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"Cultura desportiva"

Não me surpreende os resultados dos portugueses nos jogos olímpicos. Não fico muito incomodado nem preocupado. "Quem faz o que pode a mais não é obrigado". Eu quero acreditar que os nossos olímpicos estão a fazer o melhor. Não conseguem uma medalha? Paciência. Gostava que ganhassem uma? Sim, ao menos uma. Não imaginem a alegria que tive quando era pequeno e me ensinaram o que era os jogos olímpicos. Nesses jogos, Roma,1960, tinha nove anos, uma dupla de velejadores, os irmãos Quina, ganharam uma medalha de prata. Uma honra para Portugal, e eu, uma criança, fiquei tão feliz como se os portugueses tivessem ganho todas as medalhas dos jogos. Ensinaram-me o que era o valor olímpico. Aprendi o seu significado e nunca me arrependi. Chama-se a isto cultura desportiva. Agora, vem o chefe da missão portuguesa, um senhor chamado Mário Santos, a acusar os portugueses de "falta de cultura desportiva", pelas críticas ao facto de não ganharmos uma medalha. O senhor não sabe o que

Prurido

Todas as pessoas vestiam-se de forma diferente, mas havia uma que se destacava de todas, era o único homem que andava de saias e de negro. Não me foi difícil compreender que as mulheres vestiam saias e os homens calças, numa altura em que elas nem se atreviam a usar outra coisa. Na mesma altura comecei a ser impregnado da ideia de Deus, ou melhor, a ter que ouvir por tudo e por nada essa palavra que, com o andar do curto tempo de existência, passei a associar ao homem de saias, ao grande edifício com duas torres gigantes, a um ritual semanal, a figuras e imagens sofredoras e genericamente tristes, sofredoras e lúgubres distribuídas pelos altares e paredes. A foto memória mais antiga é a do padre António, tinha respeito pela seu ascendente e primazia social, mas o que mais me cativava era ver as suas orelhas carcomidas pelas frieiras, como se ratos as tivessem roído num acesso de fome. Eu também sofria de frieiras e a comichão que me provocavam era de tal intensidade que tinha que as co

Omeleta de almas

Os universos são tantos e tão extensos, a ponto de nunca terem tido princípio, porque o vazio ou o nada representa apenas uma abstração humana comparando-o à sua não existência. Uma forma elegante que encontrou para se dar ares de alguma importância. Uma ninharia da qual se orgulha, e muito. Não sei para quê, confessou o meu amigo, um dia isto passa-me, não deverá demorar muito, e mesmo que demore ninguém vai dar conta. Que raio de ideia está a emergir no meu cérebro, disse, às tantas não devo ser eu, mas sim a minha alma que deve ter acordado para opinar sobre o assunto. Sabes, disseram-me que tinha uma, mas não sei para quê, então onde é que eu começo e acaba a outra? Ah, há qualquer coisa aqui que não bate certo. Tombou um discreto silêncio. Foi então que reparei que se tinha deixado ir na onda da sonolência estival, embarcando para o sossego do descanso, deixando em roda livre a sua alma, que, feita barata tonta, procurava alguém para falar. Dei-lhe troco, mas registar conversas d

Ora...

A tarde não ia mal, até que surgiu a jovem rechonchuda cheia de tatuagens mal feitas e sem gosto. A certa altura do exame comunicou-me que estava grávida. Na semana passada fui à médica que disse que estava de quinze semanas, então, agora está com dezasseis. Hum, pois, deve ser. Ao levantar-me para a examinar passo pela cadeira onde se tinha sentado e vejo um pequena carteira, um telemóvel e um maço de cigarros preto, John Player Special. Desculpe-me, mas a senhora não fuma, pois não? Fumo. Fuma? Grávida? Mas isso não é aconselhável. Eu sempre fumei, ripostou. Foi então que tive de argumentar, tentando proteger a saúde da criança, explicando-lhe os riscos e a falta de respeito pelo filho. Quanto a si não tenho nada a dizer, fume ou não fume o problema é seu, mas quanto à criança tenho o dever de a proteger. Devo ter ficado com cara de poucos amigos e tinha razão para isso. Fiquei visivelmente incomodado e a jovem não deve ter gostado nada da conversa. Que se lixe, pensei. Saiu e contin

Silêncios

A tarde de domingo já vai a meio. Chega o momento do ritual. Subo a encosta, palmilho velhas calçadas e não me cruzo com ninguém exceto com os meus pensamentos, cada vez mais silenciosos, cada vez mais tristes. Um silêncio debaixo do sol não é habitual, o silêncio só gosta de se manifestar sob o calor da lua, mas há momentos, a meio da tarde de domingo em que a lua e o sol se confundem. Momentos de silêncio. Sento-me a seu lado e só oiço o seu silêncio, um silêncio que perturba quem ouve e sente o estrebuchar de vidas. Hoje, naquele quarto mais pessoas foram visitar os seus, numa obrigação ou devoção, chamem-lhe o que quiserem, porque o rei e o senhor daqueles espaços é o silêncio, silêncio de almas que há muito abandonaram o corpo e o silêncio dos que sabem que ainda têm alma. Calados, todos. Um ou outro bocejo, como se o silêncio de corpos sem alma ainda fossem capazes de contagiar os sobreviventes. Olhar para um ponto distante e imaginário à espera de não sei o quê, algo que quebras

É demais!

Javier Esparza, neurocirurgião infantil, relata num editorial, no El País, a sua experiência de quarenta anos a tratar crianças com graves problemas, nomeadamente malformações do sistema nervoso central. A sua descrição da espinha bífida é dramática para todos, nomeadamente para as crianças, a ponto de perguntar se é ético obrigar um ser humano a sofrer tão violentamente. Esparza conclui que não, que não é ético, não é minimamente aceitável impor a alguém tamanho sofrimento. Ele sabe muito bem o que diz. O seu editorial prende-se com o facto de a corrente governamental pretender alterar a lei de aborto por motivos doutrinários. Nessa mesma edição, pode-se ler o relato de Gloria Muñoz a propósito da morte da sua filha que sofria de atrofia espinhal muscular tipo 1, que, aos setes meses de idade, após um sofrimento terrível, deixou de pertencer à humanidade. Gloria quer ter mais filhos. Sabe que corre riscos de lhe poder acontecer novamente, vinte e cinco por cento de probabilidade, mas

A monja, a ética e o capitalismo.

Corre na comunicação social, e nas redes sociais, notícias e artigos de opinião sobre uma monja catalã, médica e teóloga, que critica de forma muito direta o capitalismo por não ser ético. Ao analisar com detalhe a sua posição não vislumbro nada de novo, de facto não há ética nem no capitalismo, nem no marxismo nem em muitas outras coisas que andam por aí. É por ser monja que merece tanta atenção? É por querer referenciar os princípios éticos como a base primordial de condutas que permitam respeitar a dignidade das pessoas? Seja. A monja atinge seriamente os senhores do Goldman Sachs pelas mortes provocadas por esse mundo fora devido à miséria e à fome que provocam com as suas condutas, condutas a quem alguém chamou "assassínio organizado". Nada de mais verdadeiro. Obviamente que estas organizações fazem recordar outras que tiveram atitudes menos éticas tal como a igreja a que pertence e que ainda hoje é vista com alguma desconfiança face a certos objetivos muito pouco crist