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A mostrar mensagens de fevereiro, 2013

"Peccatum contra naturam"

A Terra é um belo calhau que não se cansa de girar em torno do Sol. Não conheço outros planetas, vivi sempre neste, embora gostasse de conhecer outras paragens, outros silêncios, outros sóis e outros universos. Para quê? Tenho a certeza de que lá fora as coisas são diferentes, tão diferentes que nem consigo imaginar quais. Nem consigo antever as sensações decorrentes dessas realidades. Sentir a diferença é um doce alimento para uma alma. A ciência ilustra-nos a todo o momento com deliciosos mistérios embrulhados em cores e brilhos impensáveis, resfolgando enigmáticos corpos celestes que se entretêm a jogar às escondidas nas profundezas do abismo. Um abismo libertador.  A Terra está cada vez mais pequena e mais poluída, sobretudo de ideias estranhas e comportamentos não aceitáveis. Será que há ideias a mais neste planeta, a ponto de provocarem aquecimento mental irreversível? Ideias a mais? Mas as ideias não são a expressão máxima da criatividade humana? São, de facto. O pior é qu

Vontade de morrer

Conviver com colegas fora do âmbito profissional é útil, alivia a tensão e permite outras coisas: descobrir novos interesses, recordar episódios de vida, transmitir emoções, partilhar experiências e aprender uns com os outros nas mais diversas áreas. No entanto, acabamos sempre por cair em conversas médicas. Há uma força que nos atrai, e não conseguimos fugir. Bem tentamos, mas é impossível. Foi o que aconteceu num sábado à noite, em redor de uma mesa, um bom jantar acompanhado de razoáveis bons vinhos, razoáveis porque o meu colega, homem do Douro, sabe, e de que maneira, da poda enológica! Um jantar num espaço muito aprazível depois de uma tarde repleta de conferências. Falámos da situação económica e financeira do país, da desgraça do desemprego e do incremento estúpido das depressões, para a maioria das quais não há antidepressivos que valham. - É impossível tratar muitos casos com fármacos, o que eles precisam é de apoio, de suporte social. - Sim, disse. Concordo perfeitamente.

Vinho e surdez

Não sou um enólogo, mas sei apreciar um bom vinho, uma bebida com história, que nos faz sentir, por vezes, deuses ou demónios. O ser humano, com arte e engenho, descobriu há muito a forma de se fazer transportar até ao Olimpo e ao Hades, através da mais fascinante das bebidas. Nunca me apeteceu fazer concorrência aos deuses nem ao diabo, não os considero boas companhias, por isso é melhor deixá-los em paz nos seus universos. Sendo assim, prefiro apreciar um bom vinho na qualidade de simples mortal para que a alma sinta algum prazer e conforto. Acompanho com muito interesse e, por vezes, com preocupação a divulgação de estudos sobre as propriedades terapêuticas do vinho. Considero um exagero e não sei se não será contraproducente a divulgação dos mesmos, porque podem aumentar a sua procura por parte de determinadas pessoas. Este fenómeno não é novo, e não se limita apenas ao vinho, outros produtos e alimentos estão a ser constantemente conotados com efeitos benéficos na saúde. Pode

Acabou...

Acabou. O governo não tem hipótese de sobreviver. Quando as manifestações começam a decorrer com estas características , e a este ritmo, só há duas soluções, ou ficam na toca dos gabinetes, calados que nem uns ratos, ou, então, têm de abandonar o barco. E nós? Nós estamos lixados, porque os que pretendem substituir o atual governo não oferecem quaisquer garantias, até, porque num passado recente fizeram o que fizeram. Enfim, o melhor é deixar o navio à deriva, sempre é mais "seguro" e talvez chegue a algum bom porto. E se não chegar, paciência, o tempo riscar-nos-á do mapa da vida... http://www.jn.pt/PaginaInicial/Politica/Interior.aspx?content_id=3063317

Telefonia

Recordo-me, frequentemente, das noites de criança, das noites de inverno, frias e escuras, em que era obrigado a deitar-me cedo, como se houvesse algum interesse em contrariar a noite. Não havia. Nem podia. Uma terra pobre em que a luz, fraca, era, muitas vezes, incapaz de acender a primitiva e rara televisão que fazia o furor da vizinhança. - Hoje não se consegue ver nada. - Pois não. - Boa-nôte. - Boa- noite, até amanhã, vizinha. O amarelo sujo das lâmpadas não conseguia reverberar as paredes do quarto, apenas a velha telefonia, parca de alimento, conseguia debitar sons musicais intervalados de ruídos e de alguns silêncios, que, mesmo assim, não conseguiam impedir a sequência musical produzidas por bandas que debitavam estranhos sons melodiosos através do espreguiçar de múltiplos instrumentos, como os clarinetes, trompetes e saxofones, sons únicos que deverão ter tido um efeito tipo imprinting, que ainda hoje me perseguem. Curioso. Deitado, ouvia belos acordes musicais que tranq

Maria J.

