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"Gritos"...

Não suporto gritaria. A gritaria parece ter sido eleita como desporto nacional. Quero tomar um café ou beber uma água fresca numa aprazível esplanada e acabo por ser agredido com vozearias cruzadas, disparadas entre as mesas. Conversas sem sentido, despropositadas, típicas das que praticam nas suas cozinhas ou às janelas com as vizinhas. Falam alto, muito alto, dizem barbaridades, sendo mesmos inconvenientes. São horríveis, porque de repente conseguem agudizar os sons a ponto de ferirem os tímpanos quando se põem a chamar ou a corrigir os filhos, os quais, por sua vez, revelam que são ótimos mestres na arte da gritaria.  Entra-se no espaço da restauração e é mesma coisa. Toda a gente fala ao mesmo tempo e para se poderem ouvir têm que gritar. Mas gritam mesmo. Claro que neste último caso, atendendo à hora, não se pode por de parte os efeitos das cervejas.  Toda a gente grita, nas manifestações profissionais promovidas pelos mesmos de sempre gritam alto e em bom som para impedirem

"Noite de verão"...

Procuro as noites quentes de verão, sobretudo as que são embelezadas pelas brisas suaves e doces, que sabem correr de forma invisível sobre as águas paradas da ribeira, roçando-as, afagando-as com uma volúpia fácil de imaginar. Deve ser a época de acasalamento entre o ar e a água. Em frente, o vazio de um belo espaço, centrado pelo pelourinho, símbolo da autoridade municipal. Uma coluna "retorcida" terminada numa pequena esfera armilar de metal. Não se pode dizer que seja uma preciosidade arquitectónica se a compararmos com outros pelourinhos das redondezas. Não interessa, conheço-o desde que comecei a  lembrar-me de mim. É o suficiente. Corri e saltei em seu redor, sentei-me nos seus "degraus" e senti o calor das pedras quentes à noite, um estranho calor reconfortante que ele sabe devolver ao fim de um dia de verão. Viu-me crescer e vê-me a envelhecer, sempre em silêncio. Guarda tantas memórias, tantas, que encheria quilómetros de lembranças com almas conhecidas

"Regista, escreve, regista"...

Gosto de histórias, gosto de as registar, gosto de as rescrever, vezes sem fim, e, sobretudo, de entrelaçá-las fundindo num único momento os passados, os presentes e os futuros. Elas nascem como belos e saborosos cogumelos. Quando se acaba uma, as sementes de muitas outras já estão lançadas. Para que possam germinar é preciso tratar do solo. As crianças adoram histórias, não mais do que eu, porque elas permitem-me viajar por todo o lado, fazem-me sentir que sou livre e a verdadeira liberdade, o doce da vida, obtém-se através do conto, do texto, da pequenina e emocionante história. As crianças são fontes de inspiração, tem de ser, então, elas não estão sempre a pedir mais uma, mais uma! Conta. Conta. Conta. Contámos vezes sem conta, até as contamos quando elas já estão a dormir. Elas ouvem, até a dormir, e não sabem se são sonhos. O que interessa é fazer com que elas pertençam aos sonhos e às histórias. Sempre é mais uma que um dia poderão ler, a sua história, as suas histórias. Quand

"À espera"...

Espero. Espero que entrem. Espero que acabe o trabalho. Espero poder ir para a estrada, andar devagar e olhar as margens aquecidas de um rio que corre nos dois sentidos. Olho, sempre a olhar, sempre à espera de um verso, de uma imagem, de um som, de um movimento, de uma lembrança, de um pretexto. Espero, como é habitual. E quando menos espero encontro, o quê, não sei, mas espero encontrar algo que justifique a espera, porque estou sempre à espera de encontrar. Que coisa. Sempre à espera, à espera de descobrir e de ser descoberto. Enquanto espero, escrevo e registo pouca coisa. A senhora entra, é nova, com uma barriga bem empinada.  - É uma menina?  - É!  - Tem todo o aspeto de ser uma menina. Não sei qual é a diferença entre uma menina e um menino na barriga da sua mãe, mas apeteceu-me dizer, e não fui interpelado nesse sentido. Fiquei à espera, porque se fosse, já tinha construído uma resposta que decerto faria sorrir a jovem mãe.  - É o primeiro?  - É.  - Nasce quando

"Enjoo"...

Sinto-me enjoado. Estou com a estranha sensação de andar em mar alto, mas não, apenas estou dentro de numa carrinha sob a sombra de duas frondosas e frescas árvores. Os movimentos das pessoas transmitem-se como se fossem ondas suaves, suaves, mas mesmo assim perturbadoras a ponto de abdicar do conforto do ar condicionado. Saí. Sento-me sob as ondas de um vento cálido e reconfortante, esperando conseguir alguma tranquilidade que alivie o sofrimento de um estômago enganado, que protesta, e com razão, por o ter levado para o alto mar, mesmo que esteja em terra. Eu digo-lhe que não estou no mar, estou em terra, mas ele não acredita. Sabe bem beber o vento e sentir o calor filtrado através de árvores frondosas e alegres. Ouço, no intervalo entre as consultas, música, convencido de ter algum efeito terapêutico e leio Hemingway, na esperança de conhecer os pensamentos de almas tangíveis, sofredoras, loucas e amantes da vida e da morte. Valha-me isso. Fujo das notícias, dos relatos políticos

"Impressionismo"...

As manhãs são fontes de inspiração, de lembranças e de temores. A forma como se apresenta é tudo e conduz-nos a seu belo prazer pelos mais diversos pensamentos. Hoje, o sol quente de uma manhã de verão impressionou-me fazendo recordar outras manhãs e obrigando-me a viver outros dias em que as imagens, os sons, as vozes, os aromas e as sensações se cruzam no mesmo momento embora possam ter ocorrido em dias e horas diferentes. Uma estranha miscelânea a relembrar um quadro impressionista. Parte-se da realidade do presente e pinta-se uma fantasia, estranha, mas muito mais bela do que realmente aconteceu. Sinto o cheiro cálido de uma manhã de verão misturado com a perfumada peixeira a tresandar o seu odor característico, orlado do pão fresco da padaria. Passo em frente à taberna onde o fresco do térreo chão evapora constantemente o mosto impregnado de decénios irmanando-se com os arrotos dos fritos que vinham do fundo da cozinha. Inebrio-me com o creosote das travessas a libertar-se

Conversa...

Sempre que posso procuro velhos locais, próximos no espaço e remotos no tempo. Aos domingos mergulho numa casa de pasto onde convergem pessoas do povo, talvez seja a sua extravagância semanal. Para mim não é extravagância, é mesmo uma necessidade, beber e comer num meio rico, popular, onde posso ainda auscultar o sentido das pessoas, deliciar-me com as suas conversas cruzadas e  aprender a ver o mundo de forma diferente. Agora estão a aparecer os emigrantes, que, mesmo tendo alguns vivido mais de quarenta anos em França, não perderam a forma de falar das suas origens embora entremeadas pelo hipotético ganho cultural adquirido lá fora, com o qual se convencem que sabem mais e têm soluções para tudo. Comia e bebia que nem um alarve e meteu conversa com um casal, também, de emigrantes.  - Donde são? - Ah! Eu conheço. Conhecem fulano e sicrano? O casal disse que sim. A partir daqui, entre duas garfadas e um copo de vinho avidamente emborcado de uma só vez, começaram a desfilar hi