Dualidade


O mundo mede-se por pequenas coisas e acontecimentos singulares que, de um modo geral, passam quase despercebidos, embora um ou outro consiga ter mais projeção. Vejo o descontentamento provocado pela morte de um leão, célebre, que arregimentou protestos ao mais alto nível com figuras públicas a insurgirem-se contra tão hediondo ato motivado pela lascívia de um caçador que ainda vai ficar com a cabeça a prémio. De facto, o dentista que o matou deve ser classificado como uma besta. Aceito as medidas (legais) propostas para castigar o seu ato e o que lhe está subjacente. Em contrapartida, um menino palestiniano foi morto por dois israelitas, tendo os restantes familiares, sobretudo a mãe e um irmão, ficado gravemente feridos, os quais, quase com toda a probabilidade, irão morrer dada a extensão e a gravidade das queimaduras. O repúdio subiu à tribuna de algumas pessoas, mas não vi a mesma onda de indignação por parte dos outros, os que repudiaram a morte de Cecil, era assim que se chamava o famoso leão africano. Não sei o nome da criança, como se isso fosse importante. É mais uma que morre às mãos dos seus semelhantes, umas perfeitas bestas que não conseguem respeitar ninguém. Tudo por causa das diferenças baseadas na religião.
A  religião encera por vezes algo de tenebroso; comporta-se como se fosse uma fonte sofrimento, de ódio, de raiva ou de morte, em vez de ser um lago de amor, de solidariedade e de espiritualidade.  Dois acontecimentos que ocorreram quase em simultâneo e que provocaram reações díspares. E depois? Depois, o mundo continua na sua eterna senda de hipocrisia e na esperança de que os gritos de alguns possam por alguma ordem na má natureza humana que teima em reinar seja onde for. E reina! 
O reino de Deus é uma utopia que foge a cada dia que passa. Se Deus criou o homem deverá ter sido num momento de distração. As distrações pagam-se caro. Coitados das vítimas das guerras, das perseguições, da fome, do desemprego, da intolerância, da escravidão, da humilhação, enfim, da vida sem muito sentido num mundo perdido, debaixo dos olhos de um Deus escondido.

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