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A mostrar mensagens de outubro, 2012

Dignidade

Eu sei que certos assuntos são muito delicados e que podem levantar muita controvérsia e até reações emocionais bastante fortes. O melhor a fazer nestes casos é estar quieto e calado, sempre se evitam algumas complicações ou mal entendidos. Acontece que não sou capaz de estar quieto e calado, por isso tenho que expressar a minha opinião. Li uma história que me incomodou, mais uma a somar a outras semelhantes, um caso de uma jovem polaca que engravidou após ter sido violada. A Polónia é um país com uma forte matriz religiosa católica e, nesse contexto, muitas leis são produzidas sob essa orientação e influência, como é o caso do aborto. Mesmo assim, a legislação polaca permite o abortamento no caso de violação. Deste modo, a jovem solicitou a aplicação do seu direito. Aqui começou a sua via-sacra. Foi com a mãe ao hospital da cidade munida do respetivo certificado legal que lhe permitia fazer a interrupção da gravidez. No hospital criaram-lhe inúmeras dificulda

As sete irmãs

(Para os mais pequenos...) Naquela manhã as sete gotinhas irmãs andavam a passear à superfície do mar, todas felizes, mas foi por pouco tempo, o sol lembrou-se de as aquecer; sentiram-se muito leves e começaram a flutuar e a subir para o céu. Gritavam cheias de alegria com o espetáculo, nunca tinham visto nada semelhante, um mar imenso, lindo, tranquilo, de um azul brilhante. Foi a primeira vez que viram este espetáculo, não sabiam que a sua casa era tão grande e tão bela. Foi então que ouviram a voz do vento. - Querem dar uma volta? Querem ver coisas novas? - Sim! Gritaram ao mesmo tempo as manas gotinhas. - Segurem-se bem. Dito isto começou a soprar com muita força e as gotas assustaram-se. À medida que iam voando verificaram que muitas outras gotas subiam apressadamente entupindo o céu. O mar, azul brilhante e tranquilo, começou a ficar inquieto, a mexer-se muito e a ficar escuro, quase negro. Assustaram-se. Sentiam o calor do sol nas costas mas em baixo o escuro era visível e

Cristãos queimam muçulmano vivo em represália por ataque em igreja

Cristãos queimam muçulmano vivo em represália por ataque em igreja Mais um exemplo do fundamentalismo religioso! Esquecem-se de que uma vida vale mais do que qualquer religião.

Jogo

Em pequeno, de vez em quando, o meu avô entregava-me um envelope com dinheiro para ir à casa do Sr. V. pagar a renda do edifício. Não era muito longe e sentia que me era confiada uma grande responsabilidade. Fazia o que me mandava. Batia à porta, subia a longa escadaria e cumprimentava as senhoras muito educadamente, as quais se metiam comigo, dando-me bolachas, um precioso pedaço de bolo ou uma fatia de pão barrada com uma espessa e muito saborosa marmelada. Ao fim de algum tempo, o carrancudo e antipático senhorio, sem um sorriso e sem duas palavras, entregava-me o recibo e emitia um grunhido, toma, e eu abalava pelas escadas abaixo o mais rapidamente possível. Que besta! Numa altura, estava a receber novamente o envelope para entregar ao senhor, desabafei com o meu avô, dizendo-lhe que o senhor era muito antipático e por isso preferia não ir. Ele riu-se e confirmou que também não gostava nada de o ver ou de o ouvir, porque tinha feito uma coisa muito feia. O que é que ele fez? Tu

Boa sorte D.

As crianças para entrarem no mundo dos adultos percorrem em primeiro o mundo da fantasia, não sei se para amenizar a frustração do futuro ou se para aprender valores e princípios. O que eu sei é que adoram histórias de príncipes, de princesas, de bruxas más, de fadas, de animais que falam e que são capazes de peripécias e aventuras das mais mirabolantes, mas têm que respeitar uma regra de ouro, terminar sempre bem, do género “casaram e foram felizes para sempre”, em Espanha é um pouco diferente, são mais pragmáticos, "foram felizes e comeram perdizes”. A vida está muito longe da fantasia, o tempo encarrega-se de o demonstrar. O rapaz, africano, apareceu na rua, magro, pequeno, demonstrava dificuldades na marcha. Ao fim de algum tempo já sabíamos onde morava, num anexo de uma mansão. Quem era? Um jovem que em criança tinha sido trazido de Luanda, vítima de uma mina, como tantas outras que em Angola foram objeto de uma prática ignóbil. Ficou sem as duas pernas. Foi um colega,

"Genocídio moral"!

