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Olhos cinzentos azulados

Acordou sobressaltada. Um frémito doloroso invadia-lhe o corpo. Depressa verificou que um suor viscoso lhe arrefecia a alma, alagando ao mesmo tempo o seu corpo juvenil. Agulhas invisíveis de medo ameaçavam furar-lhe o baixo-ventre, a sua solitária ermida, que, não há muito, foi o altar do culto do amor, um amor físico, intenso, vulcânico. Criada num ambiente de valores artificiais, disciplinados, subjugados a ordens de pureza capazes de escravizar muitas almas, mas não outras, estranhamente castigadas pelo criador a vegetarem neste mundo, depressa interiorizou os locais que lhe estariam reservados, o inferno ou o purgatório, mas nunca o publicitado e desejado céu. O medo controlava-a de forma angustiante, sabia que, um dia, a tentação lhe abriria os braços, ou não fossem os seus olhos a mais perfeita gazua que Deus mandou ao mundo para abrir os corações. Queria saber até que ponto seria capaz de se admirar com a sua obra, sim, porque um Deus solitário tem destas coisas, anseia

"Idade da peste e da fome"

Qualquer sociedade em desenvolvimento tem de passar por certas fases independentemente dos fatores de risco, que estão na génese de muitos problemas, serem passíveis de prevenção e/ou tratamento. Uma espécie de fatalismo sociológico. Podemos apontar como exemplo paradigmático desta afirmação o caso das doenças cardiovasculares. Sabemos qual é o papel da hipertensão, do tabagismo, do colesterol elevado, da diabetes, da obesidade, do sedentarismo, apenas para ilustrar alguns fatores perfeitamente preveníveis e/ou tratáveis. Fazem-se campanhas de rastreio e de informação a todos os níveis. Mas na prática o que é que se verifica? A prevalência desses fatores continua a aumentar ou não diminui de acordo com as expectativas. Sendo assim, muitas das suas consequências, acidentes vasculares, traduzem-se em taxas de morbilidade elevadas. Depois de se atingir um determinado patamar é que começa a diminuir as consequências mórbidas da exposição aos fatores de risco, ou seja, passam a ser m

"Psicopatologia ideológica"

Não perco muito tempo com certas discussões de natureza política, por uma simples razão, muitos são intransigentes nas suas convicções, não havendo maneira de as demover ou mostrar que estão erradas. Nalgumas pessoas a situação é mesmo grave, muito grave, são tão "cegas" que continuam a defender o indefensável. Tento compreender estes comportamentos, mas não consigo, por isso o melhor é estar calado e fazer de conta de que não aconteceu nada. Já me interroguei se, por debaixo daquele comportamento estereotipado, não haverá algum substrato biológico capaz de o explicar, mas evito cair nesta simplicidade, até porque poderia ser rotulado de qualquer coisa desagradável . Em tempos li alguns sociobiólogos a dissertarem sobre esta matéria, queriam dar razão ao darwinismo social com todas as implicações daí decorrentes; perigoso, muito perigoso, ao permitir a legitimação de determinados regimes. De qualquer maneira, ultimamente, tenho vindo a ler alguns artigos a apontarem para a ex

O archote

Semana Santa de 1959. Naqueles dias as quintas e as sextas-feiras eram muito aborrecidas, não se podia fazer nada, nem mesmo brincar. Como não tinha com que me entreter, acompanhei um funcionário da CP até uma pequena horta não muito distante da estação, junto à linha do Dão. Uma tarde muito triste, revestida de nuvens fenestradas por belos raios de sol, os quais desenhavam uma espécie de coroa ou de aura que os santos orgulhosamente são obrigados a ostentar. O que eu queria era divertir-me com os meus amigos, mas não nos deixavam, era considerado uma falta de respeito, chegando mesmo os mais velhos a advertir-nos de que nem se podia rir, uma grande chatice para um miúdo, porque quando não se brinca o tempo recusa-se a passar, o que era um verdadeiro tormento, e a procissão, o único divertimento que antevia para aquele dia, só teria início pelas nove da noite. Deste modo, aceitei o convite para ir até à minúscula leira. Sempre gostei de ver as pessoas a tratar das terras, do cuidado q

Dança, dança com alegria!

Resistir

Resistir. Um verbo interessante, mas difícil de compreender, porque exige muito esforço e dor, mas sem garantia de qualquer sucesso. Resistir é uma aventura perigosa e ingrata a relembrar viagens no desconhecido, quando os aventureiros desesperançados estavam convictos de que ao passarem um cabo ou ao descobrirem uma ilha todos os seus sonhos se concretizavam e todos os seus medos se desvaneciam. Nada mais falso, a promessa de que vale a pena ter esperança é um logro que não serve para grande coisa, a não ser para acalmar os ânimos e enganar o próximo. São os homens das certezas que cultivam até à exaustão este discurso enganador tão antigo como o próprio homem. Fazem-no porque sabem que é a forma mais simples de usufruírem das regalias da vida com fraco investimento e retornos consideráveis. Olho em redor e vislumbro figuras públicas que são verdadeiros especialistas a viverem à custa do cidadão comum, crente, não crente, normalmente honesto, crédulo e cheio de fome de esperança como

“Estar sentado” é perigoso para a saúde!

A forma como os jornalistas transmitem as notícias merece muitas reservas. No fundo, são uns senhores todos poderosos que escolhem as que no seu entender são suscetíveis de captar a atenção dos ouvintes; quantos mais ouvirem melhor para a sua imagem e bolsa, presumo eu, mas também para incentivar o consumo de alguns produtos. Para o efeito, nada melhor do que enveredar pela área da saúde. Começo a ficar farto das notícias sobre o valor em termos de saúde de certos produtos alimentares. Agora corre por aí uma "maratona" de combate ao colesterol feita à custa de um iogurte. O maratonista, que eu sempre respeitei, foi um dos meus ídolos, dá a cara ao consumo do dito. Antes, noutras campanhas sobre o mesmo produto, figuras da música e do desporto também deram o seu contributo. Ganharam dinheiro? Obviamente, porque não creio que fizessem a publicidade por puro filantropismo. Gostava, sinceramente, de saber se os tais "artistas" acreditam nas virtudes ter