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Gesto de atenção

Gosto de uma atenção, de um sorriso, de um olhar tranquilo, de um gesto de nobreza, de um som doce, de qualquer coisa pequena, suave, delicada e que encha o coração. Mesmo sem grandes falas, uma pequena atenção traduz o respeito e afeição de quem sabe exprimir o que lhe vai no coração. Dói-me e exaspera-me a raiva, mesmo a minha quando é despertada pela violência arrogante de quem não vê o que é óbvio, e que constitui a regra mais básica da gentileza humana, o pequeno gesto de atenção. Afinal, também sou sujeito a reações exasperantes que se estendem não só ao fenómeno de ocasião, mas a todos que gritam arrogantemente que só eles têm razão. O que fazer então? Calar-me. Não me mexer. Não sair do lugar. Não ver. Não ouvir. Apenas desejar sentir o que seria da vida se a gentileza de um sorriso ou de um mero gestão de atenção voasse na minha direção. Não voa? Não. Fecho os olhos e deixo-me ir nas ondas virtuais da minha ilusão.

Folha

A folha resiste. Quer manter-se vazia, branca, sem letras, sem palavras, sem pensamentos, sem recriminações, sem soluços e sem esperança. O vazio atrai o vazio e o branco da folha começa a cantar sozinho. Um suave aroma desconhecido invade os meus sentidos escondendo o meu destino.

Livre

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Não ri, não chora, não se importa com o ontem e nem se preocupa com o amanhã. Livre.

Ser

Não necessito de atenções e honrarias. Passo bem sem elas. Também servem para muito pouco. Sou esquecido a todo o momento. É a ordem natural da vida. Fico apenas com um travo amargo na boca. Prefiro isso a perder a alma, que também não serve para grande coisa, mas sempre conforta e transmite a imagem de que sim, que é melhor ser assim, até o tempo a desfazer em farrapos do esquecimento. Prefiro sentir o odor da brisa que esvoaça à minha frente e desfrutar a leveza de ser um ser que nunca desejou ser. É melhor assim. Prefiro ver as nuvens a correr sem fim.

São Mateus

Entrou com um sorriso estampado na cara, balançando o corpo pesado mas ágil. Voz timbrada pelo trabalho duro. Umas boas-tardes sonoras, enrouquecida pela exposição permanente ao ar, foi um bom preludio para a poder provocá-la, certo de que iria desfrutar bons momentos de conversa. Está mau tempo! Pois está. Venho toda molhada, mas que fazer? "Não peças a morte a Deus nem chuva pelo São Mateus" Como?! Interroguei-a de pronto. Repetiu o provérbio, mostrando a tal sabedoria popular que tanto aprecio. Sorri e vi que a minha percepção estava a bater certo. Gostou do provérbio, senhor doutor? Gostei, claro. Afinal estamos perto de comemorar o São Mateus. Sei que é por estes dias, mas já não sei qual a data. Vinte e um de setembro. Pois. Tem razão. Coincide com o equinócio do Outono. Equi? O que é que disse? Equinócio. Depois dei algumas explicações sobre o tema e recordei que nesta altura é muito comum aparecer as chuvas. Recordei a Santa Eufémia, comemorada a dezasseis de

"Desconhecido"

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Não quis adquiri-lo há alguns meses. Não sei qual foi a razão, talvez por não querer sofrer mais uma deceção, porque há sempre alguém que se antecipa ou pague um valor difícil de igualar. Confesso que na primeira que o vi seduziu-me a expressão. Um quadro impressionista da primeira metade do século passado. Nunca foi assinado. Também não é a assinatura que me preocupa. A face do homem desconhecido, desenhado por um desconhecido, num local desconhecido, é mais do que suficiente para me atrair. Mas há mais, o rosto desenha um estado de espírito em que se misturam a tranquilidade, a tristeza, a deceção da vida, a honestidade, o canto do sentir de uma alma ofendida, a vontade de perdoar e o desejo do esquecimento que o porvir lhe irá oferecer. O tempo para conhecer a eternidade já deve ter chegado, e há muito. Depois desapareceu, mas há dias voltou a aparecer. Deve ter sido visto por milhares de pessoas. Voltei a vê-lo, e quis, novamente, adquiri-lo. Achei estranho esta coincidência e

Abriram-se as portas!

Há dezenas de anos que passo por aquela localidade. Nunca vi a porta da capela aberta. Tive sempre curiosidade em ver o seu interior. Quando dizia isso, tinha como resposta: - São todas iguais. - Não são nada, são sempre diferentes. Recebia como resposta um sorriso silencioso. Ao ir sem destino vi que a porta estava aberta. Havia uma azáfama dos diabos. Parei. Entrei no templo, onde se encontravam várias mulheres, novas e menos novas, a dar uma esfrega das antigas. Tudo virado ao contrário. Com calma perguntei se podia dar uma vista de olhos. Pararam, olharam-me com curiosidade, e depois, silenciosamente, demonstrando alguma tolerância, deixaram-me observar as imagens e os altares. Reconheci a Santa Eufémia, que estava fora do seu altar lateral por causa das limpezas. A outra santa, ao lado, bela e bem esculpida, atraiu a minha atenção. Não reconhecendo as suas atribuições, perguntei a uma das senhoras: - Está a trabalhar à maneira. É para a festa? - É sim senhor. Tem de ficar hoje t