Avançar para o conteúdo principal

Diabetes



Falar de diabetes é falar de doença, e a doença assusta, faz sofrer e mata.
O homem não quer sofrer, mas é-lhe vedado esse privilégio, porque a vida nasceu e faz-se à custa de mecanismos que estão na génese da doença. A doença é um atributo da vida, faz parte da vida e é tão antiga como a própria vida.
Dentro das inúmeras doenças que nos afligem, a diabetes não é mais do que uma expressão da adaptação ao meio em que vivemos, umas vezes melhor, outras, a maioria, nem por isso.
O ambiente fez-nos e moldou-nos durante milhões de anos, a começar pelos antepassados mais remotos. Quando nos apercebemos de que poderíamos construir um novo ambiente, mais adequado às nossas aspirações e desejos, graças a uma inteligência sui generis, permitindo ter conforto, prazer e qualidade de vida, mal sonhávamos que teríamos de pagar um tributo pesado com doenças que hoje nos atormentam e provocam graves problemas sociais, económicos e de cuidados de saúde suscetíveis de perturbar o frágil equilíbrio social, verdadeiro fio da navalha da existência hodierna.
Graças às conquistas civilizacionais, vivemos melhor, com mais qualidade, com mais saúde e durante muito mais tempo, muito mais do que seria de esperar, logo, as doenças têm de se manifestar, uma fatalidade que dificilmente será contornável.
A diabetes, doença “evolucionária”, transformou-se na mais grave de todas, a ponto de constituir a principal fonte de preocupações. Terá, podemos dizer, contribuído para o progresso civilizacional, mas acabou por ser a principal doença da civilização.
Não há órgão que não seja atingido, através de lesões arteriais, coração, cérebro, rins, olhos, levando a uma lenta “decomposição” do corpo em vida, quase sempre da forma mais traiçoeira, silenciosamente.
Os dados epidemiológicos assustam, quer estejamos no mundo ocidental ou nos povos em desenvolvimento. A prevalência aumenta a cada dia que passa. Apesar de não ter cura, conhece-se muito a seu propósito, havendo tratamentos adequados para a controlar e medidas extraordinariamente eficientes para a prevenir.
É imprescindível o diagnóstico precoce, são necessárias medidas de intervenção para controlo e exigem-se boas soluções políticas. Suficiente? Não. É preciso muito mais, interiorização do problema por parte das pessoas que sofram de diabetes e dos potenciais doentes e adequada vigilância e adesão à terapêutica dos sofredores, aspetos que são frequentemente descurados.
Sendo uma doença da civilização, não é difícil compreender o porquê. Come-se em demasia, o acesso aos alimentos está ao virar de qualquer esquina e a promoção ao consumo de produtos diabetogénicos é uma realidade altamente lucrativa. Se adicionarmos aos anteriores a falta de exercício, determinada pelas novas formas de vida, que entram em flagrante conflito com os objetivos deterministas da nossa fisiologia, compreenderemos muito melhor esta problemática. Convém esclarecer um outro fenómeno, a capacidade de envelhecer. Deste modo, está praticamente completado o grupo das principais razões do incremento da diabetes, sem prejuízo de muitas outras, que são também interessantes.
A diabetes é uma doença social, para a combater são necessárias muitas medidas, comer menos e melhor, exercitar o corpo de forma continuada, explicar e fazer compreender as suas causas e consequências, convidar à mudança de hábitos, modificando as condições de trabalho, lutando contra a poluição, rearranjando a forma de transporte, legislando sobre atos que promovam a prevenção, caso da publicidade, além das medidas de cuidados de saúde propriamente ditos. Deve ser considerada uma doença social, mas é também uma doença política. Sem medidas adequadas nesta última área é certo e sabido que dificilmente se conseguirá travar e retardar o seu aparecimento. Estamos perante uma maleita que “escapa” ao controlo exclusivo dos profissionais de saúde. Em termos políticos, esta doença passa não só pelo ministério da saúde, mas, sobretudo, pelos da educação, cultura, trabalho, ambiente, agricultura e transportes. Quem diria que a solução passa por estes setores? Mas é uma verdade inquestionável e, enquanto não houver um verdadeiro envolvimento a este nível, não há maneira de a controlar. Entretanto, os custos e o sofrimento pessoal e coletivo continuarão a marcar a nossa existência empobrecendo um país já per si paupérrimo.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fugir

Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

Guerra da Flandres...

Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão. Exmas autoridades. Caros concidadãos e concidadãs. Hoje, Dia de Portugal, vou usar da palavra na dupla qualidade de cidadão e de Presidente da Assembleia Municipal. Palavra. A palavra está associada ao nascer do homem, a palavra vive com o homem, mas a palavra não morre com o homem. A palavra, na sua expressão oral, escrita ou no silêncio do pensamento, representa aquilo que interpreto como sendo a verdadeira essência da alma. A alma existe graças à palavra. A palavra é o seu corpo, é a forma que encontro para lhe dar vida. Hoje, vou utilizá-la para ressuscitar no nosso ideário corpos violentados pela guerra, buscando-os a um passado um pouco longínquo, trazendo-os à nossa presença para que possam conviver connosco, partilhando ideias, valores, dores, sofrimentos e, também, alegrias nunca vividas. Quando somos pequenos vamos lentamente percebendo o sentido das palavras, umas vezes é fácil, mas outr...