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A mostrar mensagens de janeiro, 2012

Viva a justiça portuguesa!

Acabo de saber que o sem-abrigo que roubou um champô e uma embalagem de polvo foi obrigado a pagar 250 euros ou, em alternativa, prestar serviço à comunidade. O processo corre há dois anos e, de acordo com o advogado oficioso, que fez as contas, os gastos deverão ser da ordem dos milhares de euros. O sem-abrigo não compareceu nem sabem onde para. Aqui está um cidadão que sabe tratar a justiça como merece: borrifou-se! E se for apanhado deverá fazer um manguito. O quê, trabalhar para a comunidade? Sou um sem-abrigo, mas não sou parvo. Então vai de cana. Ótimo. Ótimo. E durante quanto tempo? Apenas durante algumas semanas. Ora porra! É pouco, muito pouco! Tenho que pensar em roubar algo mais importante, talvez um queijo da serra, uma garrafa de whisky....

Pobre país!

Não tardará muito para podermos observar a realização de verdadeiros safaris pelo interior de Portugal, em que pais e mães, acompanhados dos seus rebentos, irão deliciar-se com uma fauna de seres humanos esquisitos a viverem em condições totalmente distintas dos que vegetam nas grandes metrópoles, sobretudo na dita Lisboa, transformada em Babilónia do Império, com direito a tudo e a mais qualquer coisa em detrimento dos direitos mínimos dos que ainda vão ficando pela dita "província". Lentamente estão a fechar o país, cuidados de saúde reduzidos ao mínimo, serviços a fecharem e a serem concentrados em localidades mais "centrais", justiça a distanciar-se em termos geográficos para não falar dos aspetos humanos, tentativas vãs e mais do que hipócritas de pseudo cuidados a ter com as populações envelhecidas, enfim, contributos eficientes para o despovoamento do quintal da capital, que se transformará num enorme parque de lazer para os stressados das grandes cidades. Qu

Discriminação

Mais um caso a despertar a atenção para as consequências das intervenções médicas. Salvar uma vida é um hino de amor, mas por vezes o doente não agradece, não pode agradecer, nem quer agradecer, porque a vida que lhe devolveram não tem nada, rigorosamente nada a ver com as expectativas de quem sofreu um acidente ou doença grave. Um engenheiro inglês, Tony Nicklinson, sofreu há anos um problema grave tendo ficado paralisado, totalmente incapacitado, apenas pode pensar. Não tem autonomia, e só com ajuda consegue comunicar. Desde 2007 que pretende ter o direito a suicidar-se e começou a lutar para isso. Não quer dizer que o faça hoje, ou amanhã, mas quer que lhe concedam esse direito, porque sozinho não consegue. Considera que a lei discrimina os incapacitados físicos ao não permitir fazer algo que qualquer um pode fazer, deixar de viver. O caso foi parar ao tribunal que começou a estudá-lo. Escravo das tecnologias e dos cuidados ultraespecializados, afirma que os "políticos são uns

Domingo

Mais um domingo, mais uma formalidade, mais uma vez cumprimos a rotina criada ao sabor das necessidades alimentares. Antes do almoço, outro ritual foi satisfeito, tomar um café debaixo do sol de inverno. Sentir o sabor de uma boa bebida quente aliado a um certo elanguescer provocado pelo calor coado pelo vidro provoca-me um súbito desejo de querer parar o tempo. Mas não consigo. Olho em redor e as poucas pessoas presentes chamam-me a atenção. Paradas, desinquietas, fácies expressivas de alcoolismo crónico, alguns com cigarros a tremerem em mãos calosas, e outros com sinais evidentes de pelagra, a testemunhar a gravidade da doença, povoam o "meu" pequeno espaço. O dono do café, treinado por visitas anteriores, presenteou-nos com duas chávenas fumegantes. Para não destoar dos restantes, também apresenta estigmas de um bom discípulo de Dionísio, mas sabe atender os clientes, usa sempre uma bandeja e entrega o talão da venda. Curiosamente paga os impostos. Qual será a noção que t

"Piolhos. Castigo de Deus"...

