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"Liga dos Maltrapilhos"

Não é difícil compreender a afirmação de que escrever é o mesmo que andar à procura de problemas. Seja, sempre é melhor do que estar quedo e mudo. Os “atrevidos” são, muitas vezes, direta ou indiretamente, convidados a não se pronunciarem sobre determinadas matérias ou problemas. Pessoalmente não tenho razão de muitas queixas, embora já tenha sido objeto de atenção por parte de alguns proselitistas, que, fiéis aos seus dogmas, pensam que são os únicos detentores da verdade. Quase que me apetecia contra-argumentar dizendo que cérebro e intestino andaram sempre ligados durante a evolução darwiniana; quem sabe se por isso não possamos explicar tais comportamentos.  Face à situação em que vivemos não é difícil de verificar a explosão de um sentimento de revolta e de indignação. Paira algo de estranho em Portugal que merece ser analisado. O cidadão comum anda atordoado, sente que está a pagar uma fatura pesada, dura, inconcebível, provocada por uns sacanas que sabem “honrar” como ning

Alma única

Discute-se imenso, por vezes com muita paixão, a questão do direito à eutanásia, que muitos consideram ser uma iniquidade, um atentado contra a vontade divina a quem é atribuída o direito exclusivo de dispor da vida e da morte. Compreende-se que mexer na vida, encurtando-a, possa ser considerado como um crime, um atentado aos direitos humanos, porque, apesar das condições em que é pedida, dramáticas, impossíveis de resolver, pode levar a um abuso ou banalização. Presumo que são estes os dois perigos, o não respeito pela vida concedida por um deus e o risco de banalização. A maioria dos países opõem-se à eutanásia ativa, embora "fechem" os olhos à "passiva" ao considerarem o "encarniçamento terapêutico" como uma forma inumana, violenta e obscena de prolongar inutilmente a vida à custa de meios terapêuticos que hoje são bastante sofisticados. Este último aspeto parece ser consensual mesmo entre os obedientes da vontade divina. Um passo positivo. Quanto à

Um momento diferente num dia igual a tantos outros...

Sou atraído pelos mesmos espaços, pelas mesmas figuras, pelas mesmas lembranças, pelos mesmos desejos, pelas mesmas aspirações e pelos mesmos medos. Não sei se tais atrações me acalmam ou provocam mais ansiedade. Não consigo descortinar nada que possa dar sentido a mais um dia da minha existência, mas tento, tento fugir e tento encontrar, mas nem fujo nem encontro. Limito-me a aceitar o que me aparece, não me resta outra alternativa, as nuvens são as mesmas, distorcidas e enegrecidas, as árvores são as mesmas, tristes e despidas, o ar, frio e choroso, é o mesmo de outras alturas, as faces das pessoas são as mesmas, inquietas, belas, feias e vazias, e eu sinto-me aprisionado neste estranho planeta sem sentido e sem rumo, escravo de leis que não sei para que servem, talvez para me atormentarem. Fujo e escondo-me na velha capela, roubo imagens a silenciosas figuras de madeira, perdidas, despidas, à espera de algo, um pouco semelhante ao que procuro, saber porque estão ali e porque é que

Cinzas da vida

A tirania do tempo é uma constante a que ninguém consegue fugir, quer que o contemos em segundos, em anos, no seio da própria eternidade ou no silêncio da morte. Marcamos tudo e todos em sua função, vivemos, amamos, sofremos e descansamos com ele. Talvez seja por isso que damos tanta importância aos aniversários, quaisquer que sejam, como se terminasse um ciclo e se iniciasse outro. Uma monotonia cíclica que nos permite reviver o passado, dar algum significado ao presente e desejar que tenhamos futuro.  Fazer anos é uma forma de ajoelhar perante o deus Chronos, mesmo para os que não gostam de prestar culto a quem quer que seja. Eu ajoelho-me e recordo que, pela primeira vez, comemoro um aniversário sem a presença da minha mãe. Esvoaço rapidamente pelo passado e inundo-me de imagens, sons, cheiros, sol, frio, chuva, doenças, sabores, carícias, presentes e muita ternura numa estranha amálgama em que os diferentes momentos se confundem, convergindo todos para o mesmo ponto, a comemora

Voluntários de Coimbra

Há momentos da vida em que sinto necessidade de confessar alguns pensamentos, ansiedades e esperanças, como se a deusa da liberdade me obrigasse a partilhar com o  próximo aquilo que muitos protegem, a intimidade. Deve ser mais o efeito da idade do que qualquer outra coisa. Não interessa.  Em criança ficava seduzido pela "bomba". Um carro comprido, vermelho, descapotável, com os bombeiros sentados dos dois lados, um deles a tocar a campainha, avisando as pessoas, voando pela estrada. Antes, no quartel, tocava a sirene angustiada com os seus diferentes toques, fogo em pinhal, acidente, fogo em casa, toques que acabei por aprender. Na altura largava-se tudo, as pessoas corriam para o "balcão", fosse noite ou dia, para saber o que tinha acontecido. O rápido matraquear dos passos nas pedras das ruas denunciavam a ansiedade da tragédia, ao mesmo tempo que as janelas se abriam libertando vozes de todos os tipos que interrogavam os passantes, o que é aconteceu, onde é

Dia de Reis

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Antevendo a depressão de mais um domingo à tarde, agravada pela tristeza de um curto dia de inverno, dia repleto de sol mas incapaz de dissipar o frio, hesitei entre dormir e dar um pequeno passeio. Deixei-me dominar pela melancolia e fui na cantiga de Morfeu. Sedução que me libertou momentaneamente da angústia dos sentidos e do temor do futuro. Mesmo assim, meio adormecido, senti o apelo do passeio, como que antevendo o achamento de algo que me desse prazer, que justificasse a minha vida, que me recordasse o passado e que profetizasse o futuro. Foi o que fiz. Saí de casa e acabei por calcorrear um velho caminho mais do que conhecido. O tempo de sol que restava não era muito, mas mesmo assim ainda oferecia alguma garantia de pormenor.  Sei, por experiência própria, que passando várias vezes pelos mesmos sítios corremos o risco de encontrar coisa novas. Foi o que aconteceu. Ao longo da ribeira ouvi sons diferentes, mais quentes, mais musicais, mais alegres, mais despidos, mais selva

Reis magos

Adoro lendas e mitos, pela poesia, beleza e simbolismo que encerram. Considero as mais perfeitas criações humanas, estimulam os sentidos, preenchem o vazio da existência e acalentam esperança.  Há muito que andava para ler "O Milhão", considerado como um dos documentos mais notáveis da humanidade, livro que relata as viagens de Marco Polo. Escrito há mais de setecentos anos, enche as medidas de qualquer um, pela forma, pelo conteúdo, pelas histórias e descrições relatadas, muitas consideradas fantasiosas, a ponto de, no limiar da morte, os amigos, receosos pela sua alma, rogaram-lhe que se retratasse; Marco Polo declarou: "Só contei a verdade, e apenas metade do que vi.”  Das muitas histórias que me marcaram, destaco uma, a dos reis magos. Os reis partiram de Sava, cidade persa, onde acabaram por ser sepultados. Diz Marco que deve ser verdade, porque a três dias de viagem existe um castelo de adoradores de fogo. Há uma razão para que os reis magos adorassem o fogo.