Chorão
Está frio, adoro o frio, o frio provoca-me e eu não me importo. Ofereço-lhe apenas a face, o resto não, não tem nada a ver com isso. As suas navalhadas despertam um certo gozo debaixo dos agasalhos. Um confronto justo, pelo menos não lhe viro a cara. Caminho na noite. Ao aproximar-me da pequena ribeira começo a sentir a sua humidade, está sempre triste, a chorar, seja inverno ou verão, não sei porque razão um curso de água tão vulgar, tirando os dias chuvosos, consegue furar a pele injetando nos ossos a humidade mais estranha que já senti até hoje. Algum desgosto de amor que ainda perdura nos dias de hoje. Não a recrimino, paro e olho-a com ternura, sinto um certo alento, quero acreditar que as suas entranhas aqueçam um pouco com a minha presença. Estou-lhe grato por fazer parte do meu passado. Ofereceu-me horas de prazer; recordo os seus estranhos cantares, às vezes chegava a gritar de dor, assustava-me, mas os doces murmúrios das noites de verão acalmavam qualquer angústia ou tristez