Os meus netos têm sido alvo de ataques constantes de piolhos, apesar de todas as medidas de higiene e de cuidados que esta praga exige, volta e não volta trazem da escola representantes daquilo que em tempos alguém designou por "castigo de Deus". Custa-me aceitar que não sejam tomadas as medidas adequadas para controlar esta "epidemia" escolar. Se não houver cuidados por parte de todos os pais, e dos responsáveis da instituição, muito dificilmente se evitará esta situação recorrente que começa a irritar-me e a causar-me "comichão" por simpatia. Recolhi um pequeno texto escrito há algum tempo a propósito de tão "divina" praga, onde a evolução, os pelos e o catar tiveram papel importante, nomeadamente o último. Catar foi uma forma de socialização, mas hoje em dia existem outros meios, mais eficientes, entretanto, apetece-me dizer aos dignos responsáveis pela praga que está a atacar os miúdos, entre os quais os meus netitos: "vão-se catar"

Rejuvenescimento da águia!

Apanhei um taxi e, fazendo inveja aos gaiteiros, cheguei à estação com tempo para tudo e mais qualquer coisa. Nunca gostei de brincar com o tempo, temo que me pregue uma partida, mortinho está ele, e sabe que vai conseguir, afinal é apenas uma questão de "tempo". Entrei no bar e escolhi uma sandes, que me pareceu simpática, feita com pão de sementes, negro. Muito apropriado, vai ser o meu almoço, pensei. Ao reentrar na gare, com o saco da merenda, senti um forte cheiro a urina, cheiro que não tinha detetado à entrada. Olho para ver donde poderia provir odor tão desagradável, mas não consegui. Comecei a caminhar ao longo da plataforma e o cheiro, em vez de desaparecer, acentuava-se cada vez mais. Intrigado, pus-me novamente a escrutinar a fonte e nada; eis que, ao olhar para cerca de duas dezenas de metros à minha frente, vislumbro uma mulher esfarrapada, de pele encardida, pernas e pés vigorosamente sujos, saia negra com bainha descida e rasgada. Estava identificado o chafari

Taça de Prata

“O melhor sono da nossa vida, em que na nossa alma, docemente, penetra Deus” (José Oliveira Ferreira) Viseu. Depois do jantar fui dar uma volta pela cidade. Há muito que não passeava nesta localidade à noite. Tinha acabado de chover. Estava tudo impregnado por finas camadas de água que brilhavam sob os olhares dos candeeiros e dos faróis dos automóveis. Andei sem rumo e desfrutei a tranquilidade do silêncio noturno, ao mesmo tempo que me embrenhava em recordações que só a noite e a ausência de pessoas permitem. Conheço esta cidade desde sempre. É uma referência importante na minha vida. Foi aqui que fiz todos os meus exames. Foi aqui que me trouxeram vezes sem conta em criança devido a doenças que me atormentavam. Nessas andanças dolorosas, o esforço dos meus pais era evidente. Tinham que pagar os tratamentos e aos médicos. As posses não eram por ai além e a obrigação de pagar os honorários era um ponto de honra. Chegou mais um dia em que tiveram que saldar as dívidas da dor de uma cri

"É português?"

Na sequência de uma troca de galhardetes, um amigo meu tentou justificar as suas afirmações invocando o período das Descobertas, a época áurea de Portugal, em que muitas descobertas se fizeram de improviso, à aventura. Não concordei e avancei com a teoria de que a ciência e a técnica dos judeus sefarditas, aliadas à manhosice dos nossos governantes, é que foram os principais determinantes. Daqui passámos para os judeus. O meu amigo reconheceu que tinham "muito do conhecimento que nos faltava, mas... não possuíam pátria, fomos nós "espertinhos da Silva" que lha demos, em troca do conhecimento que usámos para descobrir os caminhos que facilitaram o comércio que eles sabiam gerir muitíssimo melhor que nós". Esta afirmação levou-me a ripostar dizendo que Portugal também era pátria de muitos judeus e que a religião não deveria ser a condição para impor direitos a ter ou não pátria! Eles consideravam-se portugueses, tanto como os que ficaram, os que mataram e perseguiram

"Três de copas"

Os homens do mar têm comportamentos interessantes. São mais calmos, introspectivos, possuem olhos profundos, exprimem-se em curtas falas, exceto quando os convidamos a contar histórias, os quais são exímios, quer na forma quer no conteúdo, como se fossem elos de sagas remotas que, conhecedoras das suas fraquezas, se alimentam da sua cortesia para se manterem vivas. Os longos meses passados nas embarcações, trabalho duro, leva-os a adquirir este tipo de conduta, mas também outros, alguns pouco saudáveis. Quando entram no consultório, logo pela manhã, muitos emitem um bom dia enevoado por uma rouquidão tabágica associada ao característico cheiro. Nem lhes pergunto se fumam, passo para as seguintes, há quanto tempo e quantos. Outro aspeto muito comum são as tatuagens, de um modo geral são toscas, mal produzidas, com motivos vários, embora outros apresentem imagens bonitas. Presumo que deverão ser feitas nos curtos períodos de descanso entre o silêncio do mar e o ruído ensurdecedor das máq

