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Resistir

Resistir. Um verbo interessante, mas difícil de compreender, porque exige muito esforço e dor, mas sem garantia de qualquer sucesso. Resistir é uma aventura perigosa e ingrata a relembrar viagens no desconhecido, quando os aventureiros desesperançados estavam convictos de que ao passarem um cabo ou ao descobrirem uma ilha todos os seus sonhos se concretizavam e todos os seus medos se desvaneciam. Nada mais falso, a promessa de que vale a pena ter esperança é um logro que não serve para grande coisa, a não ser para acalmar os ânimos e enganar o próximo. São os homens das certezas que cultivam até à exaustão este discurso enganador tão antigo como o próprio homem. Fazem-no porque sabem que é a forma mais simples de usufruírem das regalias da vida com fraco investimento e retornos consideráveis.
Olho em redor e vislumbro figuras públicas que são verdadeiros especialistas a viverem à custa do cidadão comum, crente, não crente, normalmente honesto, crédulo e cheio de fome de esperança como se esta fosse o alimento preferencial da alma. Que raios de almas são estas que dão vida a gente tão sofredora e carenciada? Quem lhes disse que têm de se alimentar de esperança? Só as almas demenciadas é que pensam desta maneira acabando por a consumir como se fosse a mais eficiente das terapêuticas. Mas não. A esperança é um poderoso tóxico que envenena os sentidos e a razão. Mais saudável seria uma pratada de cogumelos venenosos.
Sociedade civilizada com os mesmos tiques e desejos de tantas outras apontadas como desrespeitadoras da dignidade humana. Conquistas civilizacionais? Não creio que tenham existido. E mesmo que apontem algumas como sendo inequívocas do tal progresso, é fácil de contrapor outras tantas em sentido contrário e até mesmo vislumbrar comportamentos esclavagistas e desrespeitadores da dignidade humana naquelas que hoje são consideradas como exemplos. Tanta desigualdade social. Faz parte da natureza humana. Não somos todos iguais, dizem, uns são muito melhores do que outros, logo, têm direito a mais, muito mais. São as regras de jogo da vida. Mas os detentores do poder, todo o tipo de poder, sabem como se devem alimentar para manterem os seus lucros e bem-estar. É tão fácil, fácil demais, basta fornecer gratuitamente esperança, o único alimento capaz de manter viva muitas das almas demenciadas, que são cada vez mais numerosas. Demenciar as almas é o desporto favorito de muitos poderosos que andam por aí. Sabem como fazer, a nível político, económico e até religioso. Em troca oferecem-lhes a esperança. Eu não sinto vontade nenhuma de me alimentar de esperança, talvez por não ter alma? É o mais certo. Não me apetece resistir, tenho fome de lutar. Vou lutar. Posso perder? Posso. E depois? Depois, nada, o lugar de onde nunca deveria ter saído.

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