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"Viagem ao passado"...

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Ler a "Trindade Artística", um dos capítulos da obra "Beira Alta, Terra e Gente", de Alexandre Lucena e Vale, obrigou-me a penitenciar-me. O autor descreve uma bela viagem em fins de maio, durante a qual visitou e se embeveceu com três obras-primas da Beira. Das três, só visitei, até hoje, uma, a Igreja de São Pedro de Lourosa, a mais antiga do país, senão da península, cujos 1101 anos são prova disso. Quanto às outras duas nunca as consegui desfrutar. Sempre que me desloco às localidades onde se encontram esbarro com o nariz na porta. As nossas igrejas, sobretudo as da zona Centro, estão quase sempre fechadas, abrindo apenas à hora do culto. Perdi o conto às vezes que fui a Oliveira do Conde para ver o túmulo gótico de Fernão Gomes de Góis feito cavaleiro no dia da conquista de Ceuta por el-rei D. João I. Ontem, lembrei-me, e se fosse num domingo de manhã quando há missa. Pus-me a caminho. A porta lateral aberta permitiu-me ver um templo muito interessante. A

"O dia em que o diabo anda à solta"...

Há muitos anos, neste dia, em período de férias, bate-me à porta uma senhora que era minha doente e que vivia numa pequena povoação. Pedia-me com insistência para a ver. Via-se perfeitamente que estava muito assustada e movimentava-se sem parar. Disse-lhe que sim que a consultava. Já a conhecia desde há algum tempo, e apesar de algumas perturbações comportamentais nada adivinharia uma descompensação daquela intensidade. Fiquei intrigado. No decurso do exame a senhora acabou por me dar a "explicação" para o facto. - É o diabo, senhor doutor. É o diabo! - É o quê?! Perguntei-lhe incrédulo. - É o diabo que não me larga. Apanhou-me. Agora não sei o que fazer. Libertaram-no. E foi logo ter comigo. O quadro configuraria um quadro psicótico mais grave do que pensava, mas fiquei na dúvida, porque a par daquilo a que se poderia chamar delírio, o resto da conversa era normal, sem grandes problemas, exceto quando falava do diabo. Aquela coisa de dizer que o tinham libertado e que esta

"São João"...

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O mês de agosto, o mês de não fazer nada, é muito importante. O não fazer nada leva-me a fazer coisas que, de outro modo, não me lembraria de fazer. Abrir gavetas, consultar velhos papéis, redescobrir livros, apreciar e tocar os mais diversos objetos, mas sempre com um objetivo, recordar, viver e desfrutar episódios que se vão acumulando ao longo do tempo. Envelhecer é isso mesmo, trazer o passado até ao presente para ter a esperança de o poder recordar novamente num qualquer futuro. - Onde está o "Galeno"? - Está na vitrina pequena. Vai vê-lo. - Está bem. Levantei-me e fui ver. Fica nem. Reparei que para colocar um objeto outro teria de ser "sacrificado". - Falta aqui o São João! - Pois falta. Foi para a outra, a maior, onde estão os teus "santos". Assim fica melhor, fica junto dos seus "irmãos". Coitado. Aqui sozinho e a vê-los além. Agora fica mais satisfeito. Abri a vitrina, retirei a peça e pus-me a analisá-la. - Já estás farto de a ve

"Juízo de valor"...

Emitir juízos de valor é complexo e, também, uma fonte de injustiças. Na maioria das vezes não causa transtornos, outras até poderá incomodar e algumas vezes chega mesmo a ofender. Empenhar-se em prol dos outros é uma tarefa nobre a qual deve ser respeitada, mas alguns, pessoas de fraca índole, distorcem e repintam quadros onde se reveem nas suas características mais fracas. É difícil de compreender certos comportamentos, sobretudo na espécie humana, em que desejos, vontades e visões do mundo sofrem distorções constantemente.  Trabalhar a favor dos outros é uma honra que nunca desperdicei, embora tenha sido já prejudicado por esse facto. Não me incomoda o prejuízo profissional ou familiar, o que me perturba é o prejuízo pessoal, quando sou rotulado daquilo que não sou e do que não faço.  Em termos institucionais sou de um formalismo total, porque só assim entendo o cargo. Não sou dono de nenhuma posição, represento algo ou alguém, e quando me coloco nessas situações sei o que dev

"Dia de sol"...

Falar de um dia de sol no verão é como falar de uma papoila num extenso mar vermelho que todos os anos pintam muitos campos. Mas há sempre algo de diferente, mesmo quando tudo parece igual. Basta olhar, basta tocar, basta cheirar, basta lembrar, basta oferecer, basta pensar. O sol de hoje foi diferente, acordou tarde, envergonhado, dando a entender que o dia seria mais fresco do que é habitual. Mas não. De repente, talvez por se lembrar das suas obrigações, acordou meio estremunhado e saltou da cama nervoso querendo talvez desculpar-se pela sua falta de pontualidade. Ele sabia para onde ia e ao que ia. Não lhe liguei. Fiquei calado e fui à vida, embora tivesse sentido alguma apreensão, que se dissipou a meio do caminho. Vá lá, não me vai estragar o dia, pensei. Depois, foi a pequena surpresa, um local muito agradável com a companhia dos filhos e netos, que foram genuinamente cúmplices da oferta de um dia de sol à avó no seu aniversário. O sol também participou, com alegria e com cump

"Nossa Senhora da Misericórdia e Cisco Kid"...

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Tive de ir a Viseu, apenas por uma simples razão, gosto de ir, gosto de frequentar aquele local. Conheço a cidade desde há muito tempo - desde que me conheço -,   e não me canso de calcorrear as suas ruelas vezes sem conta. É um ritual, quase uma obrigação. Ir sem motivo é o melhor motivo para encontrar o que ainda não descobri. Entrei na igreja da Misericórdia, mas antes consegui ver o museu, não o de Grão-Vasco, não o do tesouro da Sé, mas o modesto e elegante museu da Misericórdia. Cuidado, simples, elegante, espaçoso e convidativo a reflexões e análises. Adquiri uma obra de Alexandre Lucena e Vale, "Beira Alta, Terra e Gente", escrito quando era menino e moço. Comecei a lê-lo numa esplanada, trago-o comigo e vou deliciar-me com a sua prosa. Logo nas primeiras páginas, o autor faz a descrição das suas viagens. Tinha que passar, naturalmente, por Santa Comba, terra que fecha e abre as portas da Beira Alta no seu entender. Aqui chegava a

"Diferença"...

Como é que sabemos que estamos diferentes? Quando deixamos de sentir uma necessidade que até há pouco nos alimentava e estimulava. Algo que nos empurrava, que nos divertia, que nos fazia sentir melhor, que justificava a nossa forma de ser e de estar e que lentamente se apaga, ou melhor, se transforma na diferença. Na essência nada muda, o que se altera é a forma, enriquecendo o conteúdo. Escrever tem dessas coisas. Escreve-se com muitos motivos e por muitas razões. Começa-se sempre por algum lado, depois vai crescendo, torna-se mais exigente, mesmo gratificante e por fim começa-se a escrever sem razão, sem motivo e para ninguém. Já falta pouco para começar a escrever para ninguém, a não ser para o próprio. Quando isso acontecer será uma maravilha, é chegar a um momento de total liberdade. Quando isso acontecer poucos serão o que irão ler o que escrevo e quando lerem talvez já não saboreie as doces manhãs e as intensas noites. Ser livre é escrever sem receio de que outros possam ler.