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Um momento diferente num dia igual a tantos outros...

Sou atraído pelos mesmos espaços, pelas mesmas figuras, pelas mesmas lembranças, pelos mesmos desejos, pelas mesmas aspirações e pelos mesmos medos. Não sei se tais atrações me acalmam ou provocam mais ansiedade. Não consigo descortinar nada que possa dar sentido a mais um dia da minha existência, mas tento, tento fugir e tento encontrar, mas nem fujo nem encontro. Limito-me a aceitar o que me aparece, não me resta outra alternativa, as nuvens são as mesmas, distorcidas e enegrecidas, as árvores são as mesmas, tristes e despidas, o ar, frio e choroso, é o mesmo de outras alturas, as faces das pessoas são as mesmas, inquietas, belas, feias e vazias, e eu sinto-me aprisionado neste estranho planeta sem sentido e sem rumo, escravo de leis que não sei para que servem, talvez para me atormentarem. Fujo e escondo-me na velha capela, roubo imagens a silenciosas figuras de madeira, perdidas, despidas, à espera de algo, um pouco semelhante ao que procuro, saber porque estão ali e porque é que as fizeram. Elas não sabem, eu também não. Deparei-me com uma Pietà e perdi o sentido do tempo, como sempre. Não consigo deixar de me emocionar perante tão dramático quadro. Busco uma há muito, mas não a encontrei ainda, limito-me a vê-las, a apreciá-las e a deixar-me cair nos seus braços, como se mãos protetoras me acariciassem. Olhei para o ar de sofrimento da mãe e a paz irradiante do corpo do filho morto. Quando olhei para as pálpebras fechadas para este mundo, senti algo nunca visto nas demais, havia luz, havia vida. Como é possível, pensei, que uma escultura seja capaz de transmitir luz, vida, paz, e, ao mesmo tempo, suavizar a dor. Está ali há séculos, só, tendo como companhia o silencioso e angustiante tempo, que fugiu quando apareci. Um momento diferente de outros momentos. Precisava ser atraído por um momento diferente...

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Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

"Salvem todos"...

Tenho que confessar, não consigo deixar de pensar nos jovens aprisionados na caverna tailandesa. Estou permanentemente à procura de notícias e evolução dos acontecimentos. Tantas pessoas preocupadas com os jovens. Uma perfeita manifestação de humanidade. O envolvimento e a necessidade de ajudar os nossos semelhantes, independentemente de tudo, constitui a única e gratificante medida da nossa condição humana. Estas atitudes, e exemplos, são uma garantia que me obriga a acreditar na minha espécie. Eu preciso de acreditar. Não invoco Deus por motivos óbvios. Invoco e imploro que os representantes da minha espécie façam o que tenham a fazer para honrar e dignificar a nossa condição. Salvem todos, porque ao salvá-los também ajudam a salvar cada um de nós.