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Cores de outono

Não suporto os dias pequenos. O anoitecer entristece-me, embora consiga enganar-me durante uns adoráveis minutos, em que o ouro do outono se projeta nas montanhas longínquas dando a impressão de serem a entrada do paraíso. Cores deslumbrantes que despertam emoções. Amarelos pungentes, vermelhos delicados e azuis envergonhados, conseguem criar a ilusão de ter descoberto a mina de ouro da vida. Deixo-me ir atrás dessas cores vadias até ser despertado pelo negro precoce do dia. Respiro profundamente a saudade perdida. Sinto um ardor misterioso, frio, irrequieto, desejoso de encontrar a fonte de calor. Não a lareira, mas apenas as lembranças que dormem em silêncio nas campas da morte.

Arte

Os dias são cada vez mais intensos e preocupantes. O cansaço instala-se e a indignação contra o braço armado de qualquer governo, a impiedosa e bandoleira finanças, faz o resto. A iniquidade social em toda a sua força. Começo a não ter paciência para suportar a ditadura dos malandros deste país. Ainda há quem se queixe dos "bandidos da Beira" que, no século dezanove, faziam das suas pela minha região. Nada que que se compare com os mascarados  das finanças de hoje. Chiça! É demais. O cansaço físico instala-se com a maior naturalidade, aproveita-se da corrida da idade, enquanto se encosta ao cansaço moral despertado por uma sociedade injusta, fria e corrupta. Decidi não fazer nada neste serão, a não ser ver um pouco do circo político na televisão e descansar para poder resistir a mais um amanhã. De qualquer modo, ainda consegui passar os olhos pelas notícias do dia. Diverti-me com uma, em que a empregada se encarregou de limpar um espaço que considerou ser lixo. Não era! V

Lágrimas de um veleiro...

Imagem
Cheguei cedo. A sala de almoço estava vazia. Cheguei cedo porque tinha saudades da bela e gostosa sopa. Fiz o que tinha a fazer, refugiei-me no aroma que emanava da tina. Tudo se combinava numa delicada atmosfera. O tempo, cinzento e sonolento em demasia para o meio-dia, abriu de par em par as portas do seu quarto. Olhei-o e vi o seu sorriso a querer dizer, "hoje não saio daqui e nem vou atormentar ninguém. Apetece-me sonhar vestido das belas e fantasiosas nuvens que deixei lá fora". Sorriu. O tempo sorriu num dia cinzento, calmo, suave e delicado em que pequenas e esporádicas lágrimas tombavam sobre a planície dos braços do mar. Nada se mexia, nem o tempo que, deitado na sua cama, continuava a sorrir sem se importar com o destino dos seres humanos. Deixei que o efeito do espírito do vinho subisse muito discretamente até às faces, testemunhando o seu apreço pela liberdade sem ser visto pelo tempo. Um efeito adocicado, volátil, a querer misturar-se com as lembranças do pass

Carnes vermelhas e transformadas!

Arrepio-me com a forma como são dadas certas notícias. A última teve a ver com a declaração oficial por parte da OMS de que as carnes processadas são cancerígenas. Como foi a OMS a dizer, logo, a rede de comunicação social, sempre ávida e pronta a reagir a tudo o que é sensacional, fez o que lhe competia. Competia?! Tenho algumas dúvidas. Faz o que lhe apetece, ou seja, "informar", melhor, desencadeia alarmes qual sismo de grau 7,5 da escala de Richter. Uma parvoíce que vende e que atrai as pessoas, os ouvintes ou os leitores. Fico mesmo com a sensação de que julgam ter feito o melhor para defender a "saúde" das populações! Considero esta última observação como a forma mais suave de criticar ou apreciar as suas atividades. Na verdade, tenho de confessar, graças à liberdade de expressão, e aos conhecimentos adquiridos ao longo de muitos decénios de estudo e de investigação, que muitos dos informadores não passam de uns pataratas pretensiosos, mesmo a raiar a cretini

Passeio

A manhã chuvosa, e entremeada de um sol esperançoso, convidou-me para um pequeno passeio. Há manhãs curiosas, quando são despertadas pelo bocejar do tempo. A de hoje obrigou-me a palmilhar ruas e ruelas, a andar no presente ouvindo o passado, a ouvir frases soltas de gente preguiçosa e a ler os pensamentos de pessoas que olhavam para o lado como se estivessem à procura de anjos perdidos. Gente comum. Gente que corre, que balanceia, que escolhe, que pensa, que anda por andar e que não se cansa de sonhar. O tempo, por vezes, dilata-se em abraços intemporais. É quando sinto a vida, morna e suave, a querer testemunhar a benevolência e a boa vontade de um tempo que persiste, e que, de vez em quando, deixa de me atormentar, quando larga a sua espada de fogo que tanto gosta de empunhar em riste. Breve momento em que o tempo deixa de ser triste.

Os deuses estão entre nós!

"Para mim foi um deus que apareceu. Mais do que um anjo". Disse o sem-abrigo que foi resgatado da rua por um jovem cheio de bondade. Fugiu de uma situação ignóbil, da escravatura. Já conseguiu trabalho. Recuperou a liberdade e a dignidade. Uma pequena história que mexe com qualquer um que passe pela vida à procura de compreender certos fenómenos e sempre desejoso de ver finais felizes. Uma fração infinita da bondade humana, que merecia ser multiplicada de forma exponencial para fazer ver a Deus aquilo que não anda a fazer. Não anda e nem nunca andou. A par deste episódio, um outro também me chamou a atenção, entre muitos que têm ocorrido com os refugiados que fogem das guerras para as bandas do médio oriente; uma criança de dezoito meses perdida no meio do Mediterrâneo a ser salva por pescadores turcos que conseguiram reanimá-la. Fazia parte de um grupo de mais crianças que também foram resgatadas. Parece que andavam há cerca de cinco horas perdidas debaixo das barbas de deus

Greve de fome

Tenho acompanhado a greve de fome de um cidadão com dupla nacionalidade, angolana e portuguesa, Luaty Beirão. Reconheço que é um sacrifício difícil de compreender. Deixar de comer e enfrentar o risco de morte por motivos de natureza política? Para quê? Comer é o mais poderoso estímulo que serve a vida, seguido da reprodução. São os dois principais motores da existência. Renunciar à alimentação, como forma de pretexto pela iniquidade e falta de respeito dos que têm o dever de promover e defender os direitos e o bem-estar dos seus semelhantes, é uma das supremas formas de manifestação de amor. Morrer para defender os irmãos. Respeito muito esta decisão, porque permite-me recordar outras situações idênticas que, ao longo da história da humanidade, permitiram demonstrar a mais bela e estranha das solidariedades e contestação contra comportamentos que raiam ou são mesmo criminosos. Gostava de acordar amanhã ou depois e ouvir que Beirão interrompeu a greve. Gostava muito, mas não acredit