Sou atraído pelos mesmos espaços, pelas mesmas figuras, pelas mesmas lembranças, pelos mesmos desejos, pelas mesmas aspirações e pelos mesmos medos. Não sei se tais atrações me acalmam ou provocam mais ansiedade. Não consigo descortinar nada que possa dar sentido a mais um dia da minha existência, mas tento, tento fugir e tento encontrar, mas nem fujo nem encontro. Limito-me a aceitar o que me aparece, não me resta outra alternativa, as nuvens são as mesmas, distorcidas e enegrecidas, as árvores são as mesmas, tristes e despidas, o ar, frio e choroso, é o mesmo de outras alturas, as faces das pessoas são as mesmas, inquietas, belas, feias e vazias, e eu sinto-me aprisionado neste estranho planeta sem sentido e sem rumo, escravo de leis que não sei para que servem, talvez para me atormentarem. Fujo e escondo-me na velha capela, roubo imagens a silenciosas figuras de madeira, perdidas, despidas, à espera de algo, um pouco semelhante ao que procuro, saber porque estão ali e porque é que as fizeram. Elas não sabem, eu também não. Deparei-me com uma Pietà e perdi o sentido do tempo, como sempre. Não consigo deixar de me emocionar perante tão dramático quadro. Busco uma há muito, mas não a encontrei ainda, limito-me a vê-las, a apreciá-las e a deixar-me cair nos seus braços, como se mãos protetoras me acariciassem. Olhei para o ar de sofrimento da mãe e a paz irradiante do corpo do filho morto. Quando olhei para as pálpebras fechadas para este mundo, senti algo nunca visto nas demais, havia luz, havia vida. Como é possível, pensei, que uma escultura seja capaz de transmitir luz, vida, paz, e, ao mesmo tempo, suavizar a dor. Está ali há séculos, só, tendo como companhia o silencioso e angustiante tempo, que fugiu quando apareci. Um momento diferente de outros momentos. Precisava ser atraído por um momento diferente...
Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite. Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.
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