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A mostrar mensagens de março, 2012

Resistir

Resistir. Um verbo interessante, mas difícil de compreender, porque exige muito esforço e dor, mas sem garantia de qualquer sucesso. Resistir é uma aventura perigosa e ingrata a relembrar viagens no desconhecido, quando os aventureiros desesperançados estavam convictos de que ao passarem um cabo ou ao descobrirem uma ilha todos os seus sonhos se concretizavam e todos os seus medos se desvaneciam. Nada mais falso, a promessa de que vale a pena ter esperança é um logro que não serve para grande coisa, a não ser para acalmar os ânimos e enganar o próximo. São os homens das certezas que cultivam até à exaustão este discurso enganador tão antigo como o próprio homem. Fazem-no porque sabem que é a forma mais simples de usufruírem das regalias da vida com fraco investimento e retornos consideráveis. Olho em redor e vislumbro figuras públicas que são verdadeiros especialistas a viverem à custa do cidadão comum, crente, não crente, normalmente honesto, crédulo e cheio de fome de esperança como

“Estar sentado” é perigoso para a saúde!

A forma como os jornalistas transmitem as notícias merece muitas reservas. No fundo, são uns senhores todos poderosos que escolhem as que no seu entender são suscetíveis de captar a atenção dos ouvintes; quantos mais ouvirem melhor para a sua imagem e bolsa, presumo eu, mas também para incentivar o consumo de alguns produtos. Para o efeito, nada melhor do que enveredar pela área da saúde. Começo a ficar farto das notícias sobre o valor em termos de saúde de certos produtos alimentares. Agora corre por aí uma "maratona" de combate ao colesterol feita à custa de um iogurte. O maratonista, que eu sempre respeitei, foi um dos meus ídolos, dá a cara ao consumo do dito. Antes, noutras campanhas sobre o mesmo produto, figuras da música e do desporto também deram o seu contributo. Ganharam dinheiro? Obviamente, porque não creio que fizessem a publicidade por puro filantropismo. Gostava, sinceramente, de saber se os tais "artistas" acreditam nas virtudes ter

“Sabor da própria morte”

Certas frases e palavras têm a capacidade de nos agredir, de aliviar, de fazer sofrer, de sentir o que é o amor, o desejo, o ódio e, até, o sabor da própria morte. São poucas as que se podem considerar amorfas ou insípidas, mas há outras que são mais destruidoras do que o Vesúvio quando se lembra de incomodar os humanos. A conflitualidade religiosa ou as decisões tomadas em seu nome são, por vezes, iníquas ao esconderem a malignidade humana sob a pretensa magnanimidade do amor a um deus qualquer. O jovem médico no serviço de urgências do velho hospital, que nunca conseguiu adaptar-se às suas funções, descansava, feito porteiro, na noite fria do inverno. Muitas horas já se tinham passado desde que iniciou o seu turno, quase uma dúzia e meia, e ainda faltava meia dúzia, a mais dolorosa, em que o tempo demora a passar. Aquela hora é, habitualmente, uma hora meia-morta, permitindo um breve relaxar. Eis que a noite é interrompida com a entrada de uma mulher, pequena, arranjada à pressa,

Sono do tempo

Tarde cinzenta a querer chorar mas sem vontade. Olha-me com um ar lacrimejante, derramando pequeninas gotas que lentamente acariciam as águas adormecidas acordando-as do seu espelhar de vida. O ar, suave e cálido, tranquiliza o espírito. Um dos raros momentos em que a alma se imobiliza. Sons dispersos, numa cantadeira feliz, inundam o espaço, sem se incomodarem com a presença do ser humano, não lhes interessa. Fazem bem. Folhas secas e enrugadas agarram-se teimosamente aos ramos dos carvalhos. Não caiem, não sabem que já morreram, mesmo que a seu lado brotem novas vidas. O tempo dorme, às tantas sonha, com quê, nem ele sabe, nem irá recordar-se, mas eu estou nele. E se ele não acordasse mais? Sonhar dentro do sono do tempo é o que eu mais queria. Há de chegar esse dia. Na mais bela calma e sem vida.

"Nascidos para a crença"

Não passa um dia em que não leia algo sobre ciência e religião. Um crescendo notável que importa analisar. Saber quais as razões deste fenómeno é perfeitamente natural. Cientistas a descartarem-se da religião e religiosos a tentarem aproximar-se da ciência constituem as principais abordagens ao tema, sem esgotar outras. Um dos principais problemas resulta do facto de alguns pensadores quererem colocar ambas no mesmo plano. A religião procura impor a verdade e a ciência anda à procura dela. A religião "assusta-se" com a ciência, porque teme que as suas verdades absolutas e transcendentais sejam postas em causa por esta última. Uma confusão dos diabos e, também, de alguns cientistas. Li uma afirmação do cardeal patriarca de Lisboa segundo o qual a fé não pode ser analisada ao microscópio: “Há verificações que não se podem fazer nos laboratórios.” E acrescentou: “O impacto de uma experiência religiosa de contacto com Deus não se pode fazer nos laboratórios e não se pode negar. É

Poder e Moral

Divirto-me, é o termo, quando ouço os eticistas a perguntarem a uma audiência o que é que cada um faria no caso de "um comboio ao aproximar-se de uma agulha que dá para duas linhas, numa das quais se encontra um indivíduo e na outra cinco, qual das duas escolheria". A audiência ouve, sente estar perante um dilema, ter de escolher uma solução das duas previsíveis. Ouve-se, porque é fácil concluir, que optariam por matar uma pessoa em vez das cinco. Rio-me. Se estivesse presente na sessão e tivesse que responder diria simplesmente, quando estiver numa situação dessas logo verei. Não sei responder, tenho de a vivenciar e só nessas circunstâncias é que saberei. As regras morais são construídas com o propósito de gerir e apaziguar as tensões dentro de um grupo facilitando a convivência. Alguns afirmam que perante indivíduos em risco de serem sacrificados escolheremos os que não têm qualquer parentesco connosco. Mas as coisas não são tão lineares como isso, apesar da força da selec

