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"Sobrevivente"

Começo a ter alguma dificuldade em compreender, e até aceitar, certas designações, como "sobreviventes do cancro", uma nova classe de pessoas que passa a ter "personalidade" grupal. De acordo com os promotores da ideia, ou melhor, da designação, o "sobrevivente do cancro" é todo aquele que ao fim de cinco anos não apresenta manifestações clínicas do dito. Até aqui nada de mal, trata-se de um critério clássico para referenciar os que têm grandes hipóteses de estarem curados do mal. Mas a designação "sobrevivente do cancro" incomoda-me. Ao ouvi-la, penso de imediato nos "sobreviventes do Holocausto", mas quem diz Holocausto diz todas as tragédias em que a maldade humana consegue manifestar-se com todo o esplendor diabólico, sobreviventes de massacres, sobreviventes de guerras, sobreviventes de perseguições políticas e religiosas, sobreviventes dos gulags, enfim, são inúmeras as pessoas que conseguiram e conseguem sobreviver

"Um amigo"

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Confesso que adoro ler Jorge Luís Borges. Seduz-me a sua escrita. Fico embevecido com o seu pensamento, simples, profundo e cheio de beleza. Em dezembro de 2008, há quase quatro anos, li uma notícia sobre a descrição do memorial inaugurado em Lisboa, ao Arco do Cego, a Jorge Luís Borges. Não vinha acompanhado da fotografia do monumento, mas concluí que deveria ser belo. Poeta de pensamento simples, profundo e cheio de beleza. Um poeta cego, mas que via mais do que os que veem e que continua a ensinar-nos a ver a vida. Fiquei feliz por ter um monumento entre nós. Um encantador. Um mágico da alma. Nesse pequeno escrito prometi o seguinte: “Na próxima vez que for a Lisboa tenho que ir dar uma mirada ao monumento do autor do “ Poema aos amigos ”. Prometi que o faria. E o que é que fiz entretanto? Fui inúmeras vezes a Lisboa, dezenas de vezes, e não cumpri a minha promessa. As promessas, dizem na minha terra, têm de ser cumpridas, caso contrário, quando morremos, a nossa

Amo-te Lisboa!

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Amo -te Lisboa. Confesso que estou apaixonado por ti, sempre estive e estarei, é difícil explicar porquê. Há muito que não repouso no teu seio. Vou e regresso num ápice e não consigo desfrutar um encontro amoroso. Amo-te Lisboa. És a mais bela cidade do universo. Não sei como consegues encantar-me desta maneira. Deves ser a única sereia a quem Ulisses não se importa de se deixar enganar. Eu também não. Sabe-me bem. Obrigaste-me, mais uma vez, a vir ter contigo. És obsessiva, dominadora, castigadora, castradora, e eu tenho de obedecer aos teus caprichos centralizadores. Levantei-me de véspera e fui ter contigo. Trabalhei horas seguidas e consegui aquilo que nunca fiz a nenhum automóvel, por o miserável cérebro a aquecer como se fosse um velho motor. Ia gripando e antes que acontecesse fui refrigerá-lo nas tuas ruas e vielas. Amo-te Lisboa. És única. Mas reparo que sofres. Apagastes velhas livrarias que tanto admirava, transformastes vigaristas de antiguidades em humildes pedintes, não l

Tempo....

Sai ladeado do tempo, assusta-me a sua companhia. Ainda bem que me ignora. Prepotente. Insensível aos desejos, surdo aos pedidos, não precisa de esperar ou de adiar o que quer que seja. Não necessita vangloriar-se do seu poder, isso sabe ele muito bem. Mesmo assim deixei que me acompanhasse. Paro. Descanso na subida, ele também para, não para descansar, não precisa, ele é dono de tudo. A brisa suave da tarde obriga-o a esvoaçar mesmo à minha frente e as andorinhas põem-se em cima às cavalitas. Ao fundo, as duas serras embrulhadas em névoa adormecem, escapando aos seus efeitos. Curioso, pensa-se no tempo e ele obedece, fica mais lento, mais dócil, não sei se ele sente isso, mas eu sim. Somos feitos da mesma substância, mas eu penso, ele não, penso nele e na vida. É a mesma coisa, tempo e vida, não os compreendo, mas sinto-os. Eis aqui, a meu lado, uma vida que foi feita de tempo, tempo que não respeita a sua vida. Mas eu obriguei-o a parar. Por momentos? Sim. E agora? Agora libertei-o,

"Tonel das Dainaides"

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Por esta altura, época de exames, recordo ter assumido uma nova responsabilidade acompanhada de angústia incontrolável, própria do momento de definição do futuro de um adolescente. Revisões e mais revisões das matérias. A geografia não me preocupava e a história muito menos. Considerava ambas como formas de viajar, no tempo e no espaço. Nesses momentos surgiram algumas perguntas, por que razões alguns países não tinham fronteiras estáveis. Que chatice, se fossem como os portugueses, que tem fronteiras estáveis há séculos, as coisas seriam mais simples. Ao sobrepor a história de alguns países com os seus territórios, caso da Alemanha, as coisas pareciam-me inexplicáveis. Como é que um povo daqueles só recentemente teve a sua própria limitação geográfica, embora dividida em duas partes? Pensei, ninguém me vai fazer perguntas sobre isto. Perguntam-me as capitais, quais as principais produções, um ou outro rio mais importante e pouco mais. Mas as perguntas ficaram numa gaveta lá ao fundo t

Bernardo Torres

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Na semana passada escrevi um pequeno texto intitulado "Dois loucos" que coloquei no " O Quarto da República ". Um pequeno episódio, um entre muitos que vou colecionando com enorme prazer. Hoje sentei-me no mesmo sítio, um pouco mais cedo do que é habitual. Pensei, o meu colega louco ainda não chegou, às tantas não vai aparecer. Desliguei-me desta ideia e pus-me a ler, gozando a saborosa brisa. Eis que, silenciosamente, ao contrário da semana passada, apareceu o meu colega de escrita, transportando a sua velha pasta de cabedal, boné e uma gravata muito garrida. Entrou no cemitério. Fui atrás dele para ver o que ia fazer. Espirrou alto e em bom som acompanhado de um sonoro porra! estou constipado ou quê? Para em frente de uma campa cheia de flores, testemunha de um funeral recente. Olha, torna a olhar, cheira, torna a cheirar, sai mais um espirro valente e remata, hum, aqui houve funeral, pois houve, sim senhor. Calado, olha com muita atenção e eu não con

Os pinheiros estão a morrer!

Confrange-me ver o estado a que chegaram os nossos pinhais, doentes, moribundos, mortos, sem vigor, sem alegria, sem cor, sem as ramas frondosas de outros tempos, autênticos palitos espetados na terra como se tivessem sido acabados de utilizar por algum alarve monstruoso no final de uma refeição copiosa. Não fazem mal a ninguém, mas são vítimas de maus tratos e abusos, o fogo ou então larvas esfomeadas que se alimentam da sua seiva. Não se queixam, não sentem dor, sempre calados, apenas desejosos de que os deixem absorver os raios do sol, no fundo vivem no Nirvana. Há algo que os corrompe, a doença migra e destrói-os. São muitos? Sim, e vulgares, tão vulgares que poucos olham para eles com olhos de ver. Conhecemos alguns pessoalmente, com os quais estabelecemos laços de amizade, até porque crescemos com eles. Há dias olhei para os condenados e recordo-me de em tempo andarmos à disputa a ver quem crescia mais rapidamente, perdi, como é óbvio, mas agora perdi-os de outra forma, o que não