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A mostrar mensagens de junho, 2017

"A vida não mente"...

Quando o futuro se torna presente na forma dura e permanente da ausência e do esquecimento sente-se, não a dor, não o anseio, apenas a infinita preocupação de ver alguém partir sem saber e sem sentir o significado do verbo existir. É uma luz intensa que se vai apagando, lentamente. É uma alma que outrora foi iluminando quem precisou de forma sincera e ardente. Chegou o momento de necessitar de um braço e de pequenos encantos para quem tanto amou e cantou. A vida não mente ao anúncio da lenta morte que desconhece e que não sente.

"Apetece-me"...

Apetece-me escrever. Não me faltam motivos. Leio as notícias e fico incomodado. Não sei para quê. São sempre as mesmas coisas. A natureza humana desfruta a seu bel prazer a idiotice, a ganância, a sovinice, a trafulhice, embrulhados no mais poderoso dos desejos, o poder. Poder de mandar, poder de ter, poder de ofender, poder de humilhar, poder de escravizar, poder nas suas mais diversas versões obscenas. Uma espiral que nunca irá ter fim. No meio de tanta miséria e degradação surgem sempre alguns momentos e situações que são confortáveis. O amor, a solidariedade, a humildade, a honestidade e o prazer de confortar e ajudar o próximo são lindos, mas não passam de belos cometas que se passeiam pelo longínquo universo onde aparentemente se aloja o segredo da vida. Um encanto, uma miragem, uma utopia, saber que podemos encontrar as promessas de fantasia que um dia foram povoadas em pequenos cérebros convictos de que a vida seria a beleza prometida em cantos e contos de fantasia. Pouco mais

Ambivalência...

Nem sei como classificar certas opiniões sobre o comportamento das pessoas. Não sei mesmo se deva fazer isso. Às tantas não passo de um atrevido pretensioso. Às tantas. Mesmo assim não resisto a escrever o que sinto. É sempre uma forma de libertar algum mal-estar.  Fazer análises sobre o comportamento das pessoas e ficar, aparentemente, incomodado parece-me excessivo. Tão excessivo como a passagem da idolatria para a malquerença ou raiva inusitada. Esta ambivalência não é típica dos portugueses, não há nenhum povo que não a manifeste. Logo, o facto de identificar a tal ambivalência com os nacionais é excessivo e injusto . Este fenómeno é recorrente e universal. Deixem andar, o ser humano tem essa característica, ama e exulta num determinado momento para logo em seguida insultar, humilhar ou manifestar que se sente ofendido. Tudo relativamente às mesmas pessoas ou grupos. Não há nada a fazer. O ser humano tanto pode estar a criticar e a ofender injustamente o próximo num instante qua

Morte...

Tive sempre um fascínio pela morte. Algumas recordações possibilitam-me afirmar que sou capaz de a definir como a vi pela primeira vez. Uma ladra. Ao acordar ouvi uma conversa. A minha mãe falava com a vizinha na cozinha. Falavam da morte da menina. Era a minha companhia. Adoeceu com a mesma doença que eu tive. Ela morreu. Fiquei a pensar: - Se morreu nunca mais vamos brincar. Eu gostava muito de estar com ela. Tinha a minha idade. Já tinha visto gatos, cães, pássaros, e até  uma cobra, mortos. Não se mexiam e ficavam feios. Comecei a pensar como seria o aspeto dela. Levantei-me e perguntei se podia ir vê-la. Ficou indecisa, mas depressa se recompôs e disse: - Podes. Como tiveste a mesma doença, agora já não corres risco de voltar a adoecer. - Vamos? Disse-lhe. - Espera um pouco. Ainda devem estar a prepará-la. - A prepará-la? O que é isso? Perguntei meio confuso. - Devem estar a lavá-la e depois têm que a vestir. - Mas os mortos também tomam banho? Para quê? Olhou-me e não disse nada

Palavra...

Não tenho medo da palavra. Tento utilizá-la com precisão, pintá-la com discrição, cantá-la com emoção, calar-me por atenção, gritar com paixão e esquecê-la por perdão.  A palavra é a mais singela pétala de uma alma temerosa de ver o mundo. Sedosa, bela, pura, depressa se torna em húmus infeliz da mais estranha podridão.  Não deveria haver flores.  Não encontro razão para acariciar e cheirar a mais bela ilusão.

Fogo...

