"Silêncio"...

Pouco há a fazer num sábado à noite no meio de uma povoação em processo de desertificação acelerada. Dar um pequeno passeio, passando pelos mesmos locais, sempre na esperança de encontrar algo diferente ou um sinal a recordar os velhos tempos. Mas nada. Não há pessoas, apenas nos cruzámos com quatro ou cinco. Umas são taciturnas, com caras perdidas, outras são as clássicas, tipo figurantes, que recolhem as suas casas e depois são os fantasmas aos quais se juntam algumas almas que surgem sempre que as recordamos. Para quê? Para justificar uma curta conversa e para lembrar pequenas epopeias de um passado esquecido. Não sei se somos nós que as recordamos ou se são elas que nos chamam e atiçam as nossas memórias. Tanto faz. As recordações servem para isso mesmo, justificar curtos momentos à espera de se libertarem de vez. 
Sentado na varanda, a apanhar banhos de brisa fresca, olho para as nuvens que bocejam de indiferença. Não sei se têm frio. Não se mexem, adormecem ao som do estranho silêncio de uma povoação moribunda. Nem os cães ladram. Soltaram há pouco um ou dois latidos, depressa se calaram. Ladrar para quê, se ninguém lhes liga? Adormeceram. Lá dentro, na sala, fala e repisa um programa televisivo. Fala para aí. Fala para o boneco. Ouvir televisão num sábado de verão à noite é perigoso para o coração. Irrita e insulta. Fala para aí. Sempre são sons, sem sentido, a querer compensar o vazio de um largo morto onde outrora floria a qualquer hora a vida. Nada. Ouço apenas o linguajar parvo do intérprete de um concurso qualquer. As nuvens continuam a não se mexer, apenas o azul começa a querer apagar-se, muito lentamente. Vou esperar que desapareça e depois pensar em almas. Talvez consiga ter uma conversa diferente e quente na noite que esfria. A noite está vazia, não há gente, não há quem cante, não há quem chore, não há quem berra, não há quem brinque, não há vinho a espairecer nas esquinas, não há nada, apenas ouço ao longe os sinos de várias igrejas a badalarem as suas horas, cada uma no seu tempo. Tocam ao desafio. Conheço os seus sons. Coitadas. Ainda julgam que as ouvem. Eu vou ouvindo e esquecendo... 
A última pincelada do dia acabou por desaparecer. Uma curta e sombria linha perdida no rebordo da montanha.

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