Sinto uma estranha e preocupante tristeza a inundar de cinzento a atmosfera da vida. Por cada dia que passa sinto o crescer de uma angústia que atinge praticamente qualquer um. Desespero, depressão, desemprego, desconfiança, dor e desilusão. Olho para os jornais e leio que a confusão está instalada em toda parte, no governo, na economia, na banca, na indústria, nos serviços, na saúde e até nalguns refúgios da alma, como é o caso da religião. Cada um dá importância aquilo que lhe mais toca de perto, é natural, é humano, é perfeitamente compreensível. Mesmo os que se sentem um pouco mais desprendidos e almofadados sabem que a crise também lhes toca, a crise de falta de esperança e de valores. Não tarda, assistiremos ao descambar da ordem social, não tarda, iremos ver confusões que há pouco tempo seriam impensáveis. Choca? Sim, claro, quando o nosso futuro ou o dos nossos fica comprometido começamos a sentir a angústia a lamber-nos o corpo e o desespero a corroer a alma. No entanto,

Sonho

Encontrei um velho amigo, que come ç ou, tal como eu, a sentir abruptamente a amea ç a de uma velhice prematura. É certo que algumas maleitas j á come ç am a manifestar-se, mas, mesmo assim, ainda vamos conseguindo control á -las, gra ç as à experi ê ncia e aos nossos conhecimentos m é dicos. Uma vantagem, sem d ú vida, mas que n ã o consegue impedir ou proteger-nos dos efeitos de uma sociedade desestruturada e sem perspetivas. A conversa levou-nos num á pice ao per í odo revolucion á rio de "74" e à estranha mescla de confus ã o e de esperan ç a resultante da mesma. Dissert á mos sobre revolu çõ es, a nossa, a que vivemos, e outras que foram vividas pelos nossos familiares. Conclu í mos, rapidamente, como n ã o poderia deixar de ser, que as revolu çõ es servem um prop ó sito, acabar pela for ç a aquilo que n ã o se consegue pelo bom senso e pela palavra. Foi sempre assim, quando a sociedade n ã o consegue resolver os seus problemas de forma pac í fic

Ruído e diabetes

A saúde e a doença são duas faces da mesma moeda, nunca andam separadas e nem podem. Querer conhecer as razões que nos levam à doença, ao sofrimento e à morte é um mero imperativo da consciência e inteligência humana. Desde que fez a primeira pergunta, - qual terá sido? “por que é que estou aqui”, ou terá dito, “chiça, aleijei-me, não quero cair noutra" – que nunca mais deixou de questionar, e ainda bem. Acontece que muitas doenças têm causas evidentes, ditas maiores, às quais são atribuídas uma responsabilidade quase total. No entanto, as coisas não são bem assim, há fatores que, aparentemente, não têm relação direta mas que podem contribuir para o aparecimento das maleitas. Veja-se o caso da diabetes, todo o discurso causal e preventivo é sempre feito à volta da mesma tríade, hereditariedade, maus hábitos alimentares e falta de exercício. Acontece que, por vezes, surgem outros elementos, não tão gritantes como aqueles três da vigairada, mas com algum papel de relevo. É o c

"Bombas-de-rabear"

Já compreendi melhor o carnaval, ou melhor, já o senti sem o perceber. Em criança éramos iniciados nesta festividade com extraordinária facilidade. Se a brincadeira era a melhor forma de vida ao longo do ano, um divertimento deste tipo atraía qualquer um, e, além de mais, não tínhamos aulas até à maldita quarta-feira de cinzas em que passávamos dos oito aos oitenta. A partir daqui nada de brincadeiras, pelo menos as mais aparatosas e visíveis ao olhar dos adultos, tínhamos de refrear a língua a que se juntava a obrigatoriedade de um cinzentismo patético com muito pouco riso. Era a mesma coisa que entrar num deserto de tristeza onde imperavam normas sociais e religiosas bastante apertadas, aliviadas apenas a meio da Quaresma, em que se chegavam a realizar os desejados bailes de micarême para compensar a excessiva abstinência. Abstinência a que não era estranha a imposição de dietas rigorosas, com as quais embirrava, mas o facto de ser criança sempre ajudava a furar o regime. O des

São Brás

Soube desde muito pequeno que o dia 3 de fevereiro era dedicado a São Brás e o dia 2 à Nossa Senhora das Candeias, tudo por causa da minha mãe que nasceu a três e do seu pai a dois, avó que nunca conheci. Ouvi-a contar histórias de romarias à Nossa Senhora das Candeias, que para mim se traduziam em procissões em que as pessoas deveriam levar as típicas candeias, algumas das quais ainda havia lá em casa. Punha-me a imaginar as festividades e perguntava para quê "candeias". - Para alumiar os nossos caminhos, dizia. Claro, pensava, de noite dá muito jeito levar uma candeia pelos caminhos. - Não é para alumiar os caminhos, é para alumiar as almas, para que não façam disparates. - As almas precisam de candeias? Então, elas não veem no escuro? - Veem, mas olha lá, não consegues fazer outro tipo de perguntas? - Consigo. E para que serve o São Brás? - Para curar as doenças da garganta. - Ai sim? Então por que é que o Brás, que tem o nome do santo, anda com aquelas escrófulas no pes

Diabetes

Falar de diabetes é falar de doença, e a doença assusta, faz sofrer e mata. O homem não quer sofrer, mas é-lhe vedado esse privilégio, porque a vida nasceu e faz-se à custa de mecanismos que estão na génese da doença. A doença é um atributo da vida, faz parte da vida e é tão antiga como a própria vida. Dentro das inúmeras doenças que nos afligem, a diabetes não é mais do que uma expressão da adaptação ao meio em que vivemos, umas vezes melhor, outras, a maioria, nem por isso. O ambiente fez-nos e moldou-nos durante milhões de anos, a começar pelos antepassados mais remotos. Quando nos apercebemos de que poderíamos construir um novo ambiente, mais adequado às nossas aspirações e desejos, graças a uma inteligência sui generis , permitindo ter conforto, prazer e qualidade de vida, mal sonhávamos que teríamos de pagar um tributo pesado com doenças que hoje nos atormentam e provocam graves problemas sociais, económicos e de cuidados de saúde suscetíveis de perturb