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Não tive intenção. Gosta da pintora que se especializou, se é que posso dizer, em desenhar pessoas e os seus sentimentos. Desconhecia esta faceta, a paisagem. Talvez tenha sido acidental ou algum momento em que a sensibilidade se deixou aprisionar pelos horizontes. Não sei, e como não sei tenho a liberdade de imaginar e de criar.  A paisagem seduziu-me, talvez pelo amarelo e o vermelho que se escondem atrás de um verde frágil e temeroso. Um verde que não sabe fugir. Por cima o azul é triste e manchado de fumo. Perdeu o brilho. Atrás do escuro, do negro, antevejo a indiferença do divino. O habitual. Nem as chamas do sacrifício do fogo o consegue demover e alertar para a ansiedade da vida.  Assusta. Há qualquer coisa de silencioso, mesmo que se ouça o crepitar raivoso da linguagem do fogo. Não sei por que razão me veio parar às mãos. Não tive intenção. No rescaldo de tão dramática tragédia vou considerá-lo como uma forma de oração, cujo tempo é o meu e cujo altar é de todos.

Versejar...

Versejar, cantar, criticar, confortar, atacar, ajudar, matar, odiar e amar são alguns verbos que, entre muitos outros, exprimem os nossos desejos, forma de ser e de pensar.  Escolho o versejar, talvez o que mais se aproxima do amar, mas para isso é preciso libertar a alma e mostrar a nudez do pensamento.  Há quem faça versos. "É muito fácil fazer versos Se nada temos que dizer, Palavras ocas alinhando, Que pelas rimas soam falso". Mihail Eminescu assim o disse. Não sei fazer versos e muito menos rimar, limito-me a sentir e a desejar. Talvez me deixe ir atrás do encanto de alguma sonoridade. Cantar baixinho para que mais ninguém ouça o quanto gostaria de conjugar, em simultâneo, o verbo esquecer e o verbo amar...

"Touros de fogo"...

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Desconhecia esta prática selvagem e indigna, "Touros de fogo". Teve lugar em Portugal, mais concretamente em Benavente. Como classificar? Não sei. Nunca pensei que houvesse seres humanos capazes destas iniciativas. Este exemplo é revelador da "essência" da natureza humana. Miséria. Miseráveis. Cobardes. Mas quem é que acredita na nossa espécie?

Ser...

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Aprecio imenso estudar o comportamento das pessoas. A todos os níveis. Analiso as reações a diferentes estímulos, sejam comentários ou provocações. Também me enriqueço com as diferentes opiniões, desde as mais desbragadas e insultuosas até às mais elaboradas e inovadoras. O mundo gira em torno da palavra. Palavra que cura, que tranquiliza, que faz sonhar, que atormenta, que cria, que mata, que denuncia, que transforma, que ama, que odeia ou que despreza. A palavra serve para tudo isto e para muito mais. Mas serve sobretudo, pelo menos para mim, para conhecer o recôndito mais profundo de um ser. Tão profundo que se identifica com a essência do próprio ser. A discordância é salutar. O pior é que por vezes é acompanhada de evidente raiva. Muitos não a conseguem evitar. Falo de raiva e não do calor de cariz emocional. A emoção transpira sinceridade. A raiva também. Só que a raiva veicula valores e princípios que podem ser muito perigosos. Não numa eventual discussão, mas no comando d

"Pulguita"...

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A semana não foi simpática. Um pouco dura para quem quer viver em paz. Não é fácil viver e muito menos sonhar. Quase impossível. Salvam-se alguns momentos de silêncio ou de reflexão. Momentos que não sendo doces sempre vão dando algum alento e esperança até surgir a fúria do tempo. Momento? Sim. O momento é o filho perdido do tempo. Cansado de peregrinar no céu do tormento e nas águas do lamento, surge sem avisar como a querer adormecer no meio da mais estranha fantasia, a humana alegria que, subitamente, cai de podre da árvore do encantamento. Tudo acontece sem previsão, ou talvez não. Mais vale acreditar numa efémera ilusão do que na realidade fria e crua de quem não sabe o valor de uma oração. Tudo gira sem explicação. Tudo morre como resposta à mais singela inspiração. Tudo finge sem se preocupar com a razão. Não interessa viver. O que importa é esquecer e mergulhar no meio da mais singela emoção. Só as coisas simples são capazes de ajudar a viver e ultrapassar por breves instant

São João

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Consigo recordar com facilidade algumas histórias e historietas desta noite. Não sei qual a que devo escolher se a do meu tio Manel, a quem ajudei a construir um balão durante a tarde em casa da minha avó, e que à noite, na ponte da praça, ardeu a pouco mais de três metros do solo – chorei ranho e baba -, se os saltos que um dia dei sobre uma fogueira em que tropecei e me chamusquei. Nada de especial.  A noite para as minhas bandas está “solenemente” silenciosa. Consigo ouvir ao longe um latido ou outro, talvez algum cão saudoso do São João. Fui a uma vitrine e tirei o único São João que anda por aqui. Gosto deste São João. Tosco, foi feito por um pintor de construção civil que conheci e cheguei a tratar há muitos anos. Gostava de fazer santos. Este foi-me oferecido pelos familiares. Tenho muito apreço e admiração pelos santeiros. Este São João tem algo de especial. Deve ter sido feito com muito amor e devoção. Foi o “Borrabotas” que o executou. Os apodos na minha terra não são

Repouse em paz...

