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Chorão

Está frio, adoro o frio, o frio provoca-me e eu não me importo. Ofereço-lhe apenas a face, o resto não, não tem nada a ver com isso. As suas navalhadas despertam um certo gozo debaixo dos agasalhos. Um confronto justo, pelo menos não lhe viro a cara. Caminho na noite. Ao aproximar-me da pequena ribeira começo a sentir a sua humidade, está sempre triste, a chorar, seja inverno ou verão, não sei porque razão um curso de água tão vulgar, tirando os dias chuvosos, consegue furar a pele injetando nos ossos a humidade mais estranha que já senti até hoje. Algum desgosto de amor que ainda perdura nos dias de hoje. Não a recrimino, paro e olho-a com ternura, sinto um certo alento, quero acreditar que as suas entranhas aqueçam um pouco com a minha presença. Estou-lhe grato por fazer parte do meu passado. Ofereceu-me horas de prazer; recordo os seus estranhos cantares, às vezes chegava a gritar de dor, assustava-me, mas os doces murmúrios das noites de verão acalmavam qualquer angústia ou tristez

Uma questão de tomates!

Frequento com uma certa displicência as redes sociais. Apesar de alguns perigos e dissabores tenho de reconhecer, igualmente, algumas vantagens. Acabo por saber muito sobre a personalidade de conhecidos e desconhecidos, aprendo imenso com os comentários e análises críticas dos bem intencionados e surpreendo-me sempre com o comportamento menos correto e, até, por vezes, ofensivo de outros. No fundo consegue-se uma interação quase que instantânea com várias pessoas representantes das diferentes tendências e formas de ser. No entanto, não posso deixar de dizer que fico muito preocupado com algumas ideias. Uma das áreas mais apetecíveis tem a ver com a atividade política. Queixas e críticas pertinentes não me causam qualquer prurido, pelo contrário, são sempre bem-vindas, porque podem contribuir para a melhoria de comportamentos que deveriam ser escrupulosos e transparentes. O pior é quando atacam de forma genérica, englobando tudo e todos no mesmo saco. Mais grave ainda é quando vislumbro

Diversidade

Em termos biológicos quanto maior for a diversidade de uma espécie maior é a garantia da sua perpetuação. Uma regra observada por tudo quanto é sítio; regra a que os seres humanos também estão sujeitos. Em termos culturais e ideológicos, características intrínsecas à nossa espécie, também somos muito diferentes uns dos outros, e ainda bem, porque, teoricamente, do confronto das ideias e rumos a propor podem surgir novos paradigmas e serem encontradas soluções para muitos dos nossos males, isto se o confronto se realizar com base em certos princípios, nomeadamente respeito e tolerância. Não é o que vislumbro, o que não é de admirar, basta para o efeito olhar para o passado e verificar que os fenómenos de intolerância e de agressividade são das mais poderosas constantes da humanidade, a fazer inveja a outras que são utilizadas, à falta de melhor, para explicar o funcionamento do universo. Olhamos para as notícias e o que é que vemos? Decisões tomadas num determinado sentido começam, ao f

Viva a justiça portuguesa!

Acabo de saber que o sem-abrigo que roubou um champô e uma embalagem de polvo foi obrigado a pagar 250 euros ou, em alternativa, prestar serviço à comunidade. O processo corre há dois anos e, de acordo com o advogado oficioso, que fez as contas, os gastos deverão ser da ordem dos milhares de euros. O sem-abrigo não compareceu nem sabem onde para. Aqui está um cidadão que sabe tratar a justiça como merece: borrifou-se! E se for apanhado deverá fazer um manguito. O quê, trabalhar para a comunidade? Sou um sem-abrigo, mas não sou parvo. Então vai de cana. Ótimo. Ótimo. E durante quanto tempo? Apenas durante algumas semanas. Ora porra! É pouco, muito pouco! Tenho que pensar em roubar algo mais importante, talvez um queijo da serra, uma garrafa de whisky....

Pobre país!

Não tardará muito para podermos observar a realização de verdadeiros safaris pelo interior de Portugal, em que pais e mães, acompanhados dos seus rebentos, irão deliciar-se com uma fauna de seres humanos esquisitos a viverem em condições totalmente distintas dos que vegetam nas grandes metrópoles, sobretudo na dita Lisboa, transformada em Babilónia do Império, com direito a tudo e a mais qualquer coisa em detrimento dos direitos mínimos dos que ainda vão ficando pela dita "província". Lentamente estão a fechar o país, cuidados de saúde reduzidos ao mínimo, serviços a fecharem e a serem concentrados em localidades mais "centrais", justiça a distanciar-se em termos geográficos para não falar dos aspetos humanos, tentativas vãs e mais do que hipócritas de pseudo cuidados a ter com as populações envelhecidas, enfim, contributos eficientes para o despovoamento do quintal da capital, que se transformará num enorme parque de lazer para os stressados das grandes cidades. Qu

Discriminação

Mais um caso a despertar a atenção para as consequências das intervenções médicas. Salvar uma vida é um hino de amor, mas por vezes o doente não agradece, não pode agradecer, nem quer agradecer, porque a vida que lhe devolveram não tem nada, rigorosamente nada a ver com as expectativas de quem sofreu um acidente ou doença grave. Um engenheiro inglês, Tony Nicklinson, sofreu há anos um problema grave tendo ficado paralisado, totalmente incapacitado, apenas pode pensar. Não tem autonomia, e só com ajuda consegue comunicar. Desde 2007 que pretende ter o direito a suicidar-se e começou a lutar para isso. Não quer dizer que o faça hoje, ou amanhã, mas quer que lhe concedam esse direito, porque sozinho não consegue. Considera que a lei discrimina os incapacitados físicos ao não permitir fazer algo que qualquer um pode fazer, deixar de viver. O caso foi parar ao tribunal que começou a estudá-lo. Escravo das tecnologias e dos cuidados ultraespecializados, afirma que os "políticos são uns

Domingo

Mais um domingo, mais uma formalidade, mais uma vez cumprimos a rotina criada ao sabor das necessidades alimentares. Antes do almoço, outro ritual foi satisfeito, tomar um café debaixo do sol de inverno. Sentir o sabor de uma boa bebida quente aliado a um certo elanguescer provocado pelo calor coado pelo vidro provoca-me um súbito desejo de querer parar o tempo. Mas não consigo. Olho em redor e as poucas pessoas presentes chamam-me a atenção. Paradas, desinquietas, fácies expressivas de alcoolismo crónico, alguns com cigarros a tremerem em mãos calosas, e outros com sinais evidentes de pelagra, a testemunhar a gravidade da doença, povoam o "meu" pequeno espaço. O dono do café, treinado por visitas anteriores, presenteou-nos com duas chávenas fumegantes. Para não destoar dos restantes, também apresenta estigmas de um bom discípulo de Dionísio, mas sabe atender os clientes, usa sempre uma bandeja e entrega o talão da venda. Curiosamente paga os impostos. Qual será a noção que t