"Tique preconceituoso". Um contributo

Também "sei" fazer análises sobre a situação do país, pelo menos tento fazer com alguma imparcialidade e sem preconceitos. Tento fazer, mas confesso que é difícil, quase que diria é impossível. Nenhum cidadão se pode considerar impoluto e imparcial na análise de quem quer que seja ou na interpretação de inúmeros factos e situações. Tudo bem. E depois? Depois irrita-me muitos comentários e análises que refletem uma mistura dos factos que nos circundam e das personalidades de quem os analisa. Há quem impregne mais com o suor da sua personalidade - e suor é coisa que não cheira bem -, e há quem impregne menos. Relativamente a questões de vencimentos, reformas e coisas parecidas com ganhos justos ou injustos por parte dos políticos e altos dirigentes, é possível observar um movimento de contestação e de repúdio dos mesmos por parte de grande parte da população. Aparentemente compreende-se, os que contestam ganham pouco ou, até, nem ganham nada. Como travar esta contestação? Não s

São Sebastiao

Tarde de domingo de inverno. Um sol infantil diverte-se convidando os desejosos de calor a espraiarem-se debaixo dos seus raios. Não lhe respondi, tinha de ir a um funeral. Na estrada secundária observei um movimento inusitado para aquele lado meio deserto. O que é que estará a acontecer? Ao fim de meia centena de metros observo uma mancha escura e silenciosa a invadir a estrada. Estacionei o mais possível à direita para deixar passar uma estranha procissão. Para a terríola era muita gente, de idade a maioria, vestidos de escuro, com uma ou outra criança com ar divertido e um casal de namorados que, indiferentes ao momento, iam manifestando ternura amorosa. Os devotos iam ao molhe, sem ordem, até pareciam uma coorte romana a ir para a batalha. As suas faces eram dignas de fazerem parte dos quadros da Paula Rego. Ainda procurei sinais de alguma devoção, mas, sinceramente, não consegui vislumbrar, pelos menos nos que foram alvo da minha atenção. Senti que nos tempos do paganismo hordas s

"E o sol ficou feliz"!

Hoje tenho de dar por terminada uma história que comecei a escrever há três anos a propósito de uma "fotografia". Na altura pensei que ela iria ser entregue ao José Luís, que sofria de grave perturbação visual, estava quase cego, e nunca tinha visto a mãe, nem em fotografia, mas não, por um conjunto de vicissitudes não foi possível. Por causalidade, a prima, que tinha conseguido uma ampliação da única fotografia que havia em casa, foi apresentada a uma senhora acompanhada de uma menina de sete anos. Sabes quem são, perguntou-lhe a madrinha, não, não sei, são tuas primas, primas, sim a filha e a neta do José Luís. Ficou de boca aberta, perguntando, onde é que ele está, onde é que ele está, quero vê-lo e entregar-lhe uma coisa. Disseram-lhe onde estava e, passado pouco tempo, o primo viu pela primeira vez a imagem da mãe, sessenta e sete anos depois de ter entrado neste mundo. Testemunharam o facto a neta e a bisneta que também passaram a conhecê-la. Antes de dizer o que aconte

Classe desconforto

Faço com demasiada frequência viagens até à capital. Sempre que posso vou de comboio, por ser mais económico e, sobretudo, por ser mais mais confortável. Vou quase sempre na classe conforto porque consigo, como membro da universidade de Coimbra, um desconto que faz com que o título de transporte nesta classe tenha o mesmo valor da turística. Classe conforto! Uma interessante classificação que precisa de alguns ajustamentos. Ao fim de alguns minutos, o trepidar típico das composições faz com que sinta uma necessidade irresistível de deixar cair as pálpebras. Não as contrario e adormeço. Sabe-me bem dormir naquelas condições. Tenho a certeza de que estou a usufruir de um sono curto mas muito reparador. O preço de ida e volta, numa viagem a Lisboa, fica em 52 euros, um valor apreciável que merece algumas regalias. Simpáticas hospedeiras oferecem-nos uma bebida, um jornal à escolha e uns auscultadores para quem tiver paciência de ver e "ouvir" uns programas meio ranhosos, mas ape

