Dia de São Martinho


Um dia suave. O sol acordou hoje com vontade de querer mitigar as dores da alma. É a sua obrigação, Deus obriga-o, neste dia, a reconhecer a bondade dos humanos. E faz muito bem, pelo menos, uma vez por ano, afasta o frio do tempo e o frio da tristeza da vida. São poucos dias, mas são suficientes para manter a esperança em melhores tempos. De manhã, ao longe, no silêncio crescente da desertificação do interior, alguém se lembrou de lançar uns foguetes. É dia de São Martinho. Nas redondezas há uma igreja dedicada ao santo, e os parcos habitantes dessa pequena aldeia ainda conseguem ser generosos, lembrando-se do santo e da sua lenda. 
O dia de São Martinho relembra um dia frio, a pobreza humana e uma capa cortada em duas para aquecer dois corpos. O dia de São Martinho constitui um sinal de solidariedade humana, manifestando-se numa lenda em que a recompensa divina se manifesta de forma interessante; o sol, nesta altura do ano, aquece os corpos dos necessitados. Deus, por vezes, tem destas coisas, consegue lembrar-se dos pobres seres humanos. É pena que noutras alturas se esqueça de nós, mas deve ter muito mais do que fazer. Não faz mal, mesmo assim ainda vamos sobrevivendo, com dificuldade, mas vamos. 
Se o sol consegue alegrar o ambiente e aquecer os corpos, o vinho novo faz aquecer as orelhas e, então, aquelas castanhas, que se abrem numa volúpia única, provocam ondas de prazer. Calor por fora, calor por dentro, alimento por dentro e alimento por fora, este último vindo de curtas e deliciosas conversas. As pessoas cruzam-se e falam com serenidade, com deferência, com carinho, como se a onda de generosidade da capa do santo as protegesse das agruras da vida, aquecendo-lhes as almas. Para aquecer os corpos nada melhor do que misturar a doçura das castanhas com o calor do sol, diretamente através dos seus raios, ou do sol armazenado num bom vinho. O resto é fácil, basta sentar ao redor de uma mesa os amigos e deixar que as suas almas irradiem calor. Pequenos sóis que sabem aquecer as almas. No fundo, uma forma de dividirmos a nossa capa e criar novas lendas. É isso, precisamos de criar lendas.

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