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Fantasia...

O mundo deve ter sido criado num momento de irreflexão, talvez fruto de um desejo, de uma paixão momentânea, mas nunca com base na razão, nunca. Perante o que vemos em nosso redor, e o que nos precedeu, terror, miséria, vingança, sangue e predação constante, viver constitui um tormento difícil de aceitar e de digerir. Mesmos os momentos mais prazenteiros, delicados, finos, artísticos, amorosos, caritativos, e inspiradores são ou foram curtos instantâneos que permitem apenas manter uma estranha e vã esperança em dias melhores ou numa melhor humanidade, mas não passam de ilusões num devir estupidificante que sabe adaptar-se às novas tecnologias e criações ao nosso dispor. Talvez o "sucesso" ou a beleza da criatividade sejam devidos à natural capacidade destruidora e predadora do homem, uma tentativa de esconjurar uma natureza pérfida ou meio pérfida, apenas para não reduzir à forma mais negativa a sua maneira de ser. Um ciclo estranho para o qual não há maneira de quebrar; nem a religião, ela própria um poderoso combustível de terror e de amor, nem a educação, nem todas as medidas sociais e culturais são capazes de melhorar o que quer que seja. Modificam o aspeto das coisas, e querem dar a entender que um dia tudo mudará, mas não, é uma ilusão que mitiga o esforço de alguns, só isso e nada mais do que isso. Resta-nos tentar viver na fantasia, a única forma de passar pela existência, porque a realidade faz doer, e cada vez mais. Um estranho queixume? Não. Um queixume tão velho como o homem, só que não nos recordamos dele, porque só agora é que o sentimos, ele precede-nos e suceder-nos-á com um estranho, colorido e cínico sorriso. Penso compreender a razão do porquê do refúgio de muitos em determinadas atividades; a melhor maneira de viver é virar as costas a uma realidade que se torna cada vez mais incompreensível. Afinal, a fantasia é muito mais percetível, quer a nossa quer a dos outros. Olho para as crianças e vejo exemplos vivos ameaçados de morte prematura assim que começam a entrar no mundo dos adultos. Tanta pressa! Mas para quê? Para nada, ou melhor, para sofrer, embora alguns consigam morfinizar-se por curtos períodos de tempo na beleza da arte e da criatividade. Estranho consolo!

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