Pasteis de nata do "Palhoa"

Durante muitos anos comi, mas não abusava, genericamente falando, de doces. Os mais antigos bolos que me lembro ter comido foram o pão-de-ló, que não apreciava muito - exceto quando rapava o tacho onde era produzido, isso sim, dava-me muito mais gozo do que comer o produto final, porque ficava atafegado quando queria mastigá-lo -, o bolo de arroz e um tipo especial de pastel de nata. Mas não se comia muito, só de vez em quando, em dia de festa, ou quando ia ao café do Zé da Estação. Aqui sim, valia a pena comer o bolo de arroz, cujo sabor e textura nunca mais encontrei em local nenhum, mas tinha de pagar dez tostões, o que era obra. O outro bolo era um tipo de pastel de nata que o "Palhoa", fazia. Vinha da vila a pé com uma bandeja de pasteis, cobertos com um pano, fornecendo aos poucos estabelecimentos que havia naquelas bandas. Um pasteleiro especial. Ainda vinha a sair da ponte e já se sentia o cheiro dos mesmos, quentinhos, ou melhor, suavemente quentes. Assim que os entr

Medicina caseira

Sentou-se. Foi a primeira vez que nos vimos. Obeso, calvície evidente e muito envelhecido para a idade, o que foi fácil de verificar através da ficha onde constava a data de nascimento. Atitude defensiva, olhar perscrutador de quem está a ser obrigado a um exame não solicitado, esperando a abertura do interrogatório. Iniciei com as perguntas usuais, onde trabalhava, o que fazia, às quais respondia secamente. De repente, antes de lhe perguntar algo nesse sentido, ou seja, se sofria de algum problema de saúde, adiantou-se dizendo que sofria de doença renal crónica, enquanto empunhava as análises a comprovar. Estudei os resultados e o historial histórico das determinações anteriores. Foi fácil de verificar que era verdade. Mas como tinha havido melhorias substanciais face aos últimos resultados, aproveitei a ocasião para realçar e gratificar o senhor de que estava muito bem compensado. Parabéns! Foi então que me respondeu com um certo ar de superioridade, para não dizer de inesperada arro

Praxinoa

Já perdi o conto às tentativas de criar um blog só para mim, não por uma questão de diletantismo, mas como forma de me refugiar em mim próprio partilhando as minhas reflexões e angústias com quem tiver a pachorra de me ler, evitando ser alvo de ataques, por vezes desproporcionados, injustos e muitas vezes tradutores de comportamentos difíceis de entender; evito classificá-los. Procurei um título, mas acabo sempre por cair no mesmo, Praxinoa. Porquê "Praxinoa"? Por uma razão muito simples, que vou tentar explicar em breves linhas. De vez em quando há um ou outro livro que nos marca mais. Foi o que me aconteceu há muitos anos, quase dez, quando li "Amores de Safo" de Erica Young. Uma obra romanceada sobre a cantora do amor. No livro de Young há uma passagem que me cativou, Safo, a cantora-poeta, ao arribar a uma ilha, acompanhada da sua escrava Praxinoa, na sequência de um naufrágio, deparam-se com três mulheres a dançar na praia. Debatiam sobre a razão do viver. Hele

"Café pingado"!

Quando começamos a frequentar certos lugares desconhecidos torna-se indispensável criar rotinas de toda a espécie, onde ir tomar o café da manhã, onde almoçar, onde repousar durante alguns minutos antes de reiniciar o trabalho, o que fazer durante este período e como adaptá-lo ao sabor das estações, ou seja, somos obrigados a criar mecanismos de ajustamento à nova realidade. Não é fácil, leva algum tempo, mas depois torna-se tudo mais aligeirado e, sobretudo, menos angustiante. A manhã tinha despertado sob um frio intenso agravado pelo correr da brisa. Ainda faltavam alguns minutos para começar a trabalhar o que me deu tempo mais do que suficiente para ir a um café próximo, que está na mira de se tornar um ponto de atração. Já lá tinha ido algumas vezes, não muitas, pequeno, familiar e com padaria associada. Vi que o senhor que me atendeu se tinha apercebido de ter lá ido outras vezes àquela hora e, sorrindo, perguntou se queria um café. Disse que sim. Enquanto