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Estou perfeitamente convicto que as diferentes formas de intolerância têm como objetivo justificar a identidade de um povo, de uma comunidade, de uma crença ou de uma ideologia. Ao encontrar "defeitos" nos outros torna-se mais fácil convencerem-se da sua superioridade moral. Talvez seja essa a razão dos grupos conservadores russos que têm vindo a fazer uma guerra contra a homossexualidade. A recente ida de Madonna à Rússia desencadeou uma onda de protestos devido à atitude "provocatória" da cantora norte-americana. O mal-estar russo, que tem o máximo de representatividade numa espécie de "polícia dos bons costumes", não se ficou pelo show da artista, até produtos publicitários, caso de produtos lácteos, em que nas embalagens surge um arco-íris atrás da figura de um homem, estão a ser objeto de manifestações na medida em que as cores do arco-íris se identificam com a bandeira "gay". A loucura tem destas coisas, e, por este andar, até as histór

"Aquela velha Tileira"

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O tempo cinzento afastou-me de casa e tive de procurar um destino. Esbarrei numa centenária tileira e num belo poema. Folhas amareladas prenunciavam o destino da bela árvore. Hoje via-a, das outras não! Como foi possível não a ter visto como hoje? Nunca paramos o tempo suficiente para ver uma maravilha mesmo que seja deste tamanho. Vou voltar para a ver, nua e quando se vestir novamente, fresca, largando o perfume que mais aprecio atiçado pelo calor da noite.   (...) Aquela velha Tileira Que em chegando o Outono, Se despe ingenuamente E fica nua, fica triste, Dando o corpo ao seu dono. A sua bela folhagem, Tudo que tem de melhor, Que seria até vaidade. E continua despida Quando o inverno aparece, Resistindo à investida Dum tempo que não merece, Mas logo que o tempo passe E a Primavera aproxima, Sua carícia de sol, Ela, a nobre Tileira, Farta de estar inativa, Dá de vez sua primeira Sensação de reanimar. Qu

Poluição, ciência e ética

Quando é que o homem se terá apercebido da existência da poluição? Talvez quando olhou para o fogo e sentiu os seus efeitos, muito antes de a nossa espécie ter aparecido. Quem sabe se a sua domesticação não terá sido determinante para o nosso aparecimento, evolução e atuais características que nos distinguem dos outros animais e homínineos? Aquilo que hoje nos preocupa, e muito, a poluição, poderá ter sido no início um dos fatores de evolução da espécie humana, do crescimento demográfico, da colonização planetária e mãe de todas as culturas. Esta breve reflexão tem como objetivo não só fazer um enquadramento do problema mas mostrar a outra face da mesma moeda e saber como conjugar as duas, sem cairmos no relativismo da importância de cada uma delas, nessa forma tão tradicional de vermos os problemas, simples, sem dúvida, mas ineficaz, que é a visão dicotómica do mundo que nos cerca. O homem trouxe o fogo para dentro de casa, os alimentos tornaram-se mais digestíveis, o conforto mais a

Memento mori

Uma estranha sensação de conforto, quase que diria voluptuosa, começou a conquistar o meu corpo procurando adormecer a alma. Encontrou-a. Não ofereci qualquer resistência, o silêncio da noite, quente, suave, tranquilo, inundou o mundo de paz. O pequeno écran continuava a debitar imagens e sons, que não via nem ouvia. Emergi do sono, não sei quem foi o responsável, se eu, para fugir à morte aparente ou se a morte brutal, inaudita, descrita violentamente num documentário entretanto em exibição. Descrevia o genocídio do Darfur, onde homens, partilhando a mesma religião, revelaram mais uma vez a verdadeira essência da maldade e do ódio. Estranho nacionalismo a reviver outros genocídios, Ruanda, Camboja, Sérvia, Rohingya, para falar dos mais recentes, e que violam a promessa do "nunca mais", expressão criada após o Holocausto. Nunca compreendi muito bem a essência do nacionalismo, mas presumo que é uma forma de acreditar que é possível viver fazendo parte de um grande todo. Será

Fantasia...

