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A mostrar mensagens de maio, 2015

O quadro

O tempo livre ao fim da manhã empurrou-me à descoberta de algo que deveria estar à minha espera. Não cumpri o habitual e emergi numa velha rua onde em tempos vi alguns quadros. Não é que seja uma referência do que quer que seja. O que eu senti foi um impulso difícil de descrever. Parei em frente da montra e reparei no vazio do local e no olhar distante de uma rapariga que há muito não deveria fazer negócio por aí além. Molduras, estampas, quadros sem arte e sem pretensão a esse estatuto. No chão, sem moldura, um quadro impressionista, cheio de cor e de alma, gritou à minha sensibilidade. Destoava naquele ambiente, e muito. Passei em frente, mas passados alguns instantes voltei para o ver. Belo, sem dúvida. Perturbou-me. Entrei e perguntei se estava à venda. Perguntei, porque uma obra de arte daquele nível destoava no meio de uma bagunçada sem jeito e sem interesse. – Está. – Qual o preço? Um valor não muito exagerado, mas mesmo assim havia algo que não estava a entender bem. Numa casa

Debate

Gosto de ouvir alguns debates, porque deixam transparecer parte da natureza humana, a mais nobre, a mais visível, a mais social, a mais religiosa, a mais poética, a mais rica, a mais teatral e a mais esperançosa. Gosto de ouvir. Gosto também de sentir o que não se diz, o que não se vê, o que não é nobre, o que está escondido, o que está afeto a faltas de valores e de respeito, o que é traiçoeiro, pensamentos e comportamentos que fazem parte do ser humano. Gosto, não no sentido de ser um apreciador, mas na vertente de poder estar atento, tentando ver o que se esconde atrás da cor da pele, do brilho dos olhos e da aparente nobreza. Dizer e pensar, uma luta titânica, ganha quem convence no momento. Resta o desespero do tormento do dia-a-dia.

Contrastes

Vi gente a passear e a ondular na baixa. Respirei o calor do passado. Parei em frente de velhas montras, umas transformadas, outras desfiguradas, enquanto uma ou outra mostrava ainda as mesmas dentaduras, agora envelhecidas e cariadas, onde outrora imperava o brilho e a atração. Contrastes. Apenas o sol, o calor e a brisa que corria na rua eram os mesmos. As recordações esfumam-se no meio dos contrastes. Ainda bem. 

Tesouros da vida

Viajo em pensamento à procura de encontrar os tesouros da vida. Nada de especial, não precisa de ser ouro ou qualquer pedra perfeita criada por acaso no meio da confusão do universo. Nada disso. Contento-me com o dourado do fim de uma tarde vulgar e silenciosa ou com as pedras talhadas pelo espírito criativo do homem. Dois tesouros a somar a tantos outros, como a poesia de um quadro ou a melodia de um poema escrito no delírio de uma noite fria. Tesouros da vida são pequenos encontros com a vulgaridade e o anonimato de almas que conseguem escapar-se entre os dedos de deuses menores, invejosos por não poderem conhecer o sabor do amor e a embriaguez do prazer. Quando desaparecem libertam no ar as suas memórias e recordações que só as almas gémeas sabem ler e saborear. Tesouros que os deuses nunca conhecerão, porque não sabem o que são almas.

Deuses de fantasia

Gosto de procurar aquilo que não sei. Gosto de passar o tempo sem o sentir. Gosto do inesperado e do belo como se fossem dádivas de deuses desconhecidos. Gosto de inventar deuses. Não por uma questão de fé ou para lhes pedir favores a troco de meias atordoadas ou promessas sem sentido que se esvaem a qualquer momento. Não gosto disso. Prefiro inventar os deuses para poder ir onde não consigo e conseguir pensar para além deste mundo perdido. Imagino-os iguais a mim, tal como convém a quem quer viver sem saber qual vai ser o seu fim. Gosto dos deuses humanizados. É mais fácil compreendê-los. Não assustam. Talvez seja por isso que sou atraído pelas velhas mitologias e cosmologias, em que a poesia e a fantasia enchem a minha alma vazia. Assim, consigo fugir do mundo real e posso vadiar à vontade entre emoções e sentimentos nunca sentidos, não como prémio de qualquer conduta ou de fidelidade religiosa, mas como sinal de respeito e vontade de viver a realidade do que deveria ser a vida, a m