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Esquecimento

O mundo não gira, o sol não anda, o que gira são as tragédias, traições, humilhações, mortes, desprezo, escravidão e charlatanice de todo o tipo, desde a ligada à saúde, passando pelos oráculos que falam em nomes de deuses escondidos, até à mais comum, a política. Fingir é a faceta mais ordinária da vida, mas, ao contrário da que é representada nos palcos, praticamente inofensiva, serve apenas para divertimento e enriquecimento cultural de quem vê e representa, o fingimento real é diferente, é duro e faz doer. Por mais voltas que os seres humanos deem acaba sempre por voltar tudo ao mesmo. A violência humana é intrínseca e não há nada que a possa travar ou matar. Até as religiões, que deveriam ser fonte de satisfação e de formação, deixam muito a desejar, inclusive conseguem ser, paradoxalmente, fonte de sofrimento, de dor e de morte. A não aplicação dos princípios apresentados como desígnios de Deus, um ser que joga de forma esquisita através de múltiplas religiões, algo que nunca

Suave calor

Deixo-me embalar pelo suave calor que vem do mar. Doce e sem futuro. Aquece quem sente necessidade de viver, mas, em seguida, desaparece e esquece os que sofrem com a sua ausência. Calor doce, inebriante, como a querer lembrar os efeitos do espírito do vinho. O sono aparece por uns instantes. Em voz baixa e solene tudo faz para matar quem pense ou recorde os efeitos inebriantes da vida. Sensações fugazes a recordar as palavras loquazes de quem quer enganar o resto do mundo. Mundo aparvalhado, dorido e ofendido por um dia ter sido criado sem objetivo. Restos de vida falida e projetada para nada. Não é filha do divino, nem do demónio, apenas aconteceu por um mero acaso doentio. A vida esvoaça ao sabor dos sons do ar mudo e dos gritos silenciosos de quem sofre por andar neste mundo. Há os que fingem viver. São os que envenenam os seus semelhantes sem dó e sem piedade, porque só assim o mundo pode vingar e sobreviver a tantas tolices, palermices e esquisitices, filhas, enteadas ou amantes

Perdão papal!

O papa concede o perdão dos pecados num "Jubileu Extraordinário da Misericórdia". O perdão estende-se a todos, desde os que praticaram abortos, mulheres e profissionais de saúde, até quaisquer outros delitos. Para isso é preciso que confessem e peçam com sinceridade. Até os mortos podem ser perdoados pelos pecados que cometeram. Aqui não sei como vão confessar. De qualquer modo, acabo por constatar uma amnistia global. Um novo renascer da espécie humana irá ocorrer durante o "Ano da Misericórdia", melhor que o Dilúvio Universal. Desta forma, o mundo vai ficar puro, tão puro que não precisará de mais papas, bispos, padres, religião ou o que quer que seja. A "arrogância" divina, expressa pelo papa, toma foros difíceis de entender, sobretudo, porque o papa representa uma religião que, ao longo dos séculos, cometeu muitos crimes e muito mais pecados. De tempos a tempos aparece um papa a pedir perdão pelos pecados cometidos pela sua igreja. Agora, o atual vai

Rio de lágrimas

Sombrear a tarde com a ilusão do trabalho ajuda a esquecer a força delirante da vida que semeia flores e raiva da mesma forma. Um contraste intenso, doce e doloroso, apenas o tempo a interpela e avisa que um dia tudo acaba, semear flores, enterrar a raiva ou despertar velhos e enigmáticos valores que correm mais rápido do que nuvens furiosas por fecundar a terra. Nada mais há a acrescentar a uma tarde de estio. A alma sente frio como se fosse invadida pelas lágrimas do destino. Lágrimas que alimentam o belo e tranquilo rio, rio da vida, rio cristalino. E eu? Que faço? Sorrio.

Rainha

A nudez da serra, debaixo de um sol febril, consegue despertar sensações de liberdade e de encanto. Serpentear por zonas perdidas, onde de quando em vez se pode ver a dureza da vida espelhada nos sulcos graníticos das faces de mulheres e homens solitários, ajuda a compreender o silêncio da natureza. Sem palavras, apenas um ou outro olhar que se esvazia no eterno andar à descoberta de caminhos. Caminhos vazios e aparentemente sem fim. Acabei por chegar ao destino. Tempo suficiente para uma visita ao velho templo a fim de matar saudades da extraordinária escultura da beata, filha de rei, que, reza a lenda, era de uma beleza digna de uma deusa de Zeus. Uma rainha. Recordei de imediato a outra que tinha visto antes de subir à serrania. O templo setecentista estava aberto desta vez. Não perdi a ocasião e visitei-o. Apreciei belas imagens e o barroco tardio. Uma das imagens, pequena, a enfeitar um dos altares laterais, o da epístola, chamou-me a atenção. Tratava-se de uma versão rainha Sant

Incisivo sorridente

Começo a viajar vezes sem conta a lugares bem conhecidos. Necessidade? Falta de originalidade? Saudade? Não importa, o que interessa é encontrar sensações que satisfaçam paixões e criem novas emoções. Fui até à Guarda. Passeei, mergulhado em verdadeiro calor de estio, nas estreitas ruas velhas de séculos. Gosto de respirar os aromas das pedras escuras, cheias de histórias e de dramas. Olhei para o casario, a maioria triste e vazio. Consegui imaginar os pensamentos deixados nos interiores além dos que foram lavrados nas ombreiras das portas, humilhação granítica de quem foi obrigado a fugir e a mudar de religião. De repente, ao passar por um pequeno espaço ajardinado, disse: - Lembras-te daquela velhinha que um dia encontraste neste espaço? - Recordo, pois! Começámos a falar de uma senhora muito pequenina de fabrico e ainda mais pequena devido ao tempo. Vivia numa daquelas casas velhas paredes meias com outras vazias. Passeava o seu único incisivo que reluzia quando sorria. Falava bem

Claustro

O velho claustro, escondido dos humanos e perdido debaixo das águas do Mondego durante séculos, emerge, à luz do sol, a beleza anquilosada de um passado rico, com os seus segredos, angústias, tristezas, pecados e desejos nunca revelados. Piso as suas sepulturas, ouço as suas vozes, e entristece-me que violem os seus sonhos. Leio os nomes e datas, e reparo que podiam estar agora a meu lado. O calor do respaldar de um banco de pedra, afastado na altura da luz do sol, obrigou-me a saborear a mesma brisa que acalmou as almas penitentes de quem já sofreu. O céu é o mesmo, o ar brilha cheio de cor, os pensamentos não são diferentes enquanto os restos dos corpos sofrem o peso dos pés e o barulho de gente que não respeita ninguém, pecadores ou inocentes. Deixo que os meus pensamentos se impregnem pelos que aqui foram largados, criados, alagados e nunca mais lembrados. Soube-me bem pisar chão sagrado, alivia quem repousa e ajuda quem anda cansado.