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Ruído e diabetes

A saúde e a doença são duas faces da mesma moeda, nunca andam separadas e nem podem. Querer conhecer as razões que nos levam à doença, ao sofrimento e à morte é um mero imperativo da consciência e inteligência humana. Desde que fez a primeira pergunta, - qual terá sido? “por que é que estou aqui”, ou terá dito, “chiça, aleijei-me, não quero cair noutra" – que nunca mais deixou de questionar, e ainda bem. Acontece que muitas doenças têm causas evidentes, ditas maiores, às quais são atribuídas uma responsabilidade quase total. No entanto, as coisas não são bem assim, há fatores que, aparentemente, não têm relação direta mas que podem contribuir para o aparecimento das maleitas. Veja-se o caso da diabetes, todo o discurso causal e preventivo é sempre feito à volta da mesma tríade, hereditariedade, maus hábitos alimentares e falta de exercício. Acontece que, por vezes, surgem outros elementos, não tão gritantes como aqueles três da vigairada, mas com algum papel de relevo. É o c

"Bombas-de-rabear"

Já compreendi melhor o carnaval, ou melhor, já o senti sem o perceber. Em criança éramos iniciados nesta festividade com extraordinária facilidade. Se a brincadeira era a melhor forma de vida ao longo do ano, um divertimento deste tipo atraía qualquer um, e, além de mais, não tínhamos aulas até à maldita quarta-feira de cinzas em que passávamos dos oito aos oitenta. A partir daqui nada de brincadeiras, pelo menos as mais aparatosas e visíveis ao olhar dos adultos, tínhamos de refrear a língua a que se juntava a obrigatoriedade de um cinzentismo patético com muito pouco riso. Era a mesma coisa que entrar num deserto de tristeza onde imperavam normas sociais e religiosas bastante apertadas, aliviadas apenas a meio da Quaresma, em que se chegavam a realizar os desejados bailes de micarême para compensar a excessiva abstinência. Abstinência a que não era estranha a imposição de dietas rigorosas, com as quais embirrava, mas o facto de ser criança sempre ajudava a furar o regime. O des

São Brás

Soube desde muito pequeno que o dia 3 de fevereiro era dedicado a São Brás e o dia 2 à Nossa Senhora das Candeias, tudo por causa da minha mãe que nasceu a três e do seu pai a dois, avó que nunca conheci. Ouvi-a contar histórias de romarias à Nossa Senhora das Candeias, que para mim se traduziam em procissões em que as pessoas deveriam levar as típicas candeias, algumas das quais ainda havia lá em casa. Punha-me a imaginar as festividades e perguntava para quê "candeias". - Para alumiar os nossos caminhos, dizia. Claro, pensava, de noite dá muito jeito levar uma candeia pelos caminhos. - Não é para alumiar os caminhos, é para alumiar as almas, para que não façam disparates. - As almas precisam de candeias? Então, elas não veem no escuro? - Veem, mas olha lá, não consegues fazer outro tipo de perguntas? - Consigo. E para que serve o São Brás? - Para curar as doenças da garganta. - Ai sim? Então por que é que o Brás, que tem o nome do santo, anda com aquelas escrófulas no pes

Diabetes

Falar de diabetes é falar de doença, e a doença assusta, faz sofrer e mata. O homem não quer sofrer, mas é-lhe vedado esse privilégio, porque a vida nasceu e faz-se à custa de mecanismos que estão na génese da doença. A doença é um atributo da vida, faz parte da vida e é tão antiga como a própria vida. Dentro das inúmeras doenças que nos afligem, a diabetes não é mais do que uma expressão da adaptação ao meio em que vivemos, umas vezes melhor, outras, a maioria, nem por isso. O ambiente fez-nos e moldou-nos durante milhões de anos, a começar pelos antepassados mais remotos. Quando nos apercebemos de que poderíamos construir um novo ambiente, mais adequado às nossas aspirações e desejos, graças a uma inteligência sui generis , permitindo ter conforto, prazer e qualidade de vida, mal sonhávamos que teríamos de pagar um tributo pesado com doenças que hoje nos atormentam e provocam graves problemas sociais, económicos e de cuidados de saúde suscetíveis de perturb

"Castrati"

Li uma notícia que me divertiu e que parece ter incomodado as mais altas individualidades do país. No decurso da abertura do Ano Judicial o bastonário da Ordem dos Advogados terminou a sua intervenção com o famoso poema de Ary dos Santos, "Poeta castrado, não!", trocando "poeta" por "advogado". Imagino o efeito produzido naquela sala onde nos é dado a contemplar o formalismo na sua pureza, pelo menos é essa a minha perceção.  Estou convencido de que ficará nos anais da justiça portuguesa, pela forma e pelo conteúdo das suas afirmações. Não me pronuncio sobre as suas intervenções, que começam a ser previsíveis em termos de provocação e frontalidade. É o seu estilo, cultiva-o, é facilmente compreendido e consegue passar as mensagens com muita facilidade, uma verdadeira arte de comunicar. Podemos ou não concordar com ele, mas há algo que não se lhe pode negar, revela sinceridade e espontaneidade, e tem arcaboiço mais do que suficiente para suportar quaisq

Cães

Lembro-me de algumas histórias ocorridas com cães, umas agradáveis e outras nem por isso. Em pequeno fugia como o diabo da cruz quando os via. Assustavam-me muito quando ladravam e quando me fitavam calados. No primeiro caso interpretava como um sinal de hostilidade e no segundo como uma ameaça iminente de ser atacado. Fugia. Sabe-se lá o que é que estariam a pensar de mim. Para comprovar as minhas preocupações, um cãozito rafeiro, Piloto de seu nome, lembrou-se um dia, à calada, de ferrar a sua bocarra no meu traseiro. Estava a acenar, no final de uma tarde de verão, ao comboio rápido das sete. Sacana. Doeu que se fartou e, depois, o mercurocromo fez o resto. Dois dias de rabo alçado. Se tinha medo com mais medo fiquei. Mais tarde, o Pinóquio, quem sabe se a reencarnação do anterior, nunca me chateou, nunca me ladrou, mas era um animal esquisito, sofria de satiríase à enésima potência. Chegava a desaparecer dias seguidos. Quando perguntava por ele ao dono, respondia-me, "foi às

Dois sítios

Há sítios que obrigam a encontrar-nos, encantam, seduzem e tranquilizam. Não são muitos, mas existem. É preciso procurá-los ou deixar que nos procurem. Opto pelos últimos.  Dois momentos despertados pelo trabalho, dois locais distintos, dois pontos diferentes, duas fontes de emoções, duas atmosferas de reflexões, dois impulsos da alma e duas explosões de escrita. Transcrevo-os. "Estou no meu sítio. Encontrei-o. Sinto-me bem. Quem diria que que num espaço destes pudesse encontrar-me também. Olho em redor e não há frio nem calor, nem sombra de dor. Olho em redor e sinto calor, mesmo num dia frio. Que estranha sensação. Que deliciosa sensação. Desde cedinho que tudo fiz para estar aqui e dispor o pouco tempo que iria receber, aumentei-o, dilatei-o e transformei-o no meu tempo, tempo de tranquilidade, tempo de paz, tempo de saúde, tempo que não quero que se mova, que não ande, que pare, se possível de vez, porque eu sei que há de chegar a minha vez.  Encontrei o meu espa