O mundo deve ter sido criado num momento de irreflexão, talvez fruto de um desejo, de uma paixão momentânea, mas nunca com base na razão, nunca. Perante o que vemos em nosso redor, e o que nos precedeu, terror, miséria, vingança, sangue e predação constante, viver constitui um tormento difícil de aceitar e de digerir. Mesmos os momentos mais prazenteiros, delicados, finos, artísticos, amorosos, caritativos, e inspiradores são ou foram curtos instantâneos que permitem apenas manter uma estranha e vã esperança em dias melhores ou numa melhor humanidade, mas não passam de ilusões num devir estupidificante que sabe adaptar-se às novas tecnologias e criações ao nosso dispor. Talvez o "sucesso" ou a beleza da criatividade sejam devidos à natural capacidade destruidora e predadora do homem, uma tentativa de esconjurar uma natureza pérfida ou meio pérfida, apenas para não reduzir à forma mais negativa a sua maneira de ser. Um ciclo estranho para o qual não há maneira de quebrar; nem

Benfiquista de uma figa!

Segunda-feira é um dia de trabalho violento, começo cedo e acabo tarde, uma espécie de duche escocês, aulas, consultas, mais aulas, reuniões, sobreposição de compromissos, a desejar a ubiquidade do Santo António, enfim, um teste à loucura. Vou aguentando, se aguento a segunda-feira, então vou aguentar o resto da semana. Chego a casa. Toco à campainha, sempre evito usar a chave. Ouço os passos da canalhada a perguntar, quem é? Divirto-me com este jogo. O neto do meio abre a porta, muito feliz, e apresenta-se vestido com uma camisola do Benfica. Mas o que é isso? Perguntei-lhe. A alegria do miúdo era contagiante, enfiado dentro daquele albernó a arrastar pelo chão. Ao virar-me as costas vi um 17 circundado por Carlos Martins. E o miúdo corria pelo corredor gritando, Benfica, Benfica. Sacana, pensei, traidor. Começaste pelo Porto e agora passaste a benfiquista. A mãe ria-se que nem uma perdida perante a cena, o neto a provocar o portista do avô. Foi então que me disse que a camisola es

Chocolate e capacidades cognitivas

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Como epidemiologista estou sempre à coca para analisar certas notícias que saem na comunicação social. Os assuntos relacionados com a saúde são muito apetecíveis quer para quem os transmite quer para quem os lê. A doença assusta qualquer um, mesmo os mais afoitos, e, por isso mesmo, tudo o que venha a propósito para a preservar é bem-vindo, e se for acompanhado de prazer tanto melhor. Quando isto acontece, associação “saúde e prazer”, é porque devem existir outros motivos, não propriamente o desejo de mais saúde para o próximo, mas o desejo de mais dinheiro para si ou para quem representa. Uma observação a exigir uma análise mais profunda. Fica para depois. Numa das mais prestigiadas revistas médicas mundiais, The New England Journal of Medicine , foi publicado recentemente um pequeno artigo , designado como "nota ocasional", uma nova forma de publicar artigos, em que o autor, Franz Messerli, aborda os efeitos benéficos do chocolate. No final do artigo, o autor faz aquil

Cicatrizes da alma

Entrou com um sorriso fresco, rasgado e estranhamente suave, como se fosse obrigada a partilhar a felicidade que sentia. A conversa flu í a normalmente at é ao momento em que lhe perguntei se tinha tido alguma doen ç a relevante; abrandou um pouco a intensidade do discurso e esmoreceu o sorriso, coisa de um piscar de olhos; foi t ã o r á pido que passaria despercebido caso n ã o estivesse a olh á -la. Estive de baixa durante tr ê s anos por causa de um linfoma. Estive muito mal, mas, gra ç as a uma nova terap ê utica, recuperei, n ã o sei at é quando, nem quero lembrar-me de que estive mais de um ano deitada sem poder fazer nada. Via-se a pairar entre n ó s uma estranha mistura de medo, de sofrimento, de alegria e de esperan ç a. N ã o quis, obviamente, aprofundar mais a situa çã o, para mim era suficiente, e, perante a sua atual situa çã o, limitei-me a tomar algumas medidas que pudessem n ã o prejudicar o seu estado de sa ú de, medidas sensatas e adequadas à

Prémio Nobel da Medicina

Não me telefonaram no dia em que foi anunciado o vencedor do prémio Nobel da Medicina. Às tantas, pensei, a jornalista da rádio que costuma fazer a reportagem já deve ter sido despedida ou, então, deve estar de folga. Não sei como tudo começou, mas há alguns anos fizeram-me um conjunto de perguntas sobre a importância de uma descoberta que esteve na base da atribuição do prémio. Desenvencilhei-me como pude, naturalmente. Depois, o meu número do telemóvel deverá ter ficado associado a este evento e, todos os anos, a jornalista voltava, simpaticamente, à carga para um curto comentário, como se fosse uma espécie de "perito comentador" sobre vencedores dos prémios Nobel. O que me preocupava mais era o facto de eu só saber quem era o vencedor, e o porquê, na hora, o que me poderia causar alguns engulhos, mas sempre consegui desembaraçar-me, realçando o impacto da descoberta. Este ano, o assunto é um dos mais aliciantes. Curiosamente, constitui um dos temas que me te

