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Poluição, ciência e ética

Quando é que o homem se terá apercebido da existência da poluição? Talvez quando olhou para o fogo e sentiu os seus efeitos, muito antes de a nossa espécie ter aparecido. Quem sabe se a sua domesticação não terá sido determinante para o nosso aparecimento, evolução e atuais características que nos distinguem dos outros animais e homínineos? Aquilo que hoje nos preocupa, e muito, a poluição, poderá ter sido no início um dos fatores de evolução da espécie humana, do crescimento demográfico, da colonização planetária e mãe de todas as culturas. Esta breve reflexão tem como objetivo não só fazer um enquadramento do problema mas mostrar a outra face da mesma moeda e saber como conjugar as duas, sem cairmos no relativismo da importância de cada uma delas, nessa forma tão tradicional de vermos os problemas, simples, sem dúvida, mas ineficaz, que é a visão dicotómica do mundo que nos cerca. O homem trouxe o fogo para dentro de casa, os alimentos tornaram-se mais digestíveis, o conforto mais a

Memento mori

Uma estranha sensação de conforto, quase que diria voluptuosa, começou a conquistar o meu corpo procurando adormecer a alma. Encontrou-a. Não ofereci qualquer resistência, o silêncio da noite, quente, suave, tranquilo, inundou o mundo de paz. O pequeno écran continuava a debitar imagens e sons, que não via nem ouvia. Emergi do sono, não sei quem foi o responsável, se eu, para fugir à morte aparente ou se a morte brutal, inaudita, descrita violentamente num documentário entretanto em exibição. Descrevia o genocídio do Darfur, onde homens, partilhando a mesma religião, revelaram mais uma vez a verdadeira essência da maldade e do ódio. Estranho nacionalismo a reviver outros genocídios, Ruanda, Camboja, Sérvia, Rohingya, para falar dos mais recentes, e que violam a promessa do "nunca mais", expressão criada após o Holocausto. Nunca compreendi muito bem a essência do nacionalismo, mas presumo que é uma forma de acreditar que é possível viver fazendo parte de um grande todo. Será

Fantasia...

O mundo deve ter sido criado num momento de irreflexão, talvez fruto de um desejo, de uma paixão momentânea, mas nunca com base na razão, nunca. Perante o que vemos em nosso redor, e o que nos precedeu, terror, miséria, vingança, sangue e predação constante, viver constitui um tormento difícil de aceitar e de digerir. Mesmos os momentos mais prazenteiros, delicados, finos, artísticos, amorosos, caritativos, e inspiradores são ou foram curtos instantâneos que permitem apenas manter uma estranha e vã esperança em dias melhores ou numa melhor humanidade, mas não passam de ilusões num devir estupidificante que sabe adaptar-se às novas tecnologias e criações ao nosso dispor. Talvez o "sucesso" ou a beleza da criatividade sejam devidos à natural capacidade destruidora e predadora do homem, uma tentativa de esconjurar uma natureza pérfida ou meio pérfida, apenas para não reduzir à forma mais negativa a sua maneira de ser. Um ciclo estranho para o qual não há maneira de quebrar; nem

Benfiquista de uma figa!

Segunda-feira é um dia de trabalho violento, começo cedo e acabo tarde, uma espécie de duche escocês, aulas, consultas, mais aulas, reuniões, sobreposição de compromissos, a desejar a ubiquidade do Santo António, enfim, um teste à loucura. Vou aguentando, se aguento a segunda-feira, então vou aguentar o resto da semana. Chego a casa. Toco à campainha, sempre evito usar a chave. Ouço os passos da canalhada a perguntar, quem é? Divirto-me com este jogo. O neto do meio abre a porta, muito feliz, e apresenta-se vestido com uma camisola do Benfica. Mas o que é isso? Perguntei-lhe. A alegria do miúdo era contagiante, enfiado dentro daquele albernó a arrastar pelo chão. Ao virar-me as costas vi um 17 circundado por Carlos Martins. E o miúdo corria pelo corredor gritando, Benfica, Benfica. Sacana, pensei, traidor. Começaste pelo Porto e agora passaste a benfiquista. A mãe ria-se que nem uma perdida perante a cena, o neto a provocar o portista do avô. Foi então que me disse que a camisola es

Chocolate e capacidades cognitivas

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Como epidemiologista estou sempre à coca para analisar certas notícias que saem na comunicação social. Os assuntos relacionados com a saúde são muito apetecíveis quer para quem os transmite quer para quem os lê. A doença assusta qualquer um, mesmo os mais afoitos, e, por isso mesmo, tudo o que venha a propósito para a preservar é bem-vindo, e se for acompanhado de prazer tanto melhor. Quando isto acontece, associação “saúde e prazer”, é porque devem existir outros motivos, não propriamente o desejo de mais saúde para o próximo, mas o desejo de mais dinheiro para si ou para quem representa. Uma observação a exigir uma análise mais profunda. Fica para depois. Numa das mais prestigiadas revistas médicas mundiais, The New England Journal of Medicine , foi publicado recentemente um pequeno artigo , designado como "nota ocasional", uma nova forma de publicar artigos, em que o autor, Franz Messerli, aborda os efeitos benéficos do chocolate. No final do artigo, o autor faz aquil

Cicatrizes da alma

Entrou com um sorriso fresco, rasgado e estranhamente suave, como se fosse obrigada a partilhar a felicidade que sentia. A conversa flu í a normalmente at é ao momento em que lhe perguntei se tinha tido alguma doen ç a relevante; abrandou um pouco a intensidade do discurso e esmoreceu o sorriso, coisa de um piscar de olhos; foi t ã o r á pido que passaria despercebido caso n ã o estivesse a olh á -la. Estive de baixa durante tr ê s anos por causa de um linfoma. Estive muito mal, mas, gra ç as a uma nova terap ê utica, recuperei, n ã o sei at é quando, nem quero lembrar-me de que estive mais de um ano deitada sem poder fazer nada. Via-se a pairar entre n ó s uma estranha mistura de medo, de sofrimento, de alegria e de esperan ç a. N ã o quis, obviamente, aprofundar mais a situa çã o, para mim era suficiente, e, perante a sua atual situa çã o, limitei-me a tomar algumas medidas que pudessem n ã o prejudicar o seu estado de sa ú de, medidas sensatas e adequadas à

Prémio Nobel da Medicina

Não me telefonaram no dia em que foi anunciado o vencedor do prémio Nobel da Medicina. Às tantas, pensei, a jornalista da rádio que costuma fazer a reportagem já deve ter sido despedida ou, então, deve estar de folga. Não sei como tudo começou, mas há alguns anos fizeram-me um conjunto de perguntas sobre a importância de uma descoberta que esteve na base da atribuição do prémio. Desenvencilhei-me como pude, naturalmente. Depois, o meu número do telemóvel deverá ter ficado associado a este evento e, todos os anos, a jornalista voltava, simpaticamente, à carga para um curto comentário, como se fosse uma espécie de "perito comentador" sobre vencedores dos prémios Nobel. O que me preocupava mais era o facto de eu só saber quem era o vencedor, e o porquê, na hora, o que me poderia causar alguns engulhos, mas sempre consegui desembaraçar-me, realçando o impacto da descoberta. Este ano, o assunto é um dos mais aliciantes. Curiosamente, constitui um dos temas que me te