"Os frangos de Barrelas"...

Fui por velhos caminhos tentando saborear a tarde. Não choveu. Entrei na localidade, que conheço muito bem, mas não consegui estacionar à maneira. O Pipoca tem o condão de condicionar a nossa vida. Não me incomodo. Queria tomar um café, mas não consegui estacionamento perto. Rumei até outra localidade, a antiga Barrelas. Seduz-me andar pelas Terras do Demo. Gosto imenso de Aquilino e ainda mais das gentes que transpiram alegremente a beleza e a dureza de um viver que teima em respirar como se o passado estivesse mesmo à nossa frente. É como estar em casa. Sabia onde ir. Antes de estacionar, no amplo terreiro, visualizei o comerciante dos frangos assados sentado com ar pensativo junto da sua carrinha bem apetrechada. Devia ter havido feira na parte da manhã. No largo restavam dois ou três comerciantes a levantar as tendas. O "frangueiro" pensava sobre a vida e o negócio do dia. Abrandei e disse-lhe: - Já regresso. Arranje um frango. Vamos só tomar um café. Acordou de uma aparente letargia e sorriu. - Esteja à vontade. Eu espero. Falámos como se fôssemos conhecidos de longa data. Estacionei no terreiro. Ao sair, dizemos sempre ao Pipoca: - Espera. Espera. Nós já "viemos". Nós já "viemos". Está do "já viemos" é uma forma de parodiar algumas pessoas da minha terra. De tanto dizer, qualquer dia já nem sabemos conjugar corretamente o verbo vir. O que é certo é que o Pipoca entende. Nunca se inquieta, porque sabe que regressamos sempre. Fomos falar com o homem e encomendei-lhe um frango. - Um? Dois! Fiquei de boca aberta. Sorri. - Quer com picante ou sem picante? - Com. - Hum! Pois. Pois. Eu não disse nada. Vão lá tomar o café que eu espero. Passava um pouco das três e meia da tarde e o movimento era nulo. No regresso, o comerciante, que sabia da poda, estava à conversa com um amigo que se entretinha a jogar à raspadinha . - Então, já lhe saiu mil euros? Perguntei. - Não. Mas parece ter qualquer coisa. Importa-se de ver? Peguei no cartão e tentei perceber os códigos. Não foi difícil. Parece que ganhou seis euros. -"Vistes"? Disse para o homem dos frangos. Nada mau. Raspou outra e desta feita saiu-lhe três euros. - Três euros? Perguntou-me. - Sim. Confirmei. - Mas diga-me uma coisa. Quanto custa cada cartão? - Três euros. - Bom, sendo assim, já está com um ganho de três euros. Começou a raspar uma atrás de outra, com uma agilidade difícil de igualar, e nada. Fiquei com curiosidade e perguntei-lhe quanto é que tinha gastado. - Dezoito. - Ó diabo! Então está a perder. A conversa continuou com toda a naturalidade até que o esperto do homem dos frangos me disse: - Pronto. Aqui estão os três frangos. - Três? - Sim. - Mas eu e a minha mulher não vamos dar conta do recado com tantos frangos.- Deixe lá. Tem aqui este saco que é para depois aquecer no microondas, mas tem de fazer da seguinte maneira, e depois deu-me as instruções técnicas. Ao perguntar quanto é que lhe devia vi na sua carrinha-assadora ainda uma fila de frangos assados, que devido ao adiantado da hora não sei se iriam ter saída. - Dezoito? Bom, uns gastam nas raspadinhas e eu em frangos.
A conversa continuou à maneira de acordo com os costumes e forma de falar de um passado remoto. Sorri. O tipo sabia da poda, muito melhor do que eu. Desejou-me um Bom Ano e muito amor. - Sabe? Sem amor as coisas não prestam. Não acha? O amor vale tudo. Aqui tem o troco, dois euros. Agradeci e virei-me para o seu amigo: - Ó homem, tenha cuidado. A continuar assim ainda fica "raspado". Deram cada um a sua gargalhada. O "frangueiro" acompanhou a sua da seguinte tirada: - Ai fica, fica! Depois pensei: - Mas o que é que eu vou fazer a tantos frangos? Depois lembrei-me que o Pipoca adora frango. - Estás com uma sorte do caraças.
Tudo isto depois de contar à minha mulher, durante a viagem, algumas histórias do famoso juiz de Barrelas com as quais se divertiu imenso. - Estás a ver? É o que faz andar por Barrelas. Estou a ver que o espírito do juiz de meias amarelas ainda perdura com toda a sua sapiência e marotice. Digo isto a testemunhar pelo encanto do homem dos frangos. Ainda estive tentado a perguntar-lhe se era ainda parente dele. Não faz mal, fica para a próxima....

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