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Vinho e surdez



Não sou um enólogo, mas sei apreciar um bom vinho, uma bebida com história, que nos faz sentir, por vezes, deuses ou demónios.
O ser humano, com arte e engenho, descobriu há muito a forma de se fazer transportar até ao Olimpo e ao Hades, através da mais fascinante das bebidas. Nunca me apeteceu fazer concorrência aos deuses nem ao diabo, não os considero boas companhias, por isso é melhor deixá-los em paz nos seus universos. Sendo assim, prefiro apreciar um bom vinho na qualidade de simples mortal para que a alma sinta algum prazer e conforto.
Acompanho com muito interesse e, por vezes, com preocupação a divulgação de estudos sobre as propriedades terapêuticas do vinho. Considero um exagero e não sei se não será contraproducente a divulgação dos mesmos, porque podem aumentar a sua procura por parte de determinadas pessoas. Este fenómeno não é novo, e não se limita apenas ao vinho, outros produtos e alimentos estão a ser constantemente conotados com efeitos benéficos na saúde. Podem ter, não é esse o problema, porque são úteis e indispensáveis a uma existência, logo, dificilmente encontraremos algum elemento que seja prejudicial, exceto em doses excessivas ou em casos particulares de patologias específicas.
Um dos últimos estudos a propósito do vinho veio demonstrar que uma substância, o resveratrol, cujas propriedades terapêuticas têm sido relatadas desde há alguns anos - prevenção de cancros e doenças cardiovasculares, proteção contra as lesões de acidentes vasculares cerebrais e efeitos de radiações, trava ou mesmo impede o crescimento de certas células malignas e, até, aumenta o efeito antitumoral de algumas substâncias -, apresenta mais um efeito digno de registo, "proteção contra as perdas auditivas e o declínio cognitivo".
Ora aqui está uma boa notícia que vai justificar alguns comportamentos. O jovem que anda de noite, sujeito a ruídos, e a provocar ruído, passa a beber "tintos" para se proteger da surdez! Entretanto, o velhote, surdo que nem uma porta, pede ao taberneiro: - Oh Quim, bota aí meio quartilho, hoje não estou a consegui ouvir nada, nadinha. Pode ser que melhor, dizem que é bom para a dureza de ouvido.
Entretanto, indiferente a todas estas particularidades que acabei de enunciar, opto apenas por uma - não obstante sentir alguma perda na audição e estar sujeito ao ruído citadino -, desfrutar a deliciosa sensação de prazer que um copo de bom tinto pode transmitir. Para mim chega, e não quero "ouvir" mais nada!

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