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São Sebastião

Já tive oportunidade de explicar a razão de gostar do São Sebastião, capitão da guarda pretoriana de Diocleciano, imperador romano. Sendo cristão, era benévolo com os crentes, facto que o levou a ser considerado como traidor e condenado à morte por flechas. Lançado ao Tibre acabou por ser resgatado por Irene, mais tarde elevada aos altares. Presente perante o imperador acabou por ser executado através de espancamento e o seu corpo lançado nos esgotos de Roma.
Foi objeto de várias obras, uma delas li em pequeno, Fabíola, de Nicholas Wiseman, cardeal. Nunca mais esqueci a belíssima capa do livro. Também foi objeto de outros autores, de forma sedutora e encantadora.
Desde pequeno me fascina a sua imagem, tronco nu, amarrado a um tronco e cravejado de flechas.
Portugal tem uma característica religiosa que considero única. Em todas as procissões, sejam elas em honra de quem for, aparece sempre um São Sebastião. Está presente em muitas igrejas e quanto a capelas, upa, upa, é difícil, penso eu, encontrar um santo com tantas. São Sebastião pode mesmo ser considerado como o campeão das capelas em Portugal. Presumo que o culto a São Sebastião tenha a ver com a peste, a fome e a guerra, a tríade destruidora da humanidade. Na falta de melhor, São Sebastião tornou-se no santo protetor para as pestilências humanas. É tão popular que até tivemos um rei chamado Sebastião que tudo fez para honrar. Lisboa tinha sido assolada em 1569 pela peste. O rei mandou erigir um tempo junto à margem do Tejo e até o papa lhe enviou de Roma uma das setas com que o santo foi martirizado.
Muito mais havia a contar a propósito deste cristão que tentou converter Diocleciano em vão.
No seu dia, 20 de janeiro costumo calcorrear alguns sítios onde lhe prestam homenagem. Este ano passei por eles e fiquei triste, nem uma festa, nem uma procissão, nem uma venda, nem música ao estilo de Quim Barreiros, nem um taberneiro, nada. Ainda pensei: - Ó Sebastião! Será que as pessoas estão a esquecer-te? Não me respondeu.
Confesso que me faltam dois santos para juntar aos muitos que andam por aqui. Faltam-me um São Brás e o São Sebastião. Já prometi, caso consiga adquiri-los, que não mais vou adquirir mais nenhum santo. Uma professa com odor a falso. Mas só eu é que sei.
Não conto as voltas que já dei a propósito de arranjar um São Sebastião. Queria um com arte e com dignidade. Não queria nenhum que ficasse meio acabrunhado junto aos seus colegas de altar. Nada. Mas ontem, dia do santo, deu-me para procurar. Encontrei alguns, mas muito dispendiosos. A loucura ataca-me com frequência, mas na maioria das vezes consigo domesticá-la. De repente vi uma imagem do santo. Uma preciosidade indo-portuguesa que estava nas mãos de um vendedor alemão. Elaborada por santeiros de Goa nos finais do século XIX. Sorri. O preço não era muito elevado face a outros, mas mesmo assim era um pouco pesado. Lancei a minha oferta, certo de que não seria atendida. Mas fiz. Recebi a resposta propondo um valor mais baixo e que era perfeitamente aceitável. Não estava à espera e lancei nova proposta só para testar o vendedor, certo de que se não a aceitasse eu aceitaria a dele. Aceitou! Ó! Nem queria acreditar. Não é que já tenho um São Sebastião? Ainda por cima de origem indo-portuguesa!
Bom, tenho que agradecer ao São Sebastião. De facto, mais tarde ou mais cedo acabo por conseguir o que desejo. Estranho? Um pouco. Mas foi sempre assim.

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