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"Muros"...

Lembro-me perfeitamente quando começaram a construir o "muro de Berlim". Ouvia falar da cortina de ferro e a minha imaginação infantil teceu a respetiva imagem, uma cortina gigante que em vez ser de renda, para cobrir a janela, era de ferro. Mas como vão colocar a cortina? Que raio de janela é essa que tem uma cortina desse tipo? Como fechar e como abrir a cortina? Para quê? Não percebia a linguagem dos adultos. Era difícil entendê-los. Quando se começou a falar do muro foi um pouco mais fácil. Muros eram coisas que não faltavam. Tantos muros ao longo dos caminhos, à entrada das quintas, fazendas e até havia na escola onde me sentava e fazia exercícios de equilíbrio com risco de cair de uma altura nada pequena. Estava constantemente a ser advertido para não andar em cima de muros, porque podia tombar. Tinha essa mania. Não era único. Os outros também faziam a mesma coisa. Saltávamos para cima de um, abríamos os braços e caminhávamos em silêncio. Presumo que era a única situa

Aves...

Os domingos de verão servem para passear, voltar a ver o que já se conhece e prever o futuro deste pobre país. O vazio é uma constante. As localidades estão cada vez mais desertas. Não se veem seres humanos, nem cães, nem gatos, apenas pássaros. Nunca vi tantas aves, de todos os tipos. Esvoaçam, cantam e dançam livremente como querendo testemunhar que não precisam de nós. Curiosa esta mudança de paradigma de vida.  Passei por velhos locais. Noto um tremendo esforço para manter viva certas zonas. A tristeza aquecida pelo sol foge da alegria que dormita à sombra de velhas árvores que se esqueceram dos humanos.  O mundo continua a girar, as pessoas a pensar e a decidir nos grandes centros urbanos convencidos de que a natureza as ouve e compreende as suas opiniões e decisões. Pobre gente que se entretém nos jornais, nas televisões e em reuniões como se o mundo fosse delas. Sorrio perante tantos diletantes. Gente pretensiosa que pensa e julga que é séria. Seres incapazes de travar o qu

Perdido...

Imagem
Elegância e beleza...

"Néon azul"...

Há muitos anos, ao chegar a Amesterdão, deparo-me na viagem para o hotel com um letreiro de néon azul debaixo de uma janela de um edifício com vários andares: "Deus não existe". Fixei-o durante todo o tempo que levei a passar por aquele local. No meio de tantas luzes, tantos anúncios e tanta confusão, a frase adquiria uma força que se destacava por um belo azul que apagava tudo em redor. Questionei qual teria sido a ideia do autor ao mandar fazer um "anúncio" daqueles na cidade mais estranha que visitei até hoje. Cada maluco com a sua mania. Mas a frase ficou, e continua a martelar os meus pensamentos de quando em vez. Uma frase provocadora para muitos, os que acreditam em Deus, e estimulante para os que não o compreendem e não o aceitam. Seja como for a frase tinha esse condão, provocar, estimular ou recordar.  Ontem, ao ler uma crónica sobre "Deus está morto", o filósofo citou outros, nomeadamente os que a escreveram, inventaram ou a descobriram. Um t

Sábado...

Aguardo que o sábado me traga qualquer coisa que faça despertar o sentido de que vale a pena saborear mais um dia de vida. Nada de espalhafatoso, nada de especial, apenas algo trivial que consiga espantar qualquer mal. Pouco coisa. Contento-me com um acontecimento, uma observação, uma imagem, um odor, uma emoção, um quadro, uma peça de arte esquecida ou perdida pelo mundo de então, pouca coisa ou mesmo coisa nenhuma. Se não me trouxer nada de novo então terei de ser eu a oferecer ao sábado, o dia da nossa criação, uma suave e solitária oração.

"Medo"...

Confesso. Tenho medo. Cada dia que passa sinto uma estranha baforada de medo a causar arrepios ao longo da espinha. Cada vez mais intensa, cada vez mais fria. Sentado na varanda, a querer imaginar que o verão existe - não passa de uma ilusão quando a noite cai -  sinto frio. Não me desagrada, mas, também, não me entusiasma. Deixo-me ir atrás dos dedos e olho para o anil do céu para poder falar com dois dos meus deuses preferido, Vénus e Júpiter. Olho e vejo que o amor é maior do que o pai dos deuses. Basta apenas uma luz doce para alumiar o início de mais uma noite. A noite atrai morcegos e os medos. A cegueira da vida ilumina-se na frescura de uma noite anunciada esconjurando os medos e matando as esperanças, como se tudo fosse um jogo. Um jogo cujas regras, falsificadas, apenas ajuda os que desprezam a vida. Estes não tem medo, mas sabem gerá-los na mente e na alma dos que acreditam na sinceridade. 

Bronze...

Tinha um nome muito esquisito. Uma situação que começa a ocorrer com alguma frequência. Fiquei com curiosidade. Como será? Ao entrar vi que era africana. O tom bronzeado pelos genes traduzia um aspeto robusto. Aparentava saúde evidente. Com um olhar misterioso, e um comportamento de avezinha assustada, lançou-me um sorriso tímido como a querer dizer, não sei por onde começar. Balbuciou à minha pergunta sacramental e arrematou logo que não estava doente, só que não conseguia dormir e sentia-se ansiosa. Deu o toque para dirigir a conversa. Apercebi-me que ela saberia fazer melhor o diagnóstico do que eu. Perguntei-lhe se sabia quais as razões para o seu estado de ansiedade, mas nem dei tempo que respondesse, emendei logo, dizendo-lhe, então diga-me o que é que se está a passar. Sorriu, baixou os olhos e contou-me que o namorado estava emigrado num pequeno estado europeu. A última vez que estiveram juntos foi no princípio do ano. Desde então nunca mais lhe telefonou, exceto no dia em que