Mensagens

"É português?"

Na sequência de uma troca de galhardetes, um amigo meu tentou justificar as suas afirmações invocando o período das Descobertas, a época áurea de Portugal, em que muitas descobertas se fizeram de improviso, à aventura. Não concordei e avancei com a teoria de que a ciência e a técnica dos judeus sefarditas, aliadas à manhosice dos nossos governantes, é que foram os principais determinantes. Daqui passámos para os judeus. O meu amigo reconheceu que tinham "muito do conhecimento que nos faltava, mas... não possuíam pátria, fomos nós "espertinhos da Silva" que lha demos, em troca do conhecimento que usámos para descobrir os caminhos que facilitaram o comércio que eles sabiam gerir muitíssimo melhor que nós". Esta afirmação levou-me a ripostar dizendo que Portugal também era pátria de muitos judeus e que a religião não deveria ser a condição para impor direitos a ter ou não pátria! Eles consideravam-se portugueses, tanto como os que ficaram, os que mataram e perseguiram

"Três de copas"

Os homens do mar têm comportamentos interessantes. São mais calmos, introspectivos, possuem olhos profundos, exprimem-se em curtas falas, exceto quando os convidamos a contar histórias, os quais são exímios, quer na forma quer no conteúdo, como se fossem elos de sagas remotas que, conhecedoras das suas fraquezas, se alimentam da sua cortesia para se manterem vivas. Os longos meses passados nas embarcações, trabalho duro, leva-os a adquirir este tipo de conduta, mas também outros, alguns pouco saudáveis. Quando entram no consultório, logo pela manhã, muitos emitem um bom dia enevoado por uma rouquidão tabágica associada ao característico cheiro. Nem lhes pergunto se fumam, passo para as seguintes, há quanto tempo e quantos. Outro aspeto muito comum são as tatuagens, de um modo geral são toscas, mal produzidas, com motivos vários, embora outros apresentem imagens bonitas. Presumo que deverão ser feitas nos curtos períodos de descanso entre o silêncio do mar e o ruído ensurdecedor das máq

"Tique preconceituoso". Um contributo

Também "sei" fazer análises sobre a situação do país, pelo menos tento fazer com alguma imparcialidade e sem preconceitos. Tento fazer, mas confesso que é difícil, quase que diria é impossível. Nenhum cidadão se pode considerar impoluto e imparcial na análise de quem quer que seja ou na interpretação de inúmeros factos e situações. Tudo bem. E depois? Depois irrita-me muitos comentários e análises que refletem uma mistura dos factos que nos circundam e das personalidades de quem os analisa. Há quem impregne mais com o suor da sua personalidade - e suor é coisa que não cheira bem -, e há quem impregne menos. Relativamente a questões de vencimentos, reformas e coisas parecidas com ganhos justos ou injustos por parte dos políticos e altos dirigentes, é possível observar um movimento de contestação e de repúdio dos mesmos por parte de grande parte da população. Aparentemente compreende-se, os que contestam ganham pouco ou, até, nem ganham nada. Como travar esta contestação? Não s

São Sebastiao

Tarde de domingo de inverno. Um sol infantil diverte-se convidando os desejosos de calor a espraiarem-se debaixo dos seus raios. Não lhe respondi, tinha de ir a um funeral. Na estrada secundária observei um movimento inusitado para aquele lado meio deserto. O que é que estará a acontecer? Ao fim de meia centena de metros observo uma mancha escura e silenciosa a invadir a estrada. Estacionei o mais possível à direita para deixar passar uma estranha procissão. Para a terríola era muita gente, de idade a maioria, vestidos de escuro, com uma ou outra criança com ar divertido e um casal de namorados que, indiferentes ao momento, iam manifestando ternura amorosa. Os devotos iam ao molhe, sem ordem, até pareciam uma coorte romana a ir para a batalha. As suas faces eram dignas de fazerem parte dos quadros da Paula Rego. Ainda procurei sinais de alguma devoção, mas, sinceramente, não consegui vislumbrar, pelos menos nos que foram alvo da minha atenção. Senti que nos tempos do paganismo hordas s

"E o sol ficou feliz"!

Hoje tenho de dar por terminada uma história que comecei a escrever há três anos a propósito de uma "fotografia". Na altura pensei que ela iria ser entregue ao José Luís, que sofria de grave perturbação visual, estava quase cego, e nunca tinha visto a mãe, nem em fotografia, mas não, por um conjunto de vicissitudes não foi possível. Por causalidade, a prima, que tinha conseguido uma ampliação da única fotografia que havia em casa, foi apresentada a uma senhora acompanhada de uma menina de sete anos. Sabes quem são, perguntou-lhe a madrinha, não, não sei, são tuas primas, primas, sim a filha e a neta do José Luís. Ficou de boca aberta, perguntando, onde é que ele está, onde é que ele está, quero vê-lo e entregar-lhe uma coisa. Disseram-lhe onde estava e, passado pouco tempo, o primo viu pela primeira vez a imagem da mãe, sessenta e sete anos depois de ter entrado neste mundo. Testemunharam o facto a neta e a bisneta que também passaram a conhecê-la. Antes de dizer o que aconte

Classe desconforto

Faço com demasiada frequência viagens até à capital. Sempre que posso vou de comboio, por ser mais económico e, sobretudo, por ser mais mais confortável. Vou quase sempre na classe conforto porque consigo, como membro da universidade de Coimbra, um desconto que faz com que o título de transporte nesta classe tenha o mesmo valor da turística. Classe conforto! Uma interessante classificação que precisa de alguns ajustamentos. Ao fim de alguns minutos, o trepidar típico das composições faz com que sinta uma necessidade irresistível de deixar cair as pálpebras. Não as contrario e adormeço. Sabe-me bem dormir naquelas condições. Tenho a certeza de que estou a usufruir de um sono curto mas muito reparador. O preço de ida e volta, numa viagem a Lisboa, fica em 52 euros, um valor apreciável que merece algumas regalias. Simpáticas hospedeiras oferecem-nos uma bebida, um jornal à escolha e uns auscultadores para quem tiver paciência de ver e "ouvir" uns programas meio ranhosos, mas ape

Pasteis de nata do "Palhoa"

Durante muitos anos comi, mas não abusava, genericamente falando, de doces. Os mais antigos bolos que me lembro ter comido foram o pão-de-ló, que não apreciava muito - exceto quando rapava o tacho onde era produzido, isso sim, dava-me muito mais gozo do que comer o produto final, porque ficava atafegado quando queria mastigá-lo -, o bolo de arroz e um tipo especial de pastel de nata. Mas não se comia muito, só de vez em quando, em dia de festa, ou quando ia ao café do Zé da Estação. Aqui sim, valia a pena comer o bolo de arroz, cujo sabor e textura nunca mais encontrei em local nenhum, mas tinha de pagar dez tostões, o que era obra. O outro bolo era um tipo de pastel de nata que o "Palhoa", fazia. Vinha da vila a pé com uma bandeja de pasteis, cobertos com um pano, fornecendo aos poucos estabelecimentos que havia naquelas bandas. Um pasteleiro especial. Ainda vinha a sair da ponte e já se sentia o cheiro dos mesmos, quentinhos, ou melhor, suavemente quentes. Assim que os entr