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Queijadas...

- Senhor doutor? Está aqui na receção o senhor Américo. Não é para o consultar, passou pelo centro para tratar de uns assuntos, mas como soube que estava ainda a trabalhar gostava de lhe dar uma palavra. - O senhor Américo está aí? Mande-o entrar. - Agora?!- Sim, mande-o entrar. Estava no intervalo de duas consultas. Ao ouvir o nome do senhor, comecei a recordar muitas conversas agradáveis que tivemos ao longo do tempo e que acabaram por ser afogadas numa doença de mau prognóstico há cerca de três anos. Apesar de estar muito cansado, era final da tarde, um afluxo anormal de energia invadiu-me, substituindo a fadiga pela apreensão. Não me recordo quando comecei a consultá-lo, foi há muitos anos. Homem simples, de bom porte, educado, humilde, conversador nato, dono de um sorriso suave, quase que diria sedutor, conseguia-me contagiar com uma estranha sensação de tranquilidade e bem-estar. Mais velho do que eu, entrava no gabinete a baloiçar-se como se um fosse um pato; as artroses das anc

"Atração felina fatal"

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"How Your Cat Is Making You Crazy" March 2012 ATLANTIC MAGAZINE Confesso que ainda hoje me incomoda saber que em tempos, em grandes civilizações, como a egípcia, os gatos atingiram um estatuto de divindade. Na mitologia egípcia existiu uma deusa com cabeça de gato, Bastet, divindade solar e deusa da fertilidade. Nos templos dedicados à deusa os gatos eram considerados como a encarnação da deusa e tratados em conformidade. Hoje, face aos conhecimentos científicos, posso pensar que tenha havido motivos para tal atitude. Sabe-se desde há muito que certos insetos, parasitas e vírus podem condicionar o comportamento dos seus hospedeiros com o objetivo de facilitar a sua sobrevivência e propagação. O exemplo mais bem estudado é de um parasita denominado Toxoplasma gondii que necessita do gato para se reproduzir. Para o efeito consegue alterar o comportamento dos ratos. Os cérebros destes roedores sofrem alterações estruturais e funcionais muito interessante

Dia Mundial da Mulher

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Sedução (Inês Massano) Há semanas, uma amiga telefonou-me, queria conversar comigo e pedir uma opinião. Claro, respondi, sábado de manhã no meu local favorito. Nem foi preciso indicar onde, os meus hábitos cristalizam-se com a maior naturalidade acabando por ser identificados pelos amigos e conhecidos. Entre algumas lamúrias, naturais, e mesmo pertinentes, motivadas por diversos fatores, acabou por pedir a minha ajuda para o Dia Mundial da Mulher . Queria que a ajudasse a concretizar um programa. Sinceramente não estava à espera de um pedido desta natureza. Surpreendido, comecei a pensar como é que a poderia ajudar. A minha amiga queria uma reunião, um simpósio, uma conferência, enfim, o habitual na comemoração deste dia. Entretanto, já tinha planeado uma exposição de quadros e de desenhos sobre mulheres. A autora é a minha filha do meio, que, numa das suas arrancadas artísticas, tinha começado a desenhar mulheres, sem lhe passar pela cabeça o dia mundial da mulher ou coisa que o valh

Falta de homem!

A ingenuidade é uma constante que afeta muitas pessoas. Por vezes fico surpreendido com as interpretações a propósito de algumas doenças ou sintomas. Há tempos, uma senhora que sofre de disfunção comportamental, nada de grave, acabou por me sugerir que as suas queixas poderiam ser devidas a falta de relações sexuais! Não estava à espera, nem me deu tempo para comentar, adiantando que a atividade sexual, estando “associada” a certas hormonas, acabaria por estimular estas últimas; já tinha lido sobre o assunto! Os seus sintomas poderiam ser explicados desta forma, rematando que, mesmo que fosse o seu caso, não iria procurá-las, uma opção que iria manter. Mais tarde verifiquei que não era bem assim, mas essa é outra história. Pessoa com nível cultural superior, e com filhos já crescidos, saiu da consulta convicta do que acabava de dizer. Este episódio fez-me recuar muitos anos, quando uma senhora negra, na casa dos trinta e poucos anos, me consultou por causa de dores na coluna. As queixa

Síndrome sem nome...

Em medicina é relativamente comum, na construção de novas entidades nosológicas, designá-las com o nome de quem as descobriu ou, então, relacioná-las com algumas descrições decorrentes de determinados fenómenos, locais onde foram identificadas pela primeira vez e até mesmo fazendo recurso à arte, à mitologia e à literatura. No fundo trata-se de síndromes, conjunto de sinais e de sintomas que conferem personalidade médica sem a qual não é possível tratar ou prevenir. Algumas dessas síndromes traduzem acontecimentos interessantes, previamente relatados, aos quais os descobridores foram buscar o nome. Neste momento surgem algumas na minha memória, caso do cocheiro "mister Pickwick", personagem de uma obra de Dickens, gordo, que adormecia em qualquer lugar e que traduz a relação entre a apneia do sono e a obesidade; outra, a síndrome de Stendhal, tão bem descrita na sua obra "Nápoles e Florença: uma viagem de Milão a Reggio" em que o vislumbre da imensa beleza florentin

Paciência, Wilberforce!

Não me recordo, apesar de fazer muitos esforços, quando é que comecei a pronunciar certas palavras, provavelmente por as dizer sem saber o que dizia. Balbuciamos, soletramos, interagimos através de palavras, fonemas e monossílabos sem saber o significado dos mesmos. Depois, com o tempo, acabamos por preencher o oco dessas palavras com algum sentido ou significado, um recheio grosseiro, e muito limitado, que, periodicamente, é substituído por conceitos mais elaborados e consistentes. Não me lembro quando é que comecei a utilizar a palavra Deus, mas sou capaz de precisar alguns conceitos a esse propósito. Diziam-me que estava no céu. Olhava para o céu e não percebia como é que alguém podia estar lá em cima. Metia-me muita confusão, mas uma estampa, que estava na sala, ajudou-me a resolver o assunto. Uma imagem de um homem barbudo sentado sem usar banco, em cima das nuvens, dava a impressão de que estava para lá do teto azul. Foi então que entendi o que era o céu e onde estava Deus. O azu

Post it ("06568")

Manhã de inverno, muito fria, iluminada por um sol basófias, demasiada luminosidade e pouco calor. Ligo o rádio, notícias do costume, exceto o leilão do molde dos dentes de Elvis Presley, cuja base de licitação é de doze mil dólares. Estou com curiosidade em saber até quanto irá subir. Licitadores não irão faltar e o desejado artefacto irá terminar numa sala qualquer tornando-se no ponto central de atenção e de orgulho do dono. O que leva as pessoas a adquirirem determinados objetos? Falo daqueles que não são propriamente exemplos de obras de arte, caso do molde em questão, do lenho de Cristo que, a estas horas, deverá corresponder ao abate de uma floresta, ao cabelo de Napoleão, às cuecas da rainha Vitória, aos dentes de Santo António, às inúmeras relíquias de santos e santas que andam por aí e a tantas outras coisas que dispenso de enumerar. Estes objetos em si não valem grande coisa, adquirem valor porque materializam ideias, conceções, desejos, transferências, vontades de incorpora