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Imaginação

Os miúdos quando chegam a determinadas idades gostam de se transformar em super-heróis, talvez por se aperceberem da pobreza e limitação da realidade. Agora, graças às novas tecnologias, iniciam-se mais cedo nesta arte de transformação. Inicio esta reflexão em consequência de um pequeno relato que ouvi ao chegar a casa. Um miúdo, que deve ter cinco anos de vida, gosta de acariciar as pernas da minha filha do meio sempre que vai ao colégio buscar a neta. Surpreendida por este comportamento repetitivo, acabou por o interpelar perguntando as razões daquele ritual. O miúdo explicou-lhe que gostava das meias, que são habitualmente garridas, coloridas ao cubo, com desenhos capazes de chamar a atenção dos mais novos aos mais velhos. Mas, ao mesmo tempo que lhe ia dando as explicações, contra-atacou dizendo-lhe: - Sabes que eu tenho muitos poderes? - Poderes? - Sim, muitos, eu sou um super-herói. Estás a ver? Eu não preciso de me vestir de super-herói, imagino que estou vestido. Eu consig

Fingimento

Não estou acostumado a tardes com muito sentido, porque são tardes afogadas em compromissos, e a de hoje, então, não foi grande coisa. Descomprometi-me. Não sei para quê. Estou arrependido. Fui ao centro comercial e vi poucas pessoas. Pessoas que fingiam comprar, que fingiam vender, que fingiam passear, que fingiam viver. Entristeceram-me. Comprei dois tinteiros de tinta para as impressoras. Esqueço-me frequentemente de ter uma reserva e, por vezes, sai asneira. Um alívio, pelo menos consegui adiar a próxima falta de impressão, o que constitui uma boa notícia. Chafurdei na livraria à procura de algo que me seduzisse. Comecei a sentir uns estranhos avisos como se a minha consciência quisesse advertir-me para o facto de andar arredado deste tipo de compras. Dar prioridade à compra de tinteiros em vez de livros nem parece teu, tive a sensação de ouvir lá no fundo. Não me chateeis, respondi-lhe forte e grosso no silêncio do pensamento. Mesmo assim fui compelido a pegar na "Mortalidad

Massa do tempo...

Debilitado fisicamente, fiquei na expectativa de poder usufruir um curto momento de reflexão e de tranquilidade à hora do almoço. Não preciso de muito tempo, eu próprio consigo transformar o breve num longo e suave suspiro. Consigo estender o tempo para além do tempo sem dar conta da passagem do tempo. Mistério do tempo. As horas passavam e nunca mais via chegar o momento desejado. À debilidade física associou-se uma espécie de debilidade emocional. Desisti. Hoje não vou ter tempo de ver correr o tempo da maneira que eu gosto, a única em que não sinto o seu peso e tormentos. Em primeiro lugar estão os deveres e as regras mundanas. Fica para a próxima. Cumpri. Eis que me informaram que iria ter tempo livre durante a tarde, muito tempo, tempo demais, inclusive. Sendo assim, vou dar uma volta, não para matar o tempo, não tenho esse instinto, nem esse direito, mas sim para andar, para ver, para encontrar não sei o quê, mas acabo sempre por encontrar qualquer coisa e quando não encontro, e

"Peccatum contra naturam"

A Terra é um belo calhau que não se cansa de girar em torno do Sol. Não conheço outros planetas, vivi sempre neste, embora gostasse de conhecer outras paragens, outros silêncios, outros sóis e outros universos. Para quê? Tenho a certeza de que lá fora as coisas são diferentes, tão diferentes que nem consigo imaginar quais. Nem consigo antever as sensações decorrentes dessas realidades. Sentir a diferença é um doce alimento para uma alma. A ciência ilustra-nos a todo o momento com deliciosos mistérios embrulhados em cores e brilhos impensáveis, resfolgando enigmáticos corpos celestes que se entretêm a jogar às escondidas nas profundezas do abismo. Um abismo libertador.  A Terra está cada vez mais pequena e mais poluída, sobretudo de ideias estranhas e comportamentos não aceitáveis. Será que há ideias a mais neste planeta, a ponto de provocarem aquecimento mental irreversível? Ideias a mais? Mas as ideias não são a expressão máxima da criatividade humana? São, de facto. O pior é qu

Vontade de morrer

Conviver com colegas fora do âmbito profissional é útil, alivia a tensão e permite outras coisas: descobrir novos interesses, recordar episódios de vida, transmitir emoções, partilhar experiências e aprender uns com os outros nas mais diversas áreas. No entanto, acabamos sempre por cair em conversas médicas. Há uma força que nos atrai, e não conseguimos fugir. Bem tentamos, mas é impossível. Foi o que aconteceu num sábado à noite, em redor de uma mesa, um bom jantar acompanhado de razoáveis bons vinhos, razoáveis porque o meu colega, homem do Douro, sabe, e de que maneira, da poda enológica! Um jantar num espaço muito aprazível depois de uma tarde repleta de conferências. Falámos da situação económica e financeira do país, da desgraça do desemprego e do incremento estúpido das depressões, para a maioria das quais não há antidepressivos que valham. - É impossível tratar muitos casos com fármacos, o que eles precisam é de apoio, de suporte social. - Sim, disse. Concordo perfeitamente.

Vinho e surdez

Não sou um enólogo, mas sei apreciar um bom vinho, uma bebida com história, que nos faz sentir, por vezes, deuses ou demónios. O ser humano, com arte e engenho, descobriu há muito a forma de se fazer transportar até ao Olimpo e ao Hades, através da mais fascinante das bebidas. Nunca me apeteceu fazer concorrência aos deuses nem ao diabo, não os considero boas companhias, por isso é melhor deixá-los em paz nos seus universos. Sendo assim, prefiro apreciar um bom vinho na qualidade de simples mortal para que a alma sinta algum prazer e conforto. Acompanho com muito interesse e, por vezes, com preocupação a divulgação de estudos sobre as propriedades terapêuticas do vinho. Considero um exagero e não sei se não será contraproducente a divulgação dos mesmos, porque podem aumentar a sua procura por parte de determinadas pessoas. Este fenómeno não é novo, e não se limita apenas ao vinho, outros produtos e alimentos estão a ser constantemente conotados com efeitos benéficos na saúde. Pode

Acabou...

Acabou. O governo não tem hipótese de sobreviver. Quando as manifestações começam a decorrer com estas características , e a este ritmo, só há duas soluções, ou ficam na toca dos gabinetes, calados que nem uns ratos, ou, então, têm de abandonar o barco. E nós? Nós estamos lixados, porque os que pretendem substituir o atual governo não oferecem quaisquer garantias, até, porque num passado recente fizeram o que fizeram. Enfim, o melhor é deixar o navio à deriva, sempre é mais "seguro" e talvez chegue a algum bom porto. E se não chegar, paciência, o tempo riscar-nos-á do mapa da vida... http://www.jn.pt/PaginaInicial/Politica/Interior.aspx?content_id=3063317