Olga

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Sempre que olho para a Rússia pressinto que os velhos tiques da ditadura vermelha continuam a fazer das suas. Há certos comportamentos que não se perdem por mais voltas que se deem, é algo intrínseco, faz parte da cultura dos povos. O caso concreto que irei abordar comprova, penso eu, esta visão. Foi presa uma cientista, de sua graça, Olga Zelenina, acusada de auxiliar traficantes de droga. O é que a senhora fez para ser objeto de tão grave acusação? Elaborou, na sua qualidade de perita em química analítica, relatórios para a defesa de um homem de negócios, Sérgio Shilov, sob investigação por tráfico de narcóticos. Avaliou a concentração de opiáceos numa importação de sementes de papoila para serem usadas na alimentação, pão e bolos. As sementes de papoila (Papaver somniferum) não contém alcaloides, estas substâncias aparecem noutras partes da planta. Na embarcação que levou de Espanha para Rússia as sementes de papoila, Zelenina verificou que as concentrações eram desprezívei

Má conduta

A determinada altura falei do erro médico, algo a que nenhum clínico consegue fugir, uma fatalidade marcada pela imprevisibilidade de inúmeros acontecimentos que nos fogem ao controlo. Nem os deuses conseguem dominar a natureza humana quanto mais um ser humano. Expliquei-lhes que ninguém consegue evitá-lo, mas podemos minimizá-lo, facto que está ao nosso alcance, desde que dominemos algumas técnicas, técnicas e princípios que me compete descrever e ensinar. Olharam-me em silêncio. Todos os que estão neste auditório irão cometer erros, todos, afirmei com solenidade. Para vivermos com eles temos de compreender as razões do mesmo, evitando que nos acusem de negligência ou que o remorso corroa a nossa alma, porque uma alma corroída procura sempre novos erros. Erro é diferente de negligência, erro é diferente de má conduta médica. O erro é previsível, é aceitável e com alguma frequência impossível de evitar. Não é a falta de sabedoria ou de honestidade que o faz emergir dentro do oceano

Para a Mariana

Vejo-a todos os anos. Uma rotina que a obrigatoriedade da lei impõe. Lembro-me de a ter visto pela primeira vez há mais de dezasseis anos. Na altura contou-me a história das suas filhas gémeas, iguais como duas gotas de água que ao nascer sofreram destinos diferentes, uma ficou sã enquanto a segunda, por maldição do destino, ficou com uma gravíssima paralisia cerebral. Duas gémeas transformadas em dois seres diferentes, que o tempo se encarregou de comprovar. A primeira vez que ouvi a história fiquei incomodado, o raio da profissão nunca conseguiu nem consegue imunizar os meus sentimentos, provocando-me verdadeiras lacerações da alma que nem em cicatrizes conseguem transformar-se, porque são chagas vivas que a todo o momento gritam de dor e de incompreensão. Nunca vi a menina, mas fui acompanhando-a através dos relatos da mãe, até que, há quase quatro anos tive conhecimento do seu passamento. Avisaram-me um pouco antes da consulta. A senhora entrou e vi o seu estado de alma, contou-me

"Medo"

No livro "O medo", de Zweig, Irene personifica o medo, essa forma horrorosa de saber que está viva ao ser alvo de interesse de outro ser humano que a sabe explorar em seu proveito os seus desejos e intimidade. O livro atrai-me e repulsa-me ao mesmo tempo. Atrai-me pela profundidade e minúcia com que o autor disseca a alma humana e repulsa-me porque faz reviver os meus próprio medos. Ficção? Sim, mas nem por isso deixa de ser verdadeira e se for necessário também posso recuar ao dia de São Valentim de 1989, quando Khomeini declarou a fatwa sobre Salman Rushdie. Passados estes anos, é estimulante ler o relato do escritor sobre a sua condenação à morte e a forma distante como analisa o ocorrido, sobretudo o seu medo. Viver escondido por medo é horrível, é um corroer permanente das entranhas. O medo constitui o mecanismo mais elementar de sobrevivência, sem medo não existiríamos, mas quando se prolonga no tempo ou quando se estende a outras esferas passa a constituir uma font