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O outro Algarve...

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Domingo. Excecionalmente um dia de trabalho, trabalho diferente, mas nem por isso deixou de ser trabalho. Fiz o que me competia, moderei, interpelei, sintetizei e saímos da sala convictos de que é possível mudar as coisas. Claro que é possível, só que leva tempo, tempo de mais, havendo necessidade de continuar neste intercâmbio entre a ciência e a política. Desta feita convidaram deputados e representantes de associações de doentes para fazerem parte da mesa-redonda. Ainda bem, há muito que ando a dizer que só assim a ciência e os conhecimentos podem atingir quem tem vocação e capacidade para decidir.  Como ganhei o dia, dei-me ao "luxo" de tirar a tarde para mim. Almocei e dei uma pequena volta sempre empurrado por um vento furioso. As ruas, limpas, eram salpicadas, de quando em vez, por turistas excitados pelo sol e alheios ao desconforto do vento. Há gostos para tudo. Junto a uma montra, um tabuleiro com anéis e colares artesanais quase que escondiam uma dezena d

Algarve...

Sábado, rumo até ao Algarve. Amanhã tenho que dar o meu modesto contributo no congresso. Ao chegar perto do destino, eram horas de jantar, optei por parar e tratar do corpo. Solícito e demasiado simpático para o meu gosto, a transpirar vontade de querer engordar a conta final, pedi ao empregado um dos pratos constantes da ementa. - Ah, não temos. Acabou-se. - Pois! Antes que continuasse com os meus comentários, desfiou o nome de vários peixes. Escolhi um, o que me soou melhor, nem o vi, nem queria vê-lo, o que eu queria era terminar com aquele sorriso estampado numa fácies oblonga encimada pela crista meio mixeruca a lembrar um garnizé à espreita de dar alguma bicada. O raio do peixe estava mesmo bom. - A conta se faz favor. Esperei alguns segundos e trouxe-me um papel com a quantia. Com o dedo passei pelas linhas e não foi difícil concluir a inclusão de "coisas" que não tinham sido consumidas. Chamei-o e pedi-lhe uma fatura com a nota, dita em surdina, para retirar aquel

Uvas de prata...

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À tarde fomos até à cidade velha. O calor seco apertava connosco e até o camelo, de joelhos dobrados junto à porta de Jaffa, com um olhar muito triste, deveria estar arrependido de ter nascido sob aquela condição. Convidaram-me a levar um saco de plástico repleto de suculentas e túrgidas uvas, as quais prometiam matar a sede e a alimentar o esforço dos músculos. Assim foi. Sempre que o corpo exigia um pequeno reparo bastava brincar com o suco libertado em pequenas explosões dentro da boca. A doce frescura tranquilizava-me rapidamente com um prazer único, desafiando o calor da cidade das três religiões. Estranhas sensações iam-me invadido à medida que auscultava a salada religiosa traduzida no vestir, no olhar, no comer e no orar. Passei por fronteiras religiosas dentro de um estado soberano, o que me constrangeu sobremaneira. A ortodoxia de marrar com a cabeça num muro cheio de mensagens para um deus faccioso, contrastava com a limpeza e o silêncio da mesquita dourada em que não há

Abril, 25...

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Descansei. Consegui saborear as duas horas extras da manhã como há muito não me lembrava, pareciam que estavam reservadas para esse efeito, retemperar as emoções e os desejos, em contraposição com a leveza do sono entrecortado por despertares repetidos e inconsistentes, uma tortura própria de Morfeu, que, ao acordar da manhã, se dissipa sob a luz do sol, deixando-me penetrar profundamente nos seus domínios sem vigilância. Arranjei-me. A cerimónia iria decorrer a cinquenta metros. Desci a calçada e as escadas de uma vida e cruzei-me com alguns cidadãos que vinham expressamente para o ritual do ano. O céu estava límpido e o sol queimava, enquanto a gravata, linda e com o nó perfeito, fazia o resto, apertava-me o pescoço e denunciava o formalismo do ato. Pequenas e curtas conversas, cumprimentos e mais cumprimentos, saudações ao longe, saudações ao perto, tudo com uma naturalidade aprendida ao longo dos anos. Ouvi ao longe a fanfarra dos bombeiros, afinada, como não podia deixar

Perceber...

Saiu cedo embrulhada no xaile, cheia de fé empacotada. Corria com um passo miudinho, como se tivesse medo de pisar hipotéticos pedaços de vidro, mas sempre mergulhada em ideias dolorosas, próprias de quem precisa urgentemente de um favor, que só podia ser divino, já que na terra a experiência lhe tinha ensinado que não pode contar grande coisa com o seu semelhante. Ia ao templo rezar, ou melhor, pedir, ou seja, rezar para obter um favor. Não sei se acreditava na intercessão dos santinhos junto do poder divino, convencia-se que sim, que tinham essa missão e capacidade de mudar o curso dos acontecimentos.  Pedir favores está na massa do sangue de qualquer um. Cá em baixo faz parte da realidade quotidiana. Lá em cima é muito mais complicado, só com favores e preces especiais, intensas e repetitivas como se fossem a melhor maneira de ultrapassar a surdez ou a demência de alguns santos, já que não conheço todos e não vá um dia precisar de algum. Não creio que me seja útil. Entrou, rezou

Vento...

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Está ali há tanto tempo, antes de mim, antes de outros e irá continuar exposta ao vento, vendo e sentindo tudo o que se passa em redor, espraiando os seus sentidos pelas montanhas secas ou molhadas, surdas ou caladas, que se perdem no horizonte, umas vezes vestidas outras nuas, já as viu de todas as maneiras, mas o que ela gosta mesmo é de olhar para cima como se não tivesse ninguém a vê-la. Ninguém a vê de cima e poucos a veem de baixo. Os seus ramos, velhos e viçosos, estão sempre a ondular, e mesmo quando o vento descansa e saboreia alguns momentos de paz, quando não tem nada para dizer, nem para fazer, continua a ondular os velhos e viçosos ramos, é o seu coração que pulsa. O vento sonha com o ondular dos ramos velhos e viçosos de uma árvore que pulsa ao sabor do seu coração. Precisa de dormir, para poder sonhar com o estranho e doce som da árvore.  Como é possível ondular os ramos se eu estou a dormir e não me mexo, diz o vento. Tamanha é a sua ansiedade que a abana muito suav

Austeridade e doenças

Aumenta o número de relatos por suicídio em Portugal. A par desta realidade, que ocorre igualmente noutros países da União Europeia, também se observa um crescendo preocupante das depressões e outras patologias que merecem ser analisadas. Na Grécia existem dados segundo os quais as infeções por VIH estão a aumentar entre os toxicodependentes num valor explosivo em apenas dois anos. Há suspeitas de que neste país algumas pessoas se infectam deliberadamente para obterem vantagens em termos de cuidados de saúde. Mas os casos não ficam por aqui, o stresse prolongado, devido à austeridade, perda de emprego, ameaça de insegurança e diminuição dos proventos, desencadeia reações a nível dos genes bastante complexas entre as quais o surgimento de inflamações crónicas que podem aumentar o risco de ataques cardíacos, depressão e cancro. Alguns dos fenómenos ocorrem de imediato, enquanto outros só irão aparecer ao fim de dois, três ou muitos anos depois do período de recessão. Os mecanismos desp