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Praxe, crime, estado.

Eu acompanhei o caso na altura. Fiquei chocado porque não consigo imaginar o mau uso da praxe, uma forma de iniciação que deve respeitar sempre os direitos dos envolvidos de modo a facilitar a integração num meio novo e criar bases para longas e inesquecíveis amizades. O jovem universitário em causa foi objeto de práticas que lhe provocaram a morte. Nestas circunstâncias mandam as regras que se investigue o caso e que sejam punidos os autores.  Praticamente tudo o que acontece em nosso redor é rapidamente esquecido e, em certa medida, substituído por outros com prazo de validade muito curto, foi o que aconteceu com este caso. Hoje li uma notícia sobre este assunto. Fiquei um pouco perplexo, não porque o tribunal de relação do Porto tenha confirmado a decisão do tribunal de primeira instância, obrigando a universidade a indemnizar os pais pela morte do filho, mas por causa do crime em si mesmo. Curioso. O jovem morreu em consequência de práticas violentas cometidas pelos praxistas

Ninfas

Cheguei cedo. O sol devia estar a sonhar. Brilhava intensamente mas não aquecia. Senti um agradável frio embrulhado em feixes de luz. Um contraste que aprecio imenso. Pensei, deve ser um sonho do sol, só pode. Quando acordou, tarde, redimiu-se, permitindo que pudesse desfrutar uma inesperada vivência, ver nascer um rio. Não é a primeira vez que vejo o local de nascimento de uma artéria da vida. Há algo de misterioso, ver como tudo acontece, ver a vida sair das entranhas das montanhas, de enormes úteros, prontos a lançar os seus frutos. A atmosfera, silenciosa e límpida, acariciava as águas puras, uma pureza singular, num maravilhoso acasalamento indiferente ao olhar humano. Subi mais um pouco, a água desapareceu, mas a calçada, bem desenhada, povoada de pedras vestidas de veludo verde, indicava para a vaginal entrada da montanha. Estava misteriosamente fechada, aguardando o momento voluptuoso de um orgasmo da natureza, em que ninfas sedutoras emergem para correr alegremente saltando d

Dia de São Martinho

Um dia suave. O sol acordou hoje com vontade de querer mitigar as dores da alma. É a sua obrigação, Deus obriga-o, neste dia, a reconhecer a bondade dos humanos. E faz muito bem, pelo menos, uma vez por ano, afasta o frio do tempo e o frio da tristeza da vida. São poucos dias, mas são suficientes para manter a esperança em melhores tempos. De manhã, ao longe, no silêncio crescente da desertificação do interior, alguém se lembrou de lançar uns foguetes. É dia de São Martinho. Nas redondezas há uma igreja dedicada ao santo, e os parcos habitantes dessa pequena aldeia ainda conseguem ser generosos, lembrando-se do santo e da sua lenda.  O dia de São Martinho relembra um dia frio, a pobreza humana e uma capa cortada em duas para aquecer dois corpos. O dia de São Martinho constitui um sinal de solidariedade humana, manifestando-se numa lenda em que a recompensa divina se manifesta de forma interessante; o sol, nesta altura do ano, aquece os corpos dos necessitados. Deus, por vezes, tem

Despedida da vida

O dia amanheceu coberto de nuvens que lançavam pesadas gotas, frias e cinzentas. O chão esfriou, o calor da terra desapareceu. O dia estava traçado, permitindo adivinhar uma invasão de tristeza.  Os primeiros que entraram no consultório queixavam-se da vida, mais do que do corpo, queriam falar, queriam curar as maleitas das suas almas. Pequenas tragédias, pequenos desentendimentos, incompreensões acumuladas ao longo do tempo, choques de personalidades, enfim, o trivial da existência, magoa, pesa e angustia qualquer um. Avisaram-me que uma senhora de idade, acompanhada pela nora e neta, estava à espera da consulta. - Sabe, a filha morreu subitamente este fim de semana em França. Antevi o que se iria passar. Entrou. Depois de descrever o seu historial, e o problema que a vinha afligindo há algum tempo, rompe num choro, passando a contar o drama que estava a viver. Morreu-lhe a filha. Morte súbita. Morte solitária. É difícil desenhar em palavras a experiência da morte de um filho, a

Terror

É horrível ter que abrir o jornal e mergulhar nas notícias, um ato de tentativa de suicídio social. A natureza humana é inequivocamente marcada pelo terror, um gosto aflitivo de aplicar o sofrimento ao próximo. Um jovem, à saída da escola, na Venezuela,  foi regado com gasolina e transformado numa tocha humana. Motivo? Houve alguém que não admite homossexuais! Como interpretar esta conduta? Uma forma de terrorismo homofóbico. Logo a seguir, uma notícia sobre atitudes coercivas aplicadas a quem não tem possibilidades de cumprir com as suas obrigações. Telefonemas e ameaças feitas sobre os próprios ou familiares provocando desespero e angústia nos devedores, para os quais contribuíram muitas dessas empresas que souberam "emprestar" dinheiro fácil. Uma forma de terrorismo do crédito fácil. Mas há outras formas, como as decorrentes de velhas e perigosas ideologias, caso dos neonazis alemães que nos últimos anos foram responsáveis pela morte de turcos. Uma forma de terrorismo ra

"Pernas esculturais"

E se de repente uma estátua grega ganhasse vida? Aparecia um ser irreal, algo que nunca a natureza conseguiu produzir. Os escultores que as fizeram sabiam o que faziam, ou seja, criavam figuras perfeitas, as mais parecidas com os seres humanos, mas eram seres irreais. Sabiam encontrar as proporções exatas através das quais estimulavam, e continuam a estimular, os nossos centros cerebrais sensíveis à beleza, à estética. Sabiam de "neurofisiologia da arte", muito tempo antes de cientificamente se verificar a produção de substâncias cerebrais que nos dão prazer. O cérebro humano é sensível a constantes fibonaccianas, ou a outras que tais, e quando se confronta com tais regras, começa a produzir endogenamente substâncias relacionadas com o prazer e a tranquilidade. Esses centros localizam-se no córtex pré-frontal, o nosso mais recente cérebro. O último dos cérebros a desenvolver-se e, frequentemente, o primeiro a envelhecer e a desaparecer. Esta breve reflexão foi motivada por u

Romãs

Dia de finados. Aproveitei para descansar. Fiquei na terra, saboreei o ar, respirei o frio e lembrei-me dos conhecidos e dos partidos. Uma deliciosa sensação de paz inundou o meu espaço, quase que diria que a lembrança da morte despertou um agradável sabor de vida. Os contrastes surgem em determinadas ocasiões, só é preciso estar atento. Eu estive. Hoje, a simpatia pairava em todos os locais por onde passei. Hoje, uma estranha, enigmática e discreta alegria brotava generosamente de todas as pessoas com quem me cruzei. Nada de ansiedade, nada de temor e nada de dor, apenas tranquilidade e uma serenidade que há muito não via, nem sei se alguma vez vi tal coisa, mas hoje vi e senti. Que estranho! O ar, a água da ribeira e as folhas das árvores estavam felizes. Que estranho! As pessoas sorriam e diziam coisas bonitas, inesperadas e cheias de ternura. Paravam, cumprimentavam-se e brincavam. Não vi um ar carrancudo, não deslumbrei ansiedade, nem ar de tristeza, até mesmo aqueles em que a do