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A mostrar mensagens de junho, 2012

Circuncisão

A epidemia da Sida/VIH tem vindo a sofrer modificações apreciáveis para as quais têm contribuído a investigação epidemiológica, clínica, molecular e terapêutica. Nalguns países a situação ainda não está controlada, embora se note uma diminuição da incidência e da prevalência que, nalgumas comunidades, tiveram, e ainda continuam a ter, expressões mais do que dramáticas. De qualquer modo, deixou de ser um símbolo da morte passando a ser considerada como doença crónica a par de tantas outras. As medidas de prevenção e de tratamento têm tido sucesso, sobretudo este último ao diminuir de forma acentuada a capacidade de transmissão do vírus. Quanto à prevenção, o conhecimento da realidade próxima, íntima mesma, de muitos, sobretudo em África, onde dificilmente haverá alguém que não tenha tido um familiar atingido pela doença deverá ter sido determinante para a mudança de hábitos e comportamentos, à qual se associa a proteção devida ao uso de preservativos, tão contestados e "de

Mau-olhado...

Nunca tinha nascido ninguém na terra com aqueles poderes, assustava, enojava, seduzia, confortava e matava, como se tivesse encarnado deus e o diabo no mesmo corpo. Um daqueles casos raros em que as divindades se esbarram ao escolherem determinadas almas. O universo pode ser grande, mas por vezes não evita certos encontros, despropositados ou não sempre são uma forma de fugir à rotina da santidade e do diabólico. Aquela alma lembrou-se de lhes fugir naquela noite quente em que os sentidos, despertados pelo solstício do verão, fazem das suas, a noite que desperta desejos. O diabo sabe atiçá-los como ninguém. Nasceu precisamente no dia da Anunciação, um dia santo, um dia em que não deveria ter nascido. Fê-lo para irritar o diabo e incomodar deus. Riu-se. Sabia que adquiriria poderes, os seus olhos seriam capazes de matar, de causar infortúnio aos que se atrevessem cruzar com ela e não obedecessem à sua vontade. Depois, cresceu irritando e assustando os demais. O medo era mais d

Chá de urtigas

Gosto de ficção científica por várias razões, mas a principal é, sem dúvida, o facto de se ajustar melhor às necessidades e aspirações dos homens do que a triste e frequentemente estúpida realidade que incomoda e chateia a todo o momento. Ao pensar nisso consegui subitamente associar a série Star Trek (O Caminho das Estrelas), um destacado prémio Nobel da medicina e o chá de urtigas. Que estranha combinação, dirão. Talvez não. Comecemos pelo nobelizado em 2008, o francês Luc Montagnier, pela descoberta do vírus que provoca a SIDA. Ultimamente tem enveredado por áreas que estão a provocar muito desconforto e "admiração" na comunidade científica. Uma delas tem a ver com um trabalho, que ainda não foi publicado em nenhuma revista, em que afirma ter achado que o ADN, a tão famosa molécula da vida, base da estrutura dos genes, consegue teletransportar-se à distância para uma solução onde não existia qualquer molécula. Os cientistas estão incrédulos perante este "fenómeno"

Balão de São João

Lembro-me muito bem quando aprendi as estações dos anos. Ninguém me ensinou. Não foi muito difícil, apenas uma questão de tempo. Recordo de nunca ter gostado dos dias curtos e sem sol, porque atalhavam as minhas brincadeiras roubando o meu tempo, tempo de que fui e sou muito cioso. Ainda por cima, muitas vezes, a chuva e o frio doentio aprisionavam-me em casa, desfrutando apenas a liberdade através de um janela fechada e embaciada. Quando me sentia preso, sabia que a culpa era do tempo, tempo que gozava comigo, massacrando-me com particular violência, obrigando-me a beber o fel do tempo que parecia nunca mais querer passar. Passei a odiá-lo. Esquecia essa raiva apenas quando os dias começavam a ganhar tempo em calor e em luz, porque me permitiam brincar até mais tarde, tendo sempre como justificação que ainda se via o sol ou o seu bocejar avermelhado, momento que me encantava particularmente. Nessa altura as pessoas mudavam de cara, riam-se, tornavam-se mais reinadias e passavam

"Pathos, Logos, Ethos"