Monarquia

Tenho reparado que anda por aí um determinado movimento, nostálgico, que pretende restaurar a monarquia. Apontam várias razões para o efeito, entre as quais pontua o descontentamento com determinadas figuras políticas, como se a alternativa "real" fosse garantia de idoneidade e sinónimo de "virtude". Afirmam, e é verdade, que acabaram com a monarquia "à porra e à maça". Segundo os monárquicos a implantação da república não foi democrática, porque não houve referendo, o povo não foi ouvido, não senhor, não houve referendo, como se a monarquia de então propiciasse meios para esse efeito! Se assim fosse, o negócio das revoluções ia por água abaixo. Não consigo compreender, apesar de inúmeros argumentos dos defensores, que apontam para a beleza, a superioridade e a riqueza das ditas monarquias constitucionais como sendo o melhor regime capaz de solucionar alguns dos nossos problemas, que considerem o direito de "comandar" ou "representar" u

Violência

Sábado. Convidaram-me para a sessão de encerramento de um colóquio sobre Violência Doméstica. Ouvi autoridades policiais, psicólogas, assistente sociais e outras que têm a cargo a responsabilidade de lutar e minimizar este flagelo. Foi agradável. Teve lugar na casa da cultura de Santa Comba Dão. A notícia do acontecimento não teve impacto, o que é perfeitamente natural. Em contrapartida, a "ameaça" ou a "violência" do vinho marca "Salazar" teve honras de primeiro plano nos telejornais e jornais. Santa Comba Dão no seu melhor. Tive que dizer alguma coisa, e disse. O assunto violência não é novo e penso que vale a pena refletir um pouco sobre o mesmo. O homem é um ser agressivo e há razões para isso, até poderia afirmar categoricamente que sem essa característica não teríamos chegado aonde chegámos. Sendo assim, não posso deixar de analisar, ainda que sumariamente, alguns aspetos relacionados com a agressividade comportamental, que tem sido estudada ao long

Cinco de outubro!

Era um catraio despreocupado e já "sabia" o que era o cinco de outubro. Tomara, tive um avô republicano que não se calava sempre que vinha à liça o assunto da república; punha-se a falar de acontecimentos, de pessoas, de greves, de atentados, como se eu estivesse estado presente ou tivesse conhecido os protagonistas! Dissertava, comentava e insultava com um calor especial. Parecia que se embriagava com a história daquele período. Só o via assim quando falava do fim da monarquia e da implantação da república. Também me apercebia de que era crítico de muitas coisas que aconteceram naquele período. Quando chegava ao Estado Novo baixava a voz, remexia-se na cadeira, olhava para os lados, o bigode tremia-lhe e ficava nervoso. Só muitos anos depois é que percebi as razões. Soube o que foi a dureza do regime. Rapidamente ultrapassava a situação, regressando sempre ao cinco de outubro, símbolo da mudança de regime e esperança de um futuro melhor. Mais esperança do que certeza. Mesmo

Aperto de mão!

A Associa çã o Ol í mpica Brit â nica tem vindo a aconselhar os atletas a n ã o se cumprimentarem com o apertar de m ã os porque podem apanhar infe çõ es, as quais, mesmo sendo ligeiras, podem levar à perda de uma medalha nos pr ó ximos jogos ol í mpicos. Para o efeito socorre-se de v á rios estudos. De acordo com os mesmos, quatro a 19% das m ã os, brit â nicas, est ã o contaminadas com bact é rias fecais, sem falar dos v í rus. At é infe çõ es grav í ssimas podem ser provocadas por bact é rias multirresistentes a antibi ó ticos, caso de um estafilococo. Nos Estados Unidos estima-se que numa cerim ó nia de gradua çã o possa ocorrer uma infe çã o provocada por esta bact é ria na sequ ê ncia de 5.200 apertos de m ã os. Tenho acompanhado o desenrolar desta situa çã o que considero algo perigosa. Estou a pensar se n ã o poderei interpretar este conselho como uma manifesta çã o social equivalente a uma perturba çã o obsessiva compulsiva. Na minha terra havia um pasteleiro que n ã

Realidades

Tive contacto pela primeira vez com a filosofia no decurso do antigo s é timo ano do liceu, o equivalente ao atual d é cimo segundo. Recordo-me do livro de capas azuis de Augusto Saraiva que servia de base ao estudo da disciplina. Foi um pouco complicado entrar nestas mat é rias. Comecei com uma jovem professora, bonita, que substitu í ram, ao fim de algumas semanas, por um ex-seminarista que se interessava mais pelas videiras, em cultivar batatas e a apanhar couves do que propriamente ensinar filosofia. Mesmo assim, agarrava-me ao livro, tentando compreender aqueles conceitos. N ã o foi nada f á cil. Aprendi nomes de alguns fil ó sofos e consegui "apreender" uma ou outra ideia. Nunca mais me esqueci de um, Soren Kierkegaard, n ã o sei se pela estranha sonoridade do nome ou se pelo facto de ler que a realidade é condicionada pela nossa forma de ser e sentir as coisas, o que varia, e muito, de pessoa para pessoa. Um conceito simples e ú til para