Não me telefonaram no dia em que foi anunciado o vencedor do prémio
Nobel da Medicina. Às tantas, pensei, a jornalista da rádio que costuma
fazer a reportagem já deve ter sido despedida ou, então, deve estar de
folga. Não sei como tudo começou, mas há alguns anos fizeram-me um
conjunto de perguntas sobre a importância de uma descoberta que esteve
na base da atribuição do prémio. Desenvencilhei-me como pude,
naturalmente. Depois, o meu número do telemóvel deverá ter ficado
associado a este evento e, todos os anos, a jornalista voltava,
simpaticamente, à carga para um curto comentário, como se fosse uma
espécie de "perito comentador" sobre vencedores dos prémios Nobel. O que
me preocupava mais era o facto de eu só saber quem era o vencedor, e o
porquê, na hora, o que me poderia causar alguns engulhos, mas sempre
consegui desembaraçar-me, realçando o impacto da descoberta. Este ano, o
assunto é um dos mais aliciantes. Curiosamente, constitui um dos temas
que me tem prendido a atenção, a reprogramação das células de adulto em
células indiferenciadas. Aliás, tudo o que gira à volta das células
estaminais, sejam de origem embrionária ou de adultos, é muito sedutor e
promissor. A senhora não me ligou. Não faz mal.
Vencer um prémio destes é uma grande honra e traduz o reconhecimento
pelo trabalho produzido em prol da ciência e dos interesses da
humanidade. Todos os países gostariam de ter pelo menos um, nós temos
dois, Saramago na literatura e Egas Moniz na medicina. No entanto, desde
há algum tempo que tenho assistido ao aparecimento de correntes de
opinião que tem como objetivo retirar o prémio Nobel ao médico
português, invocando que a sua descoberta, "lobotomia pré-frontal",
causou mais sofrimento do que benefícios à humanidade. Alguns autores,
inclusive, colocam o neurologista em pé de igualdade com muitos
charlatães. É muito desconfortável ler os artigos e comentários
depreciativos sobre o nosso compatriota, apontado como um exemplo dos
piores prémios Nobel atribuídos até hoje. No entanto, o comité Nobel já
veio a terreiro afirmar que não "retira" o prémio a Egas Moniz,
justificando que na altura não havia "terapias alternativas eficazes",
mas, mesmo assim, não vai ser suficiente para "apagar" a imagem negativa
associada ao nosso cientista, que, apesar de tudo, foi determinante
para a descoberta e aplicação de um dos mais brilhantes exames
imagiológicos, a angiografia cerebral. Que pena não ter ganho o prémio
por esta descoberta, que seria bem merecida.
Quanto à lobotomia, a má fama que lhe está associada levou à sua
proibição legal em países como a Alemanha, o Japão e até a ex-URSS
considerou esta prática, em 1950, como "contrária aos princípios da
humanidade", o que não deixa ser curioso, vendo bem o que faziam os
soviéticos naquela altura. Foi nos Estados Unidos que se realizaram a
maioria das lobotomias nos finais dos anos quarenta e princípio dos
cinquenta do século XX, entre 40.000 a 50.000.
Termino, afirmando que não posso deixar de respeitar a obra e o
pensamento de Egas Moniz, apesar de todos os movimentos que contra si
pululam por esse mundo. Não sei se é ou não por esse motivo que, entre
nós, se nota uma crescente desvalorização ou menorização da sua obra e
criatividade. Não me admiraria tal coisa, ou não fôssemos portugueses,
um povo avesso a respeitar e a admirar quem quer que seja merecedor.
Presumo ter sido Sttau Monteiro que, um dia, afirmou qualquer coisa
parecido com o seguinte: "os portugueses são como os pardalitos, quando
um tenta levantar voo há sempre alguém disposto a abatê-lo"...
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