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Imperfeição

A humanidade viveu desde sempre períodos muito angustiantes, chegando, por vezes, a ser dramáticos, violentos e destruidores. São curtos os momentos de paz, de esperança e de alegria, breves frações de segundos na escala do nosso tempo, mas contrariando tudo e todos, alguns de nós sofrem de um otimismo patológico, digo patológico, porque há doenças que não me importaria de sofrer, e o otimismo é uma delas. O pior é que não sou atingido por esta doença, entretanto outras já marcaram a sua presença.  Gosto de ouvir, de ler e de meditar. Necessito de o fazer, porque há pessoas que me convidam a isso. Há pessoas brilhantes que, embora nunca tenha cruzado com elas, me marcam. Posso não partilhar das suas ideologias, das suas crenças, das suas filosofias, mas, mesmo assim, atraem-me, por vezes mais do que aquelas com quem me identifico. Talvez seja por isso, ver e sentir que posso aprender e crescer com elas. Preciso cada vez mais dessas pessoas. Preciso muito daqueles com quem não consi

Meteoro

Há dias, enquanto esperava pelo comboio, numa manhã bela e inundada de um frio glacial, li a notícia de que um meteorito invadiu o espaço aéreo do planeta para as bandas do norte da Rússia. Um susto que traduz a apreensão de um dia podermos ter um contacto muito mais violento com algum calhau perdido no espaço. Os astrónomos, profissionais e amadores, vasculham incessantemente o cosmos à sua procura, e são unânimes em afirmar que mais tarde ou mais cedo vai cair algo pesadote em cima dos nossos iluminados crânios, a relembrar um outro fenómeno ocorrido há 65 milhões e que provocou o desaparecimento de muitas espécies, entre as quais os famosos dinossauros. Se não fosse esse meteoro, descomandado, ou talvez não, deus pode ter acordado naquele dia mal disposto e para se entreter lembrou-se de andar à pedrada, não teria havido condições para que os pequenos mamíferos tivessem vingado e ocupado o espaço deixado vazio por outras espécies. Claro, em consequência, a espécie humana acabou po

Sociedade sem sentido e sem futuro

Tenho acompanhado de perto as mudanças sociais verificadas nos últimos tempos com graves consequências para a saúde e bem-estar das pessoas. Falta de esperança, ausência de respeito pela dignidade humana, ansiedade permanente, mortificação em crescendo, explosão de vítimas da incúria e de interesses pouco confessáveis por parte de muitas pessoas, e entidades, que veem os cidadãos como mera matéria suscetível de produzir riqueza para si, não para os próprios, aparecimento de cultores de novas formas de escravidão, embrenhados dos mesmos princípios e lógica das sociedades que nos precederam, e que foram combatidas por serem iníquas, é o pão nosso de cada dia. Tudo se repete, sobretudo a miséria e o sofrimento do próximo. Tremo quando leio notícias sobre suicídios de pessoas que, incapazes de sobreviverem na sociedade atual, partem sós ou acompanhados dos entes mais queridos, os filhos. Tremo e sinto náuseas perante tamanho comportamento de desespero, condicionado e promovido por socie

Preconceito ou extremismo...

Viver muito tem mais desvantagens do que benesses. Uma afirmação que contraria a opinião feita de que a idade acarreta mais sabedoria, produz mais-valias, desenvolve mais tolerância, cria mais resistência ao desespero e aumenta a capacidade de adaptação à realidade da existência. Pois, até pode ser isso e tudo mais, mas chateia, ou melhor leva ao cansaço. Ao olhar para certas pessoas sou obrigado a beber bílis destilada em alambiques ordinários. Ao ouvi-las não consigo evitar punhaladas dolorosas em tímpanos perfurados pelo gritar contínuo de vozeiros inconsistentes. Mesmo assim, consigo, quando observo os seus andares, divertir-me com a elegância de alguns e a boçalidade de outros e a preocupar-me com a instabilidade e limitações de outros que, num esforço sobre humano, se ultrapassam a si próprios. Que diferença, a facilidade com que o alarve, de mãos nos bolsos, transporta o buldózer de uma pança arqueada, a toque de um assobio, e o pobre do velho, trôpego de pernas mas louçã de e

Imaginação

Os miúdos quando chegam a determinadas idades gostam de se transformar em super-heróis, talvez por se aperceberem da pobreza e limitação da realidade. Agora, graças às novas tecnologias, iniciam-se mais cedo nesta arte de transformação. Inicio esta reflexão em consequência de um pequeno relato que ouvi ao chegar a casa. Um miúdo, que deve ter cinco anos de vida, gosta de acariciar as pernas da minha filha do meio sempre que vai ao colégio buscar a neta. Surpreendida por este comportamento repetitivo, acabou por o interpelar perguntando as razões daquele ritual. O miúdo explicou-lhe que gostava das meias, que são habitualmente garridas, coloridas ao cubo, com desenhos capazes de chamar a atenção dos mais novos aos mais velhos. Mas, ao mesmo tempo que lhe ia dando as explicações, contra-atacou dizendo-lhe: - Sabes que eu tenho muitos poderes? - Poderes? - Sim, muitos, eu sou um super-herói. Estás a ver? Eu não preciso de me vestir de super-herói, imagino que estou vestido. Eu consig

Fingimento

Não estou acostumado a tardes com muito sentido, porque são tardes afogadas em compromissos, e a de hoje, então, não foi grande coisa. Descomprometi-me. Não sei para quê. Estou arrependido. Fui ao centro comercial e vi poucas pessoas. Pessoas que fingiam comprar, que fingiam vender, que fingiam passear, que fingiam viver. Entristeceram-me. Comprei dois tinteiros de tinta para as impressoras. Esqueço-me frequentemente de ter uma reserva e, por vezes, sai asneira. Um alívio, pelo menos consegui adiar a próxima falta de impressão, o que constitui uma boa notícia. Chafurdei na livraria à procura de algo que me seduzisse. Comecei a sentir uns estranhos avisos como se a minha consciência quisesse advertir-me para o facto de andar arredado deste tipo de compras. Dar prioridade à compra de tinteiros em vez de livros nem parece teu, tive a sensação de ouvir lá no fundo. Não me chateeis, respondi-lhe forte e grosso no silêncio do pensamento. Mesmo assim fui compelido a pegar na "Mortalidad

Massa do tempo...

Debilitado fisicamente, fiquei na expectativa de poder usufruir um curto momento de reflexão e de tranquilidade à hora do almoço. Não preciso de muito tempo, eu próprio consigo transformar o breve num longo e suave suspiro. Consigo estender o tempo para além do tempo sem dar conta da passagem do tempo. Mistério do tempo. As horas passavam e nunca mais via chegar o momento desejado. À debilidade física associou-se uma espécie de debilidade emocional. Desisti. Hoje não vou ter tempo de ver correr o tempo da maneira que eu gosto, a única em que não sinto o seu peso e tormentos. Em primeiro lugar estão os deveres e as regras mundanas. Fica para a próxima. Cumpri. Eis que me informaram que iria ter tempo livre durante a tarde, muito tempo, tempo demais, inclusive. Sendo assim, vou dar uma volta, não para matar o tempo, não tenho esse instinto, nem esse direito, mas sim para andar, para ver, para encontrar não sei o quê, mas acabo sempre por encontrar qualquer coisa e quando não encontro, e