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Saborear

Saboreio o dia, antevejo o anoitecer, delicio-me com o cansaço, frutifico o olhar, liberto o pensar e deixo de esperar. Deixo-me ir na tranquilidade de uma brisa sem dono à espera de mergulhar no doce sono. Liberto o pensar mesmo sabendo que não vou ganhar, apenas quero sentir o sabor do calor da saudade do amor. Não quero esperar, apenas desejo voar em palavras e doces frases do sonhar. Lanço o olhar através das janelas sem par e olho para a tranquilidade do ar. Deixo-me vencer pelo cansaço antevendo o merecido descanso.  Saboreio o dia, saboreio o anoitecer, saboreio uma bebida e saboreio o esquecimento do futuro da vida.

Dualidade

O mundo mede-se por pequenas coisas e acontecimentos singulares que, de um modo geral, passam quase despercebidos, embora um ou outro consiga ter mais projeção. Vejo o descontentamento provocado pela morte de um leão, célebre, que arregimentou protestos ao mais alto nível com figuras públicas a insurgirem-se contra tão hediondo ato motivado pela lascívia de um caçador que ainda vai ficar com a cabeça a prémio. De facto, o dentista que o matou deve ser classificado como uma besta. Aceito as medidas (legais) propostas para castigar o seu ato e o que lhe está subjacente. Em contrapartida, um menino palestiniano foi morto por dois israelitas, tendo os restantes familiares, sobretudo a mãe e um irmão, ficado gravemente feridos, os quais, quase com toda a probabilidade, irão morrer dada a extensão e a gravidade das queimaduras. O repúdio subiu à tribuna de algumas pessoas, mas não vi a mesma onda de indignação por parte dos outros, os que repudiaram a morte de Cecil, era assim que se cham

Ria

Aprender é uma constante diária. Aprende-se de várias formas, ensinando, escutando, analisando e observando. Depois, questiono, o que fazer com os conhecimentos? Por vezes é fácil, divertido e muito confortável, mas há alturas em que sinto uma tristeza e um desconforto difícil de entender.  O caráter das pessoas é determinante para que haja uma boa relação. Sem uma adequada relação não é possível construir um bom ambiente de trabalho. Depois é o costume, desorganização, enfado, antipatia e modos estuporados, tudo fruto do mau caráter e de uma rotina sem ordem e mais do que obsoleta. É difícil trabalhar em certos ambientes. Quando a grosseria impera morre a tentação da criatividade e levanta questões quanto ao futuro de uma comunidade. Estranha sina a minha quando sou cercado e envolvido por gente que se projeta em círculos de indiferença, secura de emoções e agressividade boçal ou silenciosa. Ar poluído pela falta de gentileza, quente com a grosseria da ignorância, escuro em abund

Pedras doces e belas...

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Fui cedo. Aproveitei para respirar o ar do final da tarde num dos espaços mais emblemáticos de Coimbra, a praça 8 de maio.  A brisa começou a acelerar e o corpo a arrefecer. Um fenómeno típico que marca a transição entre o dia e a noite que se avizinhava. Sentei-me, bebi um café e deixei a memória percorrer aqueles espaços trazendo à luz do dia, que se apagava lentamente, lembranças de quase meio século. Sobrepunham-se provocando confusão e alguma agitação. Todas queriam a primazia. Não era capaz de me concentrar numa que fosse. Eram tantas que acabaram por provocar a ilusão de que vivia no presente todo o passado. De repente olhei para cima e encontrei a solução. O tempo parou, o passado esfriou, o presente aqueceu e o ar cheio de paz e de tranquilidade coloriu-se de um amarelo avermelhado pintado no templo sedutor e eterno de quem ama a sua cidade. Bastou olhar para cima e desfrutar as mensagens de vida e de história guardadas ao longo dos séculos. Depois foi a noite que aparece

"Espanta-emigrantes"

Há muitos anos, ainda não havia a rede de autoestradas e vias rápidas que temos por aí, era muito perigoso circular neste país, sobretudo nos meses de verão. A invasão dos emigrantes com as suas máquinas constituía um real perigo. Recordo muitos acontecimentos e outros tantos sustos. Talvez o mais assustador tenha sido numa ida até Viseu. Numa curva, perto do Fail, uma "voiture" entrou em alta velocidade e despistou-se. Não levei com ela nas trombas porque consegui fugir para a outra faixa. Felizmente que não vinha ninguém atrás do outro. Um susto de morte. Era muito comum. Às vezes chegava a apanhar susto atrás de susto. Em conversa com um amigo, um viajante que galgava todo o território nacional, contei-lhe as minhas peripécias. Obviamente que em matéria de histórias rodoviárias provocadas pelos emigrantes deveria ter um currículo muito superior ao meu. Ouviu com muita atenção e depois, com um sorriso maroto, disse-me: - Eu não tenho problemas desses. Arranje uma buzina co

Morte e beleza...

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("Tale vivi como ti tal serás como mi" - 1576) Qualquer dia serve para sentir a beleza do mundo que nos rodeia, até no dia da morte. Surgiu a morte. Tinha que aparecer, há muito que prometia suspirar por um dia destes, calmo, cálido e cheio de vida. A morte tem outro significado quando surge discretamente na onda da vida. Aconteceu. Passei algumas vezes naquele local. Rodeei o templo várias vezes; sentia que deveria esconder coisas belas, apetitosas para a alma e analgésicas para a vida.  Hoje, a porta estava aberta. Entrei e aproveitei para poder ver o seu interior e o odor dos tempos passados. Hoje, a porta estava aberta. Foi a morte que a abriu. Olhei para a morte à minha maneira, em silêncio e sem ver a face. Tenho as minhas regras, não ver as faces dos mortos, porque me fazem esquecer as expressões da vida. Prefiro ficar com essas recordações que mergulham na tranquilidade absoluta do tempo quando o pêndulo deixa de oscilar.  Aproveitei o momento para me in

Ilusão...

A vida estremece de amargura a qualquer instante. Delicia-se com a explosão de sofrimento numa faísca de momento. Sabe fazer esperas e apunhala por querer. A vida delicia-se de prazer quando faz sofrer. Se me oferta uma breve sensação de doçura, numa bela manhã de verão, é porque pretende atormentar com mais prazer o meu coração. Depois, depois espera pela melhor ocasião. Consegue rir-se de mim. Consegue entristecer-me a ponto de não compreender a razão de ser da vida. Atormenta-me sempre que pode. Não gosto da vida. Nunca gostei. A vida é a imagem no espelho da mais estranha ilusão. Transforma-se de um momento para outro numa qualquer realidade que sabe deformar os mais belos sentimentos, sugar a essência da paixão, envenenar a fonte da alegria e paralisar a emoção da devoção. Não sou devoto da vida. Não sou devoto de ninguém. Não invejo nada. Só tenho pena de não poder gozar a verdadeira paz de um dia de ilusão. Se ao menos a ilusão existisse ainda poderia acreditar na finalidade da