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“Arte ou necessidade” de enganar.

A espécie humana apresenta características próprias, sendo algumas particularmente interessantes, universais e tão frequentes que esbarramos nelas a toda a hora, em todos os locais e níveis sociais. Pretendo destacar uma delas que nos incomoda, que nos faz sentir pequenos, responsável às vezes por elevados prejuízos, sofrimento físico, morte de alma ou simplesmente por pequenos custos que com o tempo se esquecem; de qualquer modo deixam sempre qualquer coisa a moer por dentro, alertando-nos para que não caiamos novamente. Trata-se do engano. A capacidade de enganar está muito disseminada, a ponto de, em determinadas circunstâncias, chegar a ser considerada como normal, como uma forma de vida, havendo técnicas mais ou menos elaboradas para conseguir que as pessoas adquiram os serviços e os bens em causa. Neste caso basta ver a publicidade que passa na televisão, abusiva, distorcida, eticamente condenável, mas legal, em que vários agentes se "enfeixam"

Quebrar a confidencialidade

A medicina tem-se tornado cada vez mais defensiva, com implicações óbvias para todos, especialmente para os doentes, que vai desde um certo grau de "desumanização" a tratamentos "excessivos" passando pela sujeição a exames muitas vezes desnecessários.  A reforçar este comportamento tem contribuído algumas decisões judiciais. A última prende-se com a condenação de uma psiquiatra francesa por homicídio que foi cometido por um dos seus doentes. Como não reconheceu o "perigo público" do doente, que matou a avó, devido a facto de ter problemas mentais, a médica passou a ser a responsável.  Há anos o caso Tatiana Tarasoff criou um novo paradigma nestas áreas, a quebra da confidencialidade. Um estudante indiano matou uma jovem que era sua amiga, ao  interpretar mal a situação, julgou que a moça estava interessada nele devido a questões culturais. A rapariga afastou-se, o rapaz entrou em depressão, andou em tratamento e, segundo a versão dos pais, terá con

Acreditar ou fingir.

Há momentos da vida que são recordados com mais intensidade do que outros, não por serem mais graves ou mais intensos, apenas porque se associam a festividades que, pela sua natureza, acabam por os colocar no altar da injustiça, no cofre da indiferença e no cemitério da dor, obrigando a refletir sobre a incompreensão do erro da vida. Um erro monstruoso e sem sentido com o qual vivemos o nosso dia-a-dia. Nem mesmo as palavras de paz, os votos de felicidades, as mensagens estereotipadas e as inúmeras ceias são capazes de encher o bandulho da alma. Mesmo que sintam algum conforto gástrico ou mental promovidos por um bacalhau quente ou regados mais à-vontade com um vinho de melhor qualidade não conseguem esconder tudo o resto. É apenas uma forma de fingimento, porque serão muito poucos os que ainda acreditam na solidariedade, na esperança de melhores dias ou na vontade de transformar o mundo, e os que acreditam, ou fingem acreditar, andam bem recheados todo o ano. Os outros estão condenad

Quebra de confidencialidade

A medicina tem-se tornado cada vez mais defensiva, com implicações óbvias para todos, especialmente para os doentes, que vai desde um certo grau de "desumanização" a tratamentos "excessivos" passando pela sujeição a exames muitas vezes desnecessários. A reforçar este comportamento tem contribuído algumas decisões judiciais. A última prende-se com a condenação de uma psiquiatra francesa por homicídio que foi cometido por um dos seus doentes. Como não reconheceu o "perigo público" do doente, que matou a avó, devido a facto de ter problemas mentais, a médica passou a ser a responsável. Há anos o caso Tatiana Tarasoff criou um novo paradigma nestas áreas, a quebra da confidencialidade. Um estudante indiano matou uma jovem que era sua amiga, ao interpretar mal a situação, julgou que a moça estava interessada nele. A rapariga afastou-se, o rapaz entrou em depressão, andou em tratamento e, segundo a versão dos pais, terá confessado ao psicólogo

Sedução

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Jogar é uma atividade permanente da nossa espécie, serve para aprender, serve para crescer, serve para divertir, serve para competir, serve para tudo, serve até para seduzir. Todos procuram a sedução. Seduzir e ser seduzido não é mais do que a procura de uma estranha sensação, momentânea, bela, rica, cheia de cores e de sons, que nos faz deslizar num precipício de doce prazer, que se esgota rapidamente na indiferença, convertendo-se amiúde num pesadelo, relembrando dolorosas agonias ou antevendo o fim num estertor melancólico. Todos procuram a sedução, sabendo que acaba normalmente em cinzas de desespero, fertilizando sofrimentos e sentimentos que a memória se recusa a esquecer.  Ninguém esquece um olhar, um som, uma imagem, uma carícia, uma palavra, uma brisa, uma nuvem, um raio de sol perdido, uma queda de água tímida, uma árvore vaidosa, uma bela flor solitária, uma lembrança perdida e achada à esquina de um trivial dia, ninguém esquece, todos querem recordar para poderem se

Frioleiras

Conheço-a há muito tempo. Entra sempre com um sorriso muito belo e suave, um sorriso do qual emana confiança, alegria e humildade, um sorriso alcandorado numa atitude aristocrática. A voz, delicada e bem timbrada, cativa-me, porque se trata de uma voz que nunca envelheceu. Ouvindo-a sem a ver seria incapaz de decifrar a idade. Tem idade para ser minha mãe. Está doente. Aceita os seus males e vai convivendo com a situação com um à-vontade incrível. Impressiona-me o seu caráter e a forma como encara o futuro. Sempre que surge alguma complicação telefona-me ou aparece-me, e, deste modo, vamos resolvendo os assuntos. Mulher prática capaz de sugerir soluções que me deixam meio deslumbrado. Gosta imenso de conversar, mas como é natural nestas pessoas evita prolongar a sua presença com receio de perturbar a consulta. Sou eu que a retenho, porque é bom e saudável falar com pessoas deste nível. Desta feita comentou um escrito meu, tinha apreciado o seu conteúdo, e completou o comentário dizen

Libertação da alma

Levantou-se de manhã um pouco estranha para o que era habitual. Não conseguiu perceber a razão, mas não ficou preocupada. Levantou-se, esperançada de que algo de bom lhe iria acontecer. Vestiu o belo vestido garrido feito com linhas do arco-íris da adolescência, espantosamente belo e leve. Em seguida buscou o colar de pérolas, pérolas feitas da amargura da sua vida. Colocou-as em redor do pescoço e sentiu algum frio, frio não desagradável, apenas um frio contido a querer testemunhar a transformação do sofrimento num belo enfeite que lhe apetecia ostentar nesse dia. Abriu as janelas de par em par, e uma lufada de ar fresco, a querer adivinhar o nascimento de um dia quente, acariciou o seu rosto tranquilo e o colo que se debatia enigmaticamente com o temperamento do colar. O vestido esvoaçou de contente querendo imitar o arco-íris do qual tinha nascido. Foi então que um suave e silencioso nevoeiro começou a surgir perante os seus olhos como se o mesmo libertasse minúsculas e quentes g