rio e foz do vento. É uma beleza ver o claro rio de águas doces a roçar a todo o momento o suave e vibrante rio de vento que lhe afaga as suas mágoas. É uma beleza limpar a dor e o sofrimento do vento abrandando as suas angústias com águas claras e doces. Vento e água, água e vento, a correrem sem pressa para a nascente de um

"Perfect"...

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Acabo de almoçar. O tempo fusco, cinzento, húmido e morno não me convida a sentar em bancos de pedra para olhar e falar com doces e encantadoras flores. Procuro um refúgio para o corpo e para a alma. É tão bom encontrar um espaço que pode ser só meu ainda que por breves instantes. É o que me tem acontecido ao longo dos tempos. Quando saio dos meus domínios acabo, frequentemente, por tropeçar em belos sítios, tão belos, frescos e tranquilos que não deixam de me surpreender.  Estou numa zona feia, triste, suja e velha, o tempo não ajuda, porque quando faz sol tudo o que é feio, triste, sujo e velho transforma-se numa surpresa capaz de embelezar o mundo e as pessoas. Hoje não. Haverá por aqui algum templo, não importa de que religião, apenas um templo onde possa sentar-me, escrever e sentir-me protegido, seja por santos ou deuses, menores ou maiores, visíveis ou invisíveis, não importa. O que interessa é entrar num qualquer espaço onde ninguém possa importunar-me. É a única coisa

"A oliveira e os Pássaros"...

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As tarefas profissionais aprisionam-me nas suas malhas absorventes e grades de responsabilidade, atormentando o desejo de fugir para a liberdade. Ontem, dia da espiga, não fui livre e nem parei um momento que fosse. Tive inveja dos pássaros e senti saudades do primeiro dia em que me inculcaram o seu significado. Como qualquer criança que se preza, reti somente o que de mais fantasioso havia nas palavras da minha avó, o resto não entrou nessa altura, ficou para muito mais tarde. Na velha cozinha, a sala do trono da casa, onde se fazia toda a vida da altura, contou-me, na véspera, que amanhã é um dia muito sagrado, tão sagrado, tão sagrado que nem os passarinhos põem as patinhas no chão. Abri a boca de espanto. Continuou, é o dia da Ascensão de Nosso Senhor ao céu, e as oliveiras, aquela hora prestam homenagem cruzando as suas folhas. A boca, que já estava aberta, manteve-se durante mais tempo sem que pudesse dizer nada, tamanho era o meu espanto. Continuou nas suas descrições, como as

Dia...

Dia de sol, dia de adoração à fonte da vida, dia da fertilidade, dia da criação, dia da natureza prenhe de beleza e de esperança e dia da cruz a relembrar o fim do sacrifício e o início do amor, um dia pagão, um dia que quer ser diferente, um dia que me chama a atenção para poder viver outros dias, um dia que me obriga a ouvir estranhos sons vindos debaixo da terra, sons da vida e sons da morte. Eu ouço-os, mas não sei se os sons da minha alma são ouvidos. Não faz mal, para o ano há mais, mais sol, mais cruzes, mais vida e mais mortos. Vale a pena tentar compreender este dia, até ao dia em que deixarei de ver o sol. Hoje é dia de adorar o sol da vida e o sol da saudade... ...da mãe  

Mandrongo...

Passar pelo tempo é partilhar vivências, sentimentos, emoções e saborear recordações. Passar pelo tempo é esquecer as más memórias. Não as esquecemos? Não faz mal, é sempre possível retocá-las com cores menos dolorosas, desenhando traços finos de saudade. Passar pelo tempo é transformar a realidade do passado no encanto do mundo da fantasia. São momentos deliciosos quando conseguimos misturar tudo, imagens dinâmicas, coloridas e quentes, com desejos ardentes, sensações estranhas, cheiros deliciosos, emoções perdidas e vontades achadas. O tempo mistura tudo, sem respeito por ele próprio, criando novas realidades que só ele sabe. O tempo faz esquecer a realidade dos momentos do passado, confundindo-nos propositadamente para que a saudade tenha outro sabor e cheiro. O tempo consegue o impossível que é recriar situações temporais distintas como se tivessem ocorrido no mesmo momento. Vale a pena viver a fantasia da realidade, uma fonte de prazer a que não devemos fugir.  - Então,

Anne Frank...

A história de Anne Frank faz parte do imaginário de muitos ao ajudar a compreender mais aprofundadamente a ignomínia da ideologia nazi. Li o diário em pequeno e li o diário em adulto. A história de uma jovem alemã-judia que registou em livro o drama e a vivência da sua curta existência, terminada um pouco antes de fazer 16 anos no campo de concentração de Bergsen-Belsen, vítima de tifo. Lê-lo ajuda a saber que o ódio e o racismo são duas constantes que estão sempre prontos a manifestar-se provocando dor no corpo, sofrimento na alma e destruição da dignidade humana. Lê-lo ajuda as crianças e adolescentes a compreender melhor a condição humana e relembra aos adultos que o ódio e o racismo não dormem, apenas fingem que estão a passar pelo sono para despertarem com violência a qualquer momento. A divulgação da sua obra tornou-se numa verdadeira epidemia pela riqueza, profundidade, beleza e sofrimento espelhados através de um estilo agradável que atrai qualquer um.

Celina das Águas...

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O céu cinzento cobria com doçura as águas chãs da ria, entorpecidas por um estranho langor, escondendo a irritação profunda das irmãs para lá do horizonte. As aves abrigavam-se no conforto da proximidade da terra. Brigavam umas com as outras, disputando com particular raiva os pequenos pedaços de pão que uma mulher lhes lançava. Gaivotas transformadas em pombos, gaivotas enraivecidas a relembrar humanos, a natureza com as suas duas mais comuns facetas, a da paz e a da guerra. Uma constante que não se restringe à nossa espécie. Esgotou-se a fonte da disputa. Acalmaram-se. Puseram-se a olhar para as águas, para a terra e para mim com um olhar sobranceiro, destemido, desafiador e, sobretudo, indiferente à minha condição. A mulher aproximou-se com sinais evidentes de arcar com o pior que a vida lhe deu, cifose da vida a preceder a da idade. Balanceava-se lentamente, sinal de desgaste dos quadris. Olhou-me desejosa de explicar algo que nunca lhe pedi. – Foi a senhora ali, e apontou p

Bronze...

A memória é despertada de quando em vez de forma inesperada, provocando o acender de emoções e o despertar de lembranças, a ponto de obrigar a inesperadas viagens no tempo, fazendo inveja às águas de um rio, que, ao fim de algum tempo, certas da morte e do esquecimento nos majestosos mares, desejam ardentemente subir por onde descem. Não conseguem. O homem consegue, a sua vida é uma corrente capaz de regressar às origens ao tropeçar em qualquer meandro do seu percurso, contrariando a afirmação de que a mesma água não corre duas vezes debaixo da mesma ponte. O homem consegue criar pontes para que as águas corram muitas vezes debaixo delas, tantas quanto o acaso permitir. O acaso existe. O acaso obriga a procurá-lo sem dar a entender que existe. Exige silenciosamente a presença, uma necessidade que alimenta a memória que pretende manter viva. Sem essa necessidade, sem o invisível acaso, não há memória, não há vida, não há passado, não há futuro, não há nada. O bronze, com aspeto de q