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Ano novo

Nem só de pão vive o homem. Também vive de festas e de alegrias. Usa todos os pretextos para se divertir. Foi o que aconteceu com a passagem do ano. Por todo o mundo ocorreram inúmeras festividades que foram relatadas até à exaustão. Assisti a tudo sentado confortavelmente no meu sofá e no silêncio de uma paz construída à força. A passagem do ano é um fenómeno que entendo como uma forma de acreditar que o que é novo é diferente, mais feliz, mais pacífico, menos tormentoso do que foram os precedentes. Um ato de fé laico que a grande maioria partilha. Pessoalmente não me seduz tamanha festividade, talvez por uma questão de feitio ou devido ao acumular de lembranças que me obrigam a recordar o passado e pessoas que deixei de ver. Na noite de passagem do ano os noticiários esquecem-se de relatar a tristeza e a miséria de muitos que devem olhar para o novo ano como a imagem do que já passou. Fazer crer que tudo irá mudar é uma mera questão de fé. A lotaria da vida irá sortear alguns ou mal

Pecados

Acompanho como qualquer cidadão a vida e os comportamentos dos papas e das altas autoridades religiosas. Aprecio o conteúdo dos seus discursos, simples e fáceis de prever. Prédicas que se repetem amiúde. Em grande parte dos casos tentam ajustar-se às novas/velhas realidades sociais invocando o nome de Deus e a sua infinita bondade. Como é que fazem? Habitualmente pedindo perdão por acontecimentos do passado e que, não obstante a passagem do tempo, continuam a manchar as suas missões. Além de pedirem perdão também concedem perdão aos pecadores. Depois, noutros casos, aparentemente complicados para a filosofia que defendem, tentam abrir as portas concedendo alguma "coisa" que, com o tempo, terão de ser aceites. Tem de ser devagarinho para não causar grandes transtornos à organização. No entanto, há um aspeto interessante que merece ser realçado. De quando em vez declara-se um ano "jubileu", e à sua sombra são concedidos perdões aos pecadores. É como colocar o "co

Desconfiar

Causa-me imenso transtorno ver o que se passa em certos setores da nossa sociedade. O caso da banca é paradigmático. Como é possível ter caído numa sucessão de crises em que a falta de respeito e de confiança passaram a ser a sua imagem de marca? A banca é useira e vezeira em convencer muitos depositantes a escolher determinados produtos que "são" muito mais rentáveis do que os tradicionais e "seguros" (?) depósitos. O senhor, de idade, foi ao banco buscar aquilo que julgava ser seu. Não trouxe nada, porque tinha investido em obrigações e outras "coisas" que lhe foram sugeridas pelos funcionários do banco. Disseram-lhe que rendia mais e que de seis em seis meses receberia juros sem problemas; o dinheiro estava seguro. Sorri com tristeza, porque induzir um idoso é muito fácil. Basta colocar gente bem-falante, e devidamente treinada, sempre de gravata ou, no caso de ser uma senhora, saia e blusa bem combinadas, aspeto bem cuidado, e que, por cima, trabalha

"Raspadinhos"

Observo sem surpresa os "investimentos" nos jogos da Santa Casa da Misericórdia. Um balúrdio! Fiquei também a saber que os portugueses começaram a gastar mais na "raspadinha" do que no euromilhões. Ganha-se menos, mas ao menos sabem logo se vão ter prémio ou não. No caso dos prémios pequenos são de imediato gastos em mais raspadinhas. Não sei se não iremos assistir a uma nova patologia, não profissional, mas lúdica, a "tendinite da raspadinha". Chega a ser epidémico e muito preocupante o número de pessoas que, freneticamente, raspam, raspam, para ganhar uns euros que são logo investidos em mais cartões. No final poucos irão obter lucros. Quem ganha é a Santa Casa que lá vai dando um ou outro prémio mais "chorudo" para reforçar a ideia de que consegue fazer feliz alguns portugueses. Não estou certo disso, pelo contrário, despendem as parcas economias e caem no desejo de jogar cada vez mais, viciando-se. É muito fácil ficar dependente de qualquer j

Cinzento

Dominar o cinzento dos dias que deviam ser festivos é lutar contra a força selvagem e dominadora da vida. Não é fácil. Dói. Mesmo que queira socorrer das mais belas cores da imaginária palete, que transposto escondida no fundo da minha alma, ao tocar-lhes consigo transformar os mais quentes, sedutores e inspiradores tons no mais vulgar e ordinário cinzento, capaz de pintar as imagens da tristeza e do medo que me perseguem em certos momentos da vida. Hoje foi um desses dias. Hoje? Não! São vários os dias que me atormentam numa repetição cíclica a querer recordar que tudo gira em volta de um ponto. Tento esquecer, faço por fingir e aguardo ansiosamente o partir da angústia e do medo. Desenho quadros e vivo com intensidade o passado como a querer esconjurar o medo do futuro. Depois o medo adormece. É o momento em que as recordações desenhadas com tristeza surgem com estranha beleza; suaves, coloridas e desejadas sob o novo sentir. Tenho pena de não as ter vivido no momento certo. Pinto a

Imaginar

Correr lugares já conhecidos permite saborear velhos gostos, tempos e momentos. Faço-o com alguma frequência. Cruzo a minha vida com a de outros dos quais apenas reconheço que são portadores da essência da vida. Não sei o que pensam e quem são. Movem-se e olham em redor no momento em que passo. São pessoas obrigadas a viver e a partilhar os seus sentires. Ponho-me a imaginar quem são. Provavelmente o meu pensar não coincide com a realidade. Não importa, ficcionar é a forma mais elegante de construir a realidade desejada e não a esperada. Aprendo muito. Reconheço a minha permanente forma de tentar compreender pequenos gestos, breves acontecimentos e o circular de sentimentos anónimos e ricos em sabedoria perdida como sendo a fonte da água da verdadeira vida. Deslumbrei-me com a velha capela conhecida e consegui ver numa perspetiva diferente o arco da sua torre sineira. Vi a varanda de madeira, a fonte real, os velhos solares, os templos de muitas vidas e de muitas mais lembranças, velh

Incomodar

Aceito as opiniões de quem discorda do que escrevo. Não é difícil. Aceito não por causa dos argumentos, pobres, deficientes, tendenciosos e reveladores de uma incapacidade em compreender as diferentes visões do mundo, mas por serem manifestações naturais de seres vivos presos a preconceitos e convicções. Só não consigo compreender é a razão porque me leem, a não ser porque seja capaz de incomodar. Incomodar não é o mais importante, o que importa é tolerar, respeitar e saber amar.