Todos os que comunicam e queiram que os seus argumentos, análises, comentários e observações sejam aceites ou respeitados pelos outros deverão cumprir com um conjunto de regras, regras essas mais acentuadas e mais exigentes nas atividades em que, por força das circunstâncias, assim as exigem, nomeadamente no ensino, na arte criativa e no discurso argumentativo.Devemos centrá-las em três grupos, as que dizem respeito ao orador, ao assunto a abordar e às pessoas a quem nos dirigimos.Comecemos pelo orador. Este tem de se apresentar como uma pessoa credível e honesta. Para isso, o seu passado, no que respeita à intervenção cívica, social, política, académica ou profissional, deverá ser minimamente rico e idóneo. Demora a construir. Adquirir competências e conhecimentos leva o seu tempo e exige muito esforço. No fundo constitui o seu Ethos. É bom saber que à partida se goza de algum respeito e admiração. Mas não chega, é necessário avaliar a qualidade do texto ou da exposição, apresentando-

"Amar e ser amado"...

Certas notícias parecem ser escandalosas, mas por vezes até nem são. Li com muita atenção o artigo sobre o bispo argentino, monsenhor Fernando Maria Bargalllo, que foi apanhado num ato de recreio, numa bela praia, acompanhado de uma mulher em biquíni. As posições do par, reveladas pelas fotografias, traduzem uma certa intimidade e calor interessantes. Escândalo! Disseram. O caso já subiu para o Vaticano do qual se espera um castigo proporcional à força divina com que se arvora neste vale de lágrimas, às vezes temperado com algum e breve resquício edénico como foi o presente caso. Tenho dificuldade em compreender as limitações e as proibições quanto à sexualidade inerente à nossa espécie, impulso fundamental da existência. Até o Livro reproduz uma expressão contra esse entendimento, "crescei e multiplicai-vos". Nunca vi citada alguma exceção. Presumo que não estava no horizonte do "Criador" qualquer apelo à abstinência. Se fosse essa a sua intenção, decerto ter

"Certificado de estupidez"

Quando comecei a ter algumas gramas de consci ê ncia sobre a minha exist ê ncia, sem grandes explica çõ es para o efeito, porque as que ouvia cedo come ç aram a ser postas em d ú vida, verifiquei que os seres humanos eram diferentes uns dos outros, mas havia muitos que faziam gala dessa caracter í stica usando argumentos para se destrin ç arem, por cima, sempre que podiam. Mesmo os mais pequenos, os da minha idade, arvoravam a sua superioridade invocando a condi çã o profissional do pai, a pretensiosa aristocracia de um passado mais ou menos remoto, os bens herdados, e, inclusive, lembro-me bem desse epis ó dio, ter uma av ó ou bisav ó espanhola, como se isso fosse uma forma de exotismo, raro naqueles meios, o que me confundia, j á que tinha iniciado a minha forma çã o pessoal no ataque aos "sacanas" dos espanh ó is, gra ç as à "eloqu ê ncia" do meu professor. A par deste epis ó dio, lembro-me da arrog â ncia que alguns mostravam sobre os seus semelhant

"Braço direito"

Ao levantar-lhe o braço senti de imediato que a força da gravidade estava a reclamá-lo gulosamente, largo-o e cai estrondosamente sem esboçar qualquer resistência, como se não existisse. Fácil, foi muito fácil perceber o que estava a acontecer. Depois, o resto do exame elucidou o que se tinha passado. A inconsciência, sinónimo da gravidade da situação, libertou-a da angústia de mais uma tragédia, o mínimo que a vida lhe podia propiciar. Deixou de comunicar, fecharam-se todos os canais que a ligavam a este mundo; nem as palavras, nem as carícias, nem os beijos, nem os olhares me permitiram penetrar na sua alma, nem sei por onde ela anda. Vagueia. Sei que não é possível voltar a ouvi-la a pronunciar os seus discursos confusos e deformados através de janelas empedernidas e meio abertas. Sei o que está a acontecer, sei onde estão as lesões, sei isso tudo, mas, mesmo assim, dou por mim a chamá-la pelo nome, e pelo laço mais íntimo, digo tolices, tolices que sei que gostava de ouvir, provo

"É português?"

