Classe desconforto

Faço com demasiada frequência viagens até à capital. Sempre que posso vou de comboio, por ser mais económico e, sobretudo, por ser mais mais confortável. Vou quase sempre na classe conforto porque consigo, como membro da universidade de Coimbra, um desconto que faz com que o título de transporte nesta classe tenha o mesmo valor da turística.
Classe conforto! Uma interessante classificação que precisa de alguns ajustamentos. Ao fim de alguns minutos, o trepidar típico das composições faz com que sinta uma necessidade irresistível de deixar cair as pálpebras. Não as contrario e adormeço. Sabe-me bem dormir naquelas condições. Tenho a certeza de que estou a usufruir de um sono curto mas muito reparador.
O preço de ida e volta, numa viagem a Lisboa, fica em 52 euros, um valor apreciável que merece algumas regalias. Simpáticas hospedeiras oferecem-nos uma bebida, um jornal à escolha e uns auscultadores para quem tiver paciência de ver e "ouvir" uns programas meio ranhosos, mas apenas na classe conforto. Pois! Classe conforto. Seria classe conforto se não fosse o comportamento de muitos passageiros que se põem a falar ao telemóvel em altos berros, obrigando os outros a terem de ouvir as mais diversas conversas, desde as profissionais até às familiares, passando pelas outras! E se juntar os tipos de toques, então é o bom e o bonito. Hoje, no regresso de uma reunião, sentou-se ao meu lado uma senhora jovem artilhada como se regressasse de uma viagem. Tinha um ar cansado. Pensei, a senhora senta-se e não tarda vai cair num sono profundo. Caiu pesarosamente na cadeira e fez de seguida um telefonema, já não sei se foi para o Valter, se foi para o Carlos ou para o Domingos. Não interessa. Com voz pausada ia dizendo que estava a caminho, no comboio, mas não dei grande atenção à conversa, porque achei que não devia. Entretanto, abre o computador, liga-se à net e, fervorosamente, começa a telefonar e a receber chamadas. Via-se que tinha entrado em transe profissional, contratos, assinaturas, programas, tudo ligado ao sector das telecomunicações.
Tinha acordado muito cedo, a reunião tinha sido um pouco tensa, mas acabou bem, felizmente, e senti que poderia aproveitar o regresso para descansar. O sono atacou-me, mas qual quê, era impossível dormir naquelas circunstâncias, a senhora falava, falava, o telemóvel tocava, tocava, e ainda por cima com um toque irritante que a senhora deixava prolongar, não sei se era intencionalmente ou se era um tique de pretensa executiva. E foi assim até Coimbra. Uma tortura. Quando vi que estava em Alfarelos, levantei-me, vesti o sobretudo e fui para a plataforma de saída, pelo menos aí não tinha que ouvir os toques, as conversas e o frenesim da minha companheira de viagem. Classe conforto? Uma ova, tudo menos conforto. Pus-me a pensar se não seria uma boa ideia a CP passar a reservar uma carruagem livre de telemóveis. Evitava de ouvir conversas que não me dizem respeito, de ser agredido com toques mais ou menos foleiros e conseguir dormir um sonoro reparador. Assim passaríamos a ter três classes, a turística, a classe conforto e uma nova classe, a dos "normais", onde passaria a viajar, nem que para isso tivesse de abdicar do "desconto". Classe conforto? Não. Classe "desconforto". E que desconforto. Só espero que não me calhe em futuras viagens companhias deste género, mas estou pouco convencido.

Comentários

  1. Caro Prof. Massano, concordo inteiramente consigo, embora, possa existir um detalhe pela qual a CP não terá qualquer papel interventivo: Ressonar!!
    O que fazer quando o vizinho do lado ressona?
    Passa da Classe dos "normais", para uma nova classe, a dos "Anormais"?

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  2. Pois. E que tal um detetor de roncar? o dispositivo fazia vibrar a cadeira ou uma voz dizia: vira-te, vira-te...

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