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Matança de crianças

  Sou frequentemente assaltado não pela dúvida mas pelo desespero face a acontecimentos que não consigo entender, sobretudo se as vítimas não têm qualquer responsabilidade ou participação. Sou frequentemente assaltado pela tristeza e até incompreensão face ao sofrimento atroz que atinge muitas pessoas, sobretudo os mais pequenos, inocentes vilipendiados perante uma natureza indiferente ao homem, embora não a possa considerar como cruel. A crueldade é própria apenas de alguns humanos quando cometem crimes hediondos, como foi o caso de mais uma matança de crianças. Não é a primeira vez que tal acontece, outras já ocorreram e muitas mais irão acontecer no futuro, testemunhando a perversidade da natureza humana praticamente imune a todos os códigos de conduta e princípios religiosos. Assalta-me a angústia dos que pretendem justificar tamanhos e criminosos atos, de que deus não tem nada a ver com isto. Argumentam que o homem é dotado de livre arbítrio e como tal o único respon

Santa Luzia

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Não me recordo muito bem. Deve ter sido há mais de vinte anos. Fui sem vontade e com a alma atormentada para as bandas da Escandinávia. Foi a primeira vez que cheguei a um local onde a noite era rainha. O frio nunca me perturbou, mas a distância e a negrura da alma intensificavam-me a dor. A obrigação impôs-se sem se importar com o que eu sentia ou pensava. Levantava-me de noite e almoçava durante o crepúsculo, e de tarde, que coisa mais estranha chamar tarde à noite prematura, sentia a falta de tudo, da luz e do calor da minha terra e da minha casa. Pedi um dia autorização para um curto intervalo e perguntei qual era o edifício mais alto da cidade. Entreolharam-se com tão inusitada pergunta e, amavelmente, indicaram-me um. Não era muito alto, a cidade era baixa, mas foi o suficiente para espreitar que lá em baixo, no horizonte, girava, melancolicamente, a cabeça de um arco avermelhado, testemunha da imagem do sol, que sabia ser visto em todo o seu doirado no meu país. Senti a s

Granito com vida

Certos espaços fazem-me recuar no tempo, no tempo real e no tempo virtual. Vejo-os vezes sem conta e sem contar acabo por fantasiar. Sento-me no carro e olho para a fachada. Bela, sedutora, uma renda de granito que deve ter levado anos a executar. Cheia de símbolos, harmoniosa e esfomeada de sol. Há mais de duzentos anos foi esculpida num granito duro. Pique, pique, pique e as lascas ao soltarem-se iam deixando transparecer uma joia delicada. Imagino os autores, pequenos, magros, tossindo a torto e a direito, não devido ao tabaco, mas ao pó, barbas selvagens, bebendo mistura de vinho e água a partir de cabaças obesas e encardidas, mastigando cebolas com sal, roendo figos secos e comendo pão com toucinho rançoso. A encomenda saía-lhes como água fresca da fonte. Persignavam-se nos momentos certos, rezavam ao sabor do sino e refreavam os seus temores com a benção dos religiosos. Os seus ossos já não devem existir ou, então, já não sabem onde os deixaram, pouco importa, o que interessa é

"Affluenza"

Respeito e admiro imenso as pessoas que ajudam as demais em atos de solidariedade e de amor. Faz parte da essência de algumas almas e sempre minimizam algum sofrimento. Há pouco tempo a responsável máxima do Banco Alimentar despertou reações intensas de oposição porque esbarrou, sem qualquer espécie de dúvida, contra alguns interesses ideológicos. Não é que não tenha o direito a exprimir as suas opiniões, mas o simples facto de estar constantemente "visível" pode despertar alguma animosidade. Há quem veja interesses mais ou menos obscuros, há quem interprete a iniciativa como sinónimo de defesa de doutrinas específicas, há quem veja, inclusive, um obstáculo contra as próprias causas que estão na base da pobreza gerada pela sociedade. Enfim, há interpretações para todos os gostos, como não poderia deixar de ser. São muitas as organizações que neste país se dedicam a auxiliar o próximo, muitas delas praticamente desconhecidas e que mesmo assim conseguem atingir os seus obj

Para quê? Para nada.

Para quê? Para nada. Tudo termina e um dia o descanso surgirá finalmente, um descanso que só se alcança depois de ultrapassar o extenso deserto da ansiedade. Até para descansar é necessário caminhar sobre vidros do sofrimento. Para quê? Para nada. Apontam-nos e acenam-nos com ilusões, só ilusões, porque a esperança é feita desse tecido imaginário. Os que acreditam ainda conseguem iludir a dor, mas não deve ser por muito tempo, porque o seu fundo sabe que tudo não passa de uma fantasia sem interesse e sem razão. Não há razão que justifique tamanha incerteza e nem há pensamento que explique a vida, nada faz qualquer sentido, apenas durante o tempo em que conseguimos iludir-nos a nós próprios, mera e passageira fantasia que se esgota no próprio tempo, cínico e falso companheiro de todos os minutos da existência. Para quê? Para nada. Mais valia adormecer para sempre embrulhado em sonhos de fantasmas, sempre seria mais consentâneo com a realidade e com o desejo. Não se entendem? Para quê

Radicalismos

O espetro político ou ideológico é muito vasto e traduz mesmo um continuum que vai da esquerda radical ao ultraconservadorismo da direita. Nas sociedades que estão em equilíbrio social e económico estas franjas constituem uma pequena fração perfeitamente controlada pelos cidadãos e forças sociais e políticas. Quando começam a ocorrer desequilíbrios, como é o caso presente, o desconforto generaliza-se como um vírus altamente contagioso e extremam-se certas posições. Muitos dos que foram, e ainda são, o garante da estabilidade da paz social apresentam sinais de polarização que se acentuam dia para dia deixando vazio um espaço vital. Basta estar atento, ouvindo os comentários do cidadão comum ou lendo os desabafos e críticas nas redes sociais, sobretudo aqueles que ainda há pouco tempo não faziam qualquer mossa nem manifestavam tal tendência, para confirmar esta preocupação. Os que se posicionam à “direita” afastam-se cada vez mais para o polo conservador, e até me

Mentiras, verdades e publicidade.

Em 1999 foi desencadeado um inquérito sobre uma eventual conspiração entre as tabaqueiras para esconderem do público os efeitos nocivos do tabaco. Durante mais de cinquenta anos as tabaqueiras fizeram um cambalacho notável de modo a promover os seus produtos utilizando inclusive aditivos com o objetivo de provocar maior dependência. Agora, finalmente, foram condenadas a admitir publicamente o que fizeram nesse sentido. O Supremo Tribunal norte-americano foi contundente obrigando à retratação pública focando cinco pontos, efeitos adversos para a saúde, as consequências para os fumadores passivos, o poder aditivo da nicotina, a mentira sobre os produtos light e os erros publicitários sobre estas mentiras. Durante dois anos terão de comunicar as suas atividades através da comunicação social e dos próprios maços de cigarro. Vai ser muito interessante ler as novas frases. A reação das tabaqueiras foi curiosa, pediram escusa às medidas de correção, porque consideram que estas decisões têm