Na sequência de uma troca de galhardetes, um amigo meu tentou justificar as suas afirmações invocando o período das Descobertas, a época áurea de Portugal. Não concordei e avancei com a teoria de que a ciência e a técnica dos judeus sefarditas, aliadas à manhosice dos nossos governantes, é que foram os principais determinantes. Daqui passámos para os judeus. O meu amigo reconheceu que tinham "muito do conhecimento que nos faltava, mas... não possuíam pátria, fomos nós que lha demos, em troca do conhecimento que usámos para descobrir os caminhos que facilitaram o comércio que eles sabiam gerir muitíssimo melhor que nós". Esta afirmação levou-me a ripostar dizendo que Portugal também era pátria de muitos judeus e que a religião não deveria ser a condição para impor direitos a ter ou não pátria! Eles consideravam-se portugueses, tanto como os que ficaram, os que mataram e perseguiram homens, mulheres e crianças da Lei da Tábua. Prometi contar-lhe uma pequenina história, um sim

Nem silêncio, nem solidão!

Nas longas noites em que fazia urgências no velho hospital, costumava ir descansar um pouco num quarto situado no primeiro piso, mesmo por cima, e ao lado de um corredor onde, quando não havia mais lugares nas duas salas de observações situadas ao fundo, eram "armazenados" os "excedentes". Os sons de dor, as respirações ofegantes, os discursos incoerentes e os pedidos angustiados, criavam uma atmosfera horrível capaz de arrancar a alma de qualquer um a ponto de desejar fugir e nunca mais voltar. Todo aquele cenário obrigava-me a pensar no sofrimento, sobretudo no que se manifesta no final da vida. Mesmo assim o cansaço de um longo dia, que parecia não querer terminar, acabava por me vencer, e adormecia, ou fingia que sim. A certa altura, verificava que até os doentes, meus vizinhos de ocasião, e candidatos a futuras almas penadas, se tranquilizavam, ainda que momentaneamente, criando de súbito uma atmosfera de terror, porque os seus silêncios também me faziam sofrer

Vidas paralelas...

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Desenho de Artur Moreira Lá fora a noite divertia-se a jogar às escondidas num desconfortável silêncio. Ao sentar-se, na tranquilizadora penumbra da sala, uma folha branca desgarrada, vinda não se sabe bem de onde, parecia que lhe estava a falar. Olhou. Ao pegar-lhe sentiu algo de estranho. Não era totalmente lisa, tinha uma textura suave, mas ondulante, com zonas mais quentes do que outras, como se fosse uma membrana a revestir um ser prestes a nascer. Parecia que a membrana vibrava ao sabor de uma energia musical. Afinal não estava a ouvir nada, sentia algo, sim, sentia, só que não era, também, tátil, mas como não entendia bem o que estava a acontecer teve de se socorrer da linguagem dos sentidos para interpretar tão estranho fenómeno. Recordou-se de ter lido nessa tarde alguns textos sobre as teorias das cordas, das supercordas e da teoria M, dos multiversos e universos paralelos, algo confuso para quem não é físico, mas muito aliciante ao explicar que a vastidão

"Colecionar almas"...

Os fenómenos astronómicos seduziram-me desde muito cedo. Recordo-me neste momento de uma noite agradável e escura como o breu em que, de joelhos na cama e queixo sobre as mãos sobrepostas, olhava para o teto do céu. Via muitas luzinhas a tremelicar. Lá fora nem uma lâmpada ou candeeiro aceso. Era capaz de jurar que ouvia sons delicados que vinham das alturas. Já tinha ouvido que eram estrelas. Naquela noite explicaram-me mais umas coisas e qual a diferença com os planetas. Estás a ver além aquela "estrela"? A luz não treme. Pois não! Não tires os olhos e vais ver que daqui a pouco já mudou de lugar, é um planeta. Passei a olhar com muita atenção, mas ela parecia estar sempre no mesmo sítio. Eu julgava que a podia ver andar devagarinho. Olhava, olhava, mas ela não se movia. O esforço e o cansaço encarregaram-se do resto. No dia seguinte, nova tentativa. A beleza fascinante das luzes e do som que ouvia, como se fossem grilos, mas era diferente, mais lindo, mais baixo, parecia q