Não consigo perceber a expressão “repouse em paz”. Será que a morte é a fonte preferida de repouso? Será que só após a morte é possível encontrar a paz? Mas que raio de ideia é esta, desejar a quem não nos ouve um “repouse em paz”? Não seria preferível dizer, “Recordem-no em paz”? Recordar é muito melhor do que sepultar quem quer que seja através do desejo de "paz”. Paz! Que raio de palavra escolhida para quem morre. Não lhe deram paz em vida, mas desejam-lhe depois da morte. Estranha forma de comportamento. Uma atitude arrogante, como quem diz, “Nós, os vivos, temos o condão de desejar paz aos mortos”! Até parece que nunca irão morrer. Pensem bem. Deixem-se disso. Desejar paz a quem morreu é porque não se soube dar paz a quem viveu. Eu nunca desejei paz a quem tenha morrido, porque para mim não faz nenhum sentido. Prefiro recordá-los em paz, sabendo que para muitos era o que mais desejaram em vida. Não tendo tido, então, o melhor, é esquecer em paz...

Aves...

Quatro e meia da madrugada. Acordei ao cantar de um pássaro. Cantava muito afinado. Parecia um ator de ópera. Um canto complexo, alegre, às vezes trinava. Pus-me a ouvi-lo com atenção. O sono desapareceu. Uma melodia muito estranha. Não é a primeira vez que os ouço. Há um que no final de fevereiro aparece com a sua conhecida cantadoria. Quando ouço, ainda as andorinhas não chegaram, descubro o primeiro sinal da primavera. Todos os anos é a mesma coisa. Por vezes tarda e fico preocupado. Julgo que terá desaparecido, mas não. O seu cantar tranquiliza-me e abre as portas de mais um ano. O começo do meu ano é marcado pelo seu cantar. Mas hoje o cantar era diferente, muito diferente e excecionalmente belo. Tão belo que nunca tinha ouvido. Durante algum tempo, mais de uma hora e um quarto, nunca se calou e nem se cansou, bem pelo contrário. Pareceu-me que emanava felicidade. Subitamente calou-se, talvez em respeito ao momento ou ao aparecimento do primeiro raio do dia, quando a deusa Aurora

Milagre...

É duro ter de ver e ouvir os acontecimentos que nos afligem. Ninguém está preparado. As tragédias são a forma da natureza e dos seres humanos se abraçarem no mais estranho amplexo, dor e morte. Tudo se acasala, mesmo que não consigamos ver ou prever. As causas escapam-se entre os dedos e os medos empertigam-se com violência no meio de todos. Tudo é passível de acontecer, e quando não acontece invoca-se o milagre. A palavra mais estranha e dolorosa que eu conheço. Estranha porque não a entendo, dolorosa porque discrimina sem explicar a razão. Há os que acreditam em milagres. Eu não. Não só não acredito, como abomino qualquer forma de "intervenção" divina que se baseia em critérios que não podem ser escrutinados, dando a entender que existe uma forma de corrupção religiosa. Estranho, associar milagre a corrupção. Sim, é muito estranho, tão estranho como associar morte e dor com as desculpas esfarrapadas que escondem negligência e incompetência.  Um país eternamente adiado à

"VOU DAR UMA VOLTA"...

Amanhã vou dar uma volta. Pode ser que regresse, mas também posso não voltar. Não é propriamente uma viagem, mas uma ida até aos confins do meu interior. O que é que vou fazer, revirar a alma e procurar no sótão atulhado, e cheio de teias de aranhas, motivos ou objetos que alimentem a inspiração. Não é difícil. O problema é o pó do tempo. Mas com o pó sei eu lidar, tenho mais dificuldade com as pessoas. Eu compreendo-as. Nem invoco as razões. Faz parte   da minha natureza e de muitos anos a perscrutar corpos e almas. Custa-me imenso provocar dor, tristeza, raiva ou indignação. Neste mundo de comunicação intensiva, a falta de som, de cor, de calor, de expressão, cerce e até distorce os objetivos das palavras. Eu sei que fazemos parte do verbo. O problema é a conjugação com o sentir e a visão do próximo. Também me insurjo e até sou capaz de sentir raiva e indignação, mas tempero-as e acabo, muitas vezes, por engolir em seco, até porque este tipo de reação gera reação como se fosse