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"Perfect"...

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Acabo de almoçar. O tempo fusco, cinzento, húmido e morno não me convida a sentar em bancos de pedra para olhar e falar com doces e encantadoras flores. Procuro um refúgio para o corpo e para a alma. É tão bom encontrar um espaço que pode ser só meu ainda que por breves instantes. É o que me tem acontecido ao longo dos tempos. Quando saio dos meus domínios acabo, frequentemente, por tropeçar em belos sítios, tão belos, frescos e tranquilos que não deixam de me surpreender.  Estou numa zona feia, triste, suja e velha, o tempo não ajuda, porque quando faz sol tudo o que é feio, triste, sujo e velho transforma-se numa surpresa capaz de embelezar o mundo e as pessoas. Hoje não. Haverá por aqui algum templo, não importa de que religião, apenas um templo onde possa sentar-me, escrever e sentir-me protegido, seja por santos ou deuses, menores ou maiores, visíveis ou invisíveis, não importa. O que interessa é entrar num qualquer espaço onde ninguém possa importunar-me. É a única coisa

"A oliveira e os Pássaros"...

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As tarefas profissionais aprisionam-me nas suas malhas absorventes e grades de responsabilidade, atormentando o desejo de fugir para a liberdade. Ontem, dia da espiga, não fui livre e nem parei um momento que fosse. Tive inveja dos pássaros e senti saudades do primeiro dia em que me inculcaram o seu significado. Como qualquer criança que se preza, reti somente o que de mais fantasioso havia nas palavras da minha avó, o resto não entrou nessa altura, ficou para muito mais tarde. Na velha cozinha, a sala do trono da casa, onde se fazia toda a vida da altura, contou-me, na véspera, que amanhã é um dia muito sagrado, tão sagrado, tão sagrado que nem os passarinhos põem as patinhas no chão. Abri a boca de espanto. Continuou, é o dia da Ascensão de Nosso Senhor ao céu, e as oliveiras, aquela hora prestam homenagem cruzando as suas folhas. A boca, que já estava aberta, manteve-se durante mais tempo sem que pudesse dizer nada, tamanho era o meu espanto. Continuou nas suas descrições, como as

Dia...

Dia de sol, dia de adoração à fonte da vida, dia da fertilidade, dia da criação, dia da natureza prenhe de beleza e de esperança e dia da cruz a relembrar o fim do sacrifício e o início do amor, um dia pagão, um dia que quer ser diferente, um dia que me chama a atenção para poder viver outros dias, um dia que me obriga a ouvir estranhos sons vindos debaixo da terra, sons da vida e sons da morte. Eu ouço-os, mas não sei se os sons da minha alma são ouvidos. Não faz mal, para o ano há mais, mais sol, mais cruzes, mais vida e mais mortos. Vale a pena tentar compreender este dia, até ao dia em que deixarei de ver o sol. Hoje é dia de adorar o sol da vida e o sol da saudade... ...da mãe  

Mandrongo...

Passar pelo tempo é partilhar vivências, sentimentos, emoções e saborear recordações. Passar pelo tempo é esquecer as más memórias. Não as esquecemos? Não faz mal, é sempre possível retocá-las com cores menos dolorosas, desenhando traços finos de saudade. Passar pelo tempo é transformar a realidade do passado no encanto do mundo da fantasia. São momentos deliciosos quando conseguimos misturar tudo, imagens dinâmicas, coloridas e quentes, com desejos ardentes, sensações estranhas, cheiros deliciosos, emoções perdidas e vontades achadas. O tempo mistura tudo, sem respeito por ele próprio, criando novas realidades que só ele sabe. O tempo faz esquecer a realidade dos momentos do passado, confundindo-nos propositadamente para que a saudade tenha outro sabor e cheiro. O tempo consegue o impossível que é recriar situações temporais distintas como se tivessem ocorrido no mesmo momento. Vale a pena viver a fantasia da realidade, uma fonte de prazer a que não devemos fugir.  - Então,

Anne Frank...

A história de Anne Frank faz parte do imaginário de muitos ao ajudar a compreender mais aprofundadamente a ignomínia da ideologia nazi. Li o diário em pequeno e li o diário em adulto. A história de uma jovem alemã-judia que registou em livro o drama e a vivência da sua curta existência, terminada um pouco antes de fazer 16 anos no campo de concentração de Bergsen-Belsen, vítima de tifo. Lê-lo ajuda a saber que o ódio e o racismo são duas constantes que estão sempre prontos a manifestar-se provocando dor no corpo, sofrimento na alma e destruição da dignidade humana. Lê-lo ajuda as crianças e adolescentes a compreender melhor a condição humana e relembra aos adultos que o ódio e o racismo não dormem, apenas fingem que estão a passar pelo sono para despertarem com violência a qualquer momento. A divulgação da sua obra tornou-se numa verdadeira epidemia pela riqueza, profundidade, beleza e sofrimento espelhados através de um estilo agradável que atrai qualquer um.

Celina das Águas...

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O céu cinzento cobria com doçura as águas chãs da ria, entorpecidas por um estranho langor, escondendo a irritação profunda das irmãs para lá do horizonte. As aves abrigavam-se no conforto da proximidade da terra. Brigavam umas com as outras, disputando com particular raiva os pequenos pedaços de pão que uma mulher lhes lançava. Gaivotas transformadas em pombos, gaivotas enraivecidas a relembrar humanos, a natureza com as suas duas mais comuns facetas, a da paz e a da guerra. Uma constante que não se restringe à nossa espécie. Esgotou-se a fonte da disputa. Acalmaram-se. Puseram-se a olhar para as águas, para a terra e para mim com um olhar sobranceiro, destemido, desafiador e, sobretudo, indiferente à minha condição. A mulher aproximou-se com sinais evidentes de arcar com o pior que a vida lhe deu, cifose da vida a preceder a da idade. Balanceava-se lentamente, sinal de desgaste dos quadris. Olhou-me desejosa de explicar algo que nunca lhe pedi. – Foi a senhora ali, e apontou p

Bronze...

A memória é despertada de quando em vez de forma inesperada, provocando o acender de emoções e o despertar de lembranças, a ponto de obrigar a inesperadas viagens no tempo, fazendo inveja às águas de um rio, que, ao fim de algum tempo, certas da morte e do esquecimento nos majestosos mares, desejam ardentemente subir por onde descem. Não conseguem. O homem consegue, a sua vida é uma corrente capaz de regressar às origens ao tropeçar em qualquer meandro do seu percurso, contrariando a afirmação de que a mesma água não corre duas vezes debaixo da mesma ponte. O homem consegue criar pontes para que as águas corram muitas vezes debaixo delas, tantas quanto o acaso permitir. O acaso existe. O acaso obriga a procurá-lo sem dar a entender que existe. Exige silenciosamente a presença, uma necessidade que alimenta a memória que pretende manter viva. Sem essa necessidade, sem o invisível acaso, não há memória, não há vida, não há passado, não há futuro, não há nada. O